Interferências na paisagem
Mostra BH Ásia traz à cidade, até dezembro, instalações de porte em espaços abertos
Sérgio Rodrigo Reis
Estado de Minas: 12/10/2013
Jennifer Wen Ma criou uma ilha com plantas pintadas com nanquim na Barragem Santa Lúcia |
Quem passar pela Praça do Papa, aos pés da Serra do Curral, em Belo Horizonte, verá a transformação da paisagem: em meio às montanhas, uma enorme embarcação metaforicamente traz o mar para onde ele não existe. Em vez de o barco navegar em águas revoltas, como ocorre na realidade, na criação do artista indiano Subodh Gupta o mar está dentro do barco. A grande instalação, que deverá intrigar os que circularem pelo local até 8 de dezembro, é uma das atrações da exposição de arte pública BH Ásia. A mostra será aberta hoje em espaços que são cartões-postais da capital mineira.
A exposição traz a locais conhecidos grandes peças feitas especialmente para a ocasião por artistas asiáticos, ainda desconhecidos por aqui, como os chineses Zhang Huan e Jennifer Wen Ma, o japonês Tatzu Nishi e o próprio Subodh Gupta. A intenção é que as obras mudem a paisagem urbana. “Os pontos de vista deles são, necessariamente, invertidos em relação aos nossos. Esse projeto é, de certa forma, oportunidade de se ver o mundo ao contrário”, avalia o curador Marcello Dantas. A inspiração para a reflexão veio de um paralelo à formação do povo brasileiro, que, desde as origens, teve no contato com o estrangeiro uma forma de moldar sua própria identidade. “Nosso apetite pede diversidade. É hora de experimentarmos outros pratos, que nos façam entender melhor quem somos.”
RUÍDO Há anos o curador vê a arte pública como meio de ampliação da compreensão da arte contemporânea. “É a maneira mais fácil para atingir o povo pela arte.” Mas como é possível realizar algo que chame a atenção e, ao mesmo tempo, provoque o olhar? “Não interessa fazer mais do mesmo. Colocar esculturas de Amilcar de Castro na Praça da Liberdade não vai provocar o ruído que queremos. O mesmo não ocorre quando trazemos outras poéticas criadas por quem nunca expôs aqui. Elas causam a percepção do novo.” O ineditismo é um ponto a favor. “As obras estão sendo construídas aqui no país por técnicos de várias regiões.” O caráter efêmero é outro atrativo. As instalações serão montadas e depois deixarão de existir. “A gente intervém e depois desaparece. É o conceito,” explica.
A proposta é que, ao se deparar com uma ilha artificial, uma enorme urna mortuária, uma casa em cima de uma chaminé e/ou um barco gigante cheio de água saindo da montanha, o espectador tenha seu olhar modificado. “Ninguém consegue passar estático diante de obras como essas”, salienta o curador. Para ele, elas serão amadas ou odiadas, mas todo mundo acabará tendo uma opinião. “É ótimo, assim se constrói a reflexão. O Brasil tem grande desafio que é a necessidade de educar o olhar. Por aqui temos o vício de repetir. O que realmente modifica não é isso: é a troca com o novo. Veja, por exemplo, os efeitos que provocaram Inhotim”, cita.
• O que ver
>> Ilha de encantamento – Jennifer Wen Ma criou uma ilha artificial de vegetação, madeira, terra e tinta nanquim preta numa área de 200 metros quadrados no meio da Barragem Santa Lúcia (Av. Arthur Bernardes, s/nº, São Bento). As plantas, pintadas a mão com cerca de 650 litros de tinta nanquim preta, de base natural, serão inicialmente impossibilitadas de fazer fotossíntese por conta do pigmento. A visitação poderá ser feita às margens da lagoa ou de pedalinho, das 10h às 18h. Nascida em 1973, em Beijing, China, Jennifer mudou-se para os EUA em 1986, e recebeu diploma de mestre em belas-artes pelo Pratt Institute, Nova York, em 1999. Atualmente, vive entre Nova York e Pequim.
A embarcação do indiano Subodh Gupta foi instalada na Praça do Papa |
>> Desde corpo para outro – Subodh Gupta inverte o conceito tradicional do barco, oferecendo a BH, cidade sem mar, enorme embarcação repleta d’água – cerca de 80 mil litros – que “penetrará” na cidade pela montanha da Praça do Papa (Av. Agulhas Negras, s/nº, Mangabeiras). Natural do vilarejo de Khagual, Bihar, onde nasceu em 1964, o artista vive e trabalha em Nova Délhi. Utiliza utensílios de aço inoxidável em obras feitas com objetos cotidianos despidos de sua normalidade pela massa e volume, em proporções totalmente exageradas.
>> A correnteza de modernização – Tatzu Nishi quis propor o mais inusitado lugar possível que uma pessoa poderia habitar. Surgiu daí a casa em cima de uma chaminé metálica, revestida de tijolos, que produz fumaça. A estrutura, de 24m de altura, está na Rodoviária (Praça Rio Branco, 100, Centro). Tatzu Nishi é de Nagoya, no Japão. Nasceu em 1960 e, atualmente, vive e trabalha em Tóquio e Berlim. Nishi é conhecido pelos projetos em grande escala em espaços públicos, que transformam a experiência e percepção de monumentos, estátuas ou elementos arquitetônicos da cidade.
>> O dragão azul-celeste, tigre branco, pássaro vermelho e tartaruga negra vivem em minério de ferro – O chinês Zhang Huan é conhecido pela forma surreal de se expressar. Inspirou-se na tradição milenar chinesa de criar em vida urnas onde serão depositados os bens afetivos de uma pessoa quando ela morrer. Fez versão enorme para a Praça da Liberdade. Esses bens são enterrados junto com o corpo, para que o acompanhem na última viagem de quem os guardou com tanto carinho. O público poderá ingressar na urna, diariamente, das 8h às 22h. Ela é feita por 185 placas de minério de ferro e um piso de placas de vidro iluminadas. Zhang nasceu em Anyang, na província de Henan, em 1965. Mora em Xangai, onde fundou o Zhang Huan Studio para ampliar o escopo de seu trabalho artístico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário