sábado, 12 de outubro de 2013

Interferências na paisagem - Sérgio Rodrigo Reis

Interferências na paisagem

Mostra BH Ásia traz à cidade, até dezembro, instalações de porte em espaços abertos 

Sérgio Rodrigo Reis

Estado de Minas: 12/10/2013


Jennifer Wen Ma criou uma ilha com plantas pintadas com nanquim na Barragem Santa Lúcia   (Leandro Couri/EM/D. A Press)
Jennifer Wen Ma criou uma ilha com plantas pintadas com nanquim na Barragem Santa Lúcia

Quem passar pela Praça do Papa, aos pés da Serra do Curral, em Belo Horizonte, verá a transformação da paisagem: em meio às montanhas, uma enorme embarcação metaforicamente traz o mar para onde ele não existe. Em vez de o barco navegar em águas revoltas, como ocorre na realidade, na criação do artista indiano Subodh Gupta o mar está dentro do barco. A grande instalação, que deverá intrigar os que circularem pelo local até 8 de dezembro, é uma das atrações da exposição de arte pública BH Ásia. A mostra será aberta hoje em espaços que são cartões-postais da capital mineira.

A exposição traz a locais conhecidos grandes peças feitas especialmente para a ocasião por artistas asiáticos, ainda desconhecidos por aqui, como os chineses Zhang Huan e Jennifer Wen Ma, o japonês Tatzu Nishi e o próprio Subodh Gupta. A intenção é que as obras mudem a paisagem urbana. “Os pontos de vista deles são, necessariamente, invertidos em relação aos nossos. Esse projeto é, de certa forma, oportunidade de se ver o mundo ao contrário”, avalia o curador Marcello Dantas. A inspiração para a reflexão veio de um paralelo à formação do povo brasileiro, que, desde as origens, teve no contato com o estrangeiro uma forma de moldar sua própria identidade. “Nosso apetite pede diversidade. É hora de experimentarmos outros pratos, que nos façam entender melhor quem somos.”

RUÍDO Há anos o curador vê a arte pública como meio de ampliação da compreensão da arte contemporânea. “É a maneira mais fácil para atingir o povo pela arte.” Mas como é possível realizar algo que chame a atenção e, ao mesmo tempo, provoque o olhar? “Não interessa fazer mais do mesmo. Colocar esculturas de Amilcar de Castro na Praça da Liberdade não vai provocar o ruído que queremos. O mesmo não ocorre quando trazemos outras poéticas criadas por quem nunca expôs aqui. Elas causam a percepção do novo.” O ineditismo é um ponto a favor. “As obras estão sendo construídas aqui no país por técnicos de várias regiões.” O caráter efêmero é outro atrativo. As instalações serão montadas e depois deixarão de existir. “A gente intervém e depois desaparece. É o conceito,” explica.

A proposta é que, ao se deparar com uma ilha artificial, uma enorme urna mortuária, uma casa em cima de uma chaminé e/ou um barco gigante cheio de água saindo da montanha, o espectador tenha seu olhar modificado. “Ninguém consegue passar estático diante de obras como essas”, salienta o curador. Para ele, elas serão amadas ou odiadas, mas todo mundo acabará tendo uma opinião. “É ótimo, assim se constrói a reflexão. O Brasil tem grande desafio que é a necessidade de educar o olhar. Por aqui temos o vício de repetir. O que realmente modifica não é isso: é a troca com o novo. Veja, por exemplo, os efeitos que provocaram Inhotim”, cita.


O que ver 

>> Ilha de encantamento – Jennifer Wen Ma criou uma ilha artificial de vegetação, madeira, terra e tinta nanquim preta numa área de 200 metros quadrados no meio da Barragem Santa Lúcia (Av. Arthur Bernardes, s/nº, São Bento). As plantas, pintadas a mão com cerca de 650 litros de tinta nanquim preta, de base natural, serão inicialmente impossibilitadas de fazer fotossíntese por conta do pigmento. A visitação poderá ser feita às margens da lagoa ou de pedalinho, das 10h às 18h. Nascida em 1973, em Beijing, China, Jennifer mudou-se para os EUA em 1986, e recebeu diploma de mestre em belas-artes pelo Pratt Institute, Nova York, em 1999. Atualmente, vive entre Nova York e Pequim.
A embarcação do indiano Subodh Gupta foi instalada na Praça do Papa   (Leandro Couri/EM/D. A Press)
A embarcação do indiano Subodh Gupta foi instalada na Praça do Papa


>> Desde corpo para outro – Subodh Gupta inverte o conceito tradicional do barco, oferecendo a BH, cidade sem mar, enorme embarcação repleta d’água – cerca de 80 mil litros – que “penetrará” na cidade pela montanha da Praça do Papa (Av. Agulhas Negras, s/nº, Mangabeiras). Natural do vilarejo de Khagual, Bihar, onde nasceu em 1964, o artista vive e trabalha em Nova Délhi. Utiliza utensílios de aço inoxidável em obras feitas com objetos cotidianos despidos de sua normalidade pela massa e volume, em proporções totalmente exageradas.

>> A correnteza de modernização – Tatzu Nishi quis propor o mais inusitado lugar possível que uma pessoa poderia habitar. Surgiu daí a casa em cima de uma chaminé metálica, revestida de tijolos, que produz fumaça. A estrutura, de 24m de altura, está na Rodoviária (Praça Rio Branco, 100, Centro). Tatzu Nishi é de Nagoya, no Japão. Nasceu em 1960 e, atualmente, vive e trabalha em Tóquio e Berlim. Nishi é conhecido pelos projetos em grande escala em espaços públicos, que transformam a experiência e percepção de monumentos, estátuas ou elementos arquitetônicos da cidade.

>> O dragão azul-celeste, tigre branco, pássaro vermelho e tartaruga negra vivem em minério de ferro – O chinês Zhang Huan é conhecido pela forma surreal de se expressar. Inspirou-se na tradição milenar chinesa de criar em vida urnas onde serão depositados os bens afetivos de uma pessoa quando ela morrer. Fez versão enorme para a Praça da Liberdade. Esses bens são enterrados junto com o corpo, para que o acompanhem na última viagem de quem os guardou com tanto carinho. O público poderá ingressar na urna, diariamente, das 8h às 22h. Ela é feita por 185 placas de minério de ferro e um piso de placas de vidro iluminadas. Zhang nasceu em Anyang, na província de Henan, em 1965. Mora em Xangai, onde fundou o Zhang Huan Studio para ampliar o escopo de seu trabalho artístico.

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