De braços dados com a tecnologia
Sequenciamento genético vem sendo usado para mapear, da qualidade sanitária de peixes, doenças parasitárias, a tendências de o ser humano desenvolver cânceres. Custo ainda é alto, mas resultados têm se mostrado interessantes
Alfredo Durães
Estado de Minas: 12/10/2013
Mesmo que a população em geral não perceba, a biotecnologia – considerada a ciência do século 21 – está presente em vários aspectos da vida cotidiana. Um dos exemplos é o sequenciamento genético de peixes, feito pelo Aquacen, o Laboratório Nacional de Referencia para Doenças de Animais Aquáticos, do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), sediado na Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte. Por meio desse laboratório, o MPA monitora a condição sanitária, bem como a ocorrência de doenças em fazendas que cultivam peixes, como a tilápia, o tambaqui e o pintado (surubim), nos cultivos de camarão e também nas fazendas de ostras.
Coordenador do Aquacen, o professor Henrique César Pereira Figueiredo, que tem doutorado em medicina veterinária, explica que o sequenciamento genômico vem sendo usado para o estudo de bactérias patogênicas que causam doenças em peixes, como a bactéria Streptococcus agalactiae, que causa um doença quase sempre fatal em tilápias. “Por meio do sequenciamento genômico conseguimos monitorar se a bactéria S. agalactiae que ocorre em uma fazenda é igual (um clone) ou diferente da que ocorre em outra propriedade distante. Assim, comparamos, por exemplo, linhagens dessa mesma bactéria isoladas em fazendas em Minas Gerais, São Paulo, Bahia, Goiás, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Tocantins, entre outros estados”, explica Henrique.
Outra pergunta importante analisada com a ajuda do sequenciamento genômico é se essa bactéria dos peixes pode ser transmitida para os seres humanos, por meio do consumo do pescado. “Isso porque essa mesma espécie de bactéria (S. agalactiae) é também uma causadora de doenças em humanos”, comenta o professor, acrescentando que o Aquacen já sequenciou cerca de 20 genomas completos de bactérias, como o S. agalactiae, S. dysgalactiae, Francisella noatunensis subsp. orientalis, todas essas importantes causadoras de doenças nos peixes. Ele diz que até dezembro um total de 50 genomas serão sequenciados, em parceria com o Laboratório de Genética Celular de Microorganismos (LGCM), do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG.
Henrique César explica que os resultados obtidos nessa pesquisa ajudam a manter uma boa condição sanitária nas fazendas de cultivo de peixes, camarões e ostras, além de certificar a qualidade da carne de peixe que chega ao consumidor. “E essa garantia se aplica tanto aos consumidores no Brasil quanto a carne que é exportada para outros países”, garante.
DOENÇAS PARASITÁRIAS Um outro estudo, que usa o sequenciamento genômico para entender doenças endêmicas brasileiras, é desenvolvido no Centro de Pesquisas Rene Rachou – Fiocruz/Minas e desenha o perfil epidemiológico das doenças parasitárias, ajudando na prevenção e detecção de doenças endêmicas, como leishmaniose, doença de chagas, febre amarela, meningite e esquistossomose. O cientista do Rene Rachou Roney Coimbra coordena os estudos sobre meningite, em três pilares básicos: prevenção, diagnóstico e tratamento. Graduado em ciências biológicas pela UFMG em 1989, fez mestrado em microbiologia, doutorado e pós-doutorados no Instituto Pasteur, na Universidade René Descartes (ambas em Paris) e no Instituto de Doenças Infecciosas da Universidade de Berna, Suíça. Ele considera que “é um grande avanço desvendar os mecanismos de plasticidade genômica”. E se mostra otimista como as novas técnicas e equipamentos: “Estamos no começo de um novo ciclo industrial na medicina. Temos massa crítica, investimentos e apoio para tanto”, afirmou.
População beneficiada
O sequenciador genético adotado nessas pesquisas é um dos equipamentos mais usados em laboratórios, hospitais e centros científicos do mundo. No Brasil, o Ion Proton – que sequencia genomas menores – chegou há um ano. Farmacêutica bioquímica pela Universidade do Estadual Paulista (Unesp) e PhD em doenças infecciosas pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a cientista Patrícia Munerato, da Life Technologies (empresa fabricante do equipamento), explica que a tecnologia faz parte da rotina de vários laboratórios e institutos de pesquisa.
“Toda essa tecnologia, aliada aos estudos desenvolvidos não apenas no Brasil, tem gerado resultados na pesquisa contra o câncer, por exemplo, como os testes com os marcadores BRCA 1 e 2, o mesmo feito pela atriz Angelina Jolie (ver Memória) para detectar a possibilidade de desenvolver o câncer de mama. Esse exame custa entre R$ 500 e R$ 1,8 mil”, diz ela, acrescentando que o Hospital do Câncer de Barretos (SP) faz o exame gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde, contando com o apoio de várias doações para poder oferecer o benefício para a população.
“O Ion Proton é capaz de sequenciar o genoma humano em um dia ao custo de US$ 1 mil e está sendo usado apenas para pesquisas em grandes hospitais e institutos de pesquisa. Em breve, acreditamos que ele estará disponível a um número maior de pessoas”, informou. O Ion PGM é um dos sequenciadores mais usados no mundo, com mais de 1 mil unidades espalhadas, e o primeiro a usar a tecnologia de semicondutores. Uma das vantagens é ser usado na medicina personalizada, já que o sequenciamento pode indicar tratamentos mais eficazes de acordo com cada pessoa. O Hospital AC Camargo (mais conhecido pela população como Hospital do Câncer), em São Paulo, utiliza a tecnologia da Life para continuar na ponta das pesquisas contra o câncer. Já a Fiocruz do Paraná, por exemplo, comprou a máquina com o intuito principal de ajudar a construção de uma nova política pública de saúde ao construir um perfil genético da população brasileira.
Exame mostrou 87% de risco de câncer em Jolie
No caso da atriz norte-americana Angelina Jolie, de 37 anos, que em maio anunciou que havia se submetido a uma mastectomia dupla, foi feito o sequenciamento genético e descoberto que ela tem “defeito” no gene chamado BRCA1. Isso indicava que Jolie tinha 87% de chance de desenvolver um câncer de mama e 50% de ter a mesma doença no ovário. Diante do fato, ela optou pela retirada dos seios e a colocação de próteses. No começo do texto publicado no jornal norte-americano, a artista disse: “Minha mãe lutou contra o câncer por quase uma década e morreu aos 56 anos.
Ela viveu o suficiente para conhecer seus primeiros netos e segurá-los nos braços. Mas minhas outras crianças nunca terão a chance de conhecê-la e sentir quão amável e graciosa ela era”. A atitude da atriz foi comentada no mundo inteiro. Muitos especialistas são categóricos em afirmar que cada caso é um caso, e qualquer decisão – desde a detecção de um nódulo na mama, até a confirmação de que é um tumor benigno, ou mesmo as altas probabilidades de uma mulher desenvolver o câncer na mama e como se dará o tratamento – deve ser amplamente discutida entre médicos e paciente.
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