quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Cérebro de 520 milhões de anos‏

Pesquisadores descobrem o mais antigo sistema nervoso já identificado ao analisar o fóssil de um animal de apenas 7cm. O estudo ajudará a entender como ocorreu a evolução do órgão e dos artrópodes, filo que reúne 80% da fauna terrestre


Paloma Oliveto


Estado de Minas: 17/10/2013 


O corpo é primitivo e, com pouco mais de 7cm de ponta a ponta, quase insignificante. Dentro da cabeça desse pequeno invertebrado de 520 milhões de anos, porém, um grupo internacional de pesquisadores encontrou um sistema nervoso complexo, semelhante ao de animais modernos, como o escorpião e a aranha. Descrito na edição desta semana da revista Nature, o fóssil da espécie Fuxianhuia protensa tem o mais antigo cérebro já descoberto até hoje, o que, de acordo com especialistas, vai ajudar a entender como esse órgão evoluiu ao longo da história da Terra.

O exemplar foi escavado na província chinesa de Yunuan e pertencia a um grupo extinto de artrópodes conhecidos como megacheira (do grego, “mãos grandes”, em referência ao tipo de garra que os caracterizava). A rocha marinha onde o fóssil estava incrustado preservou bem o animal milenar: foi possível detectar o cérebro, um tecido nervoso relacionado à visão e o cordão nervoso ventral — equivalente à espinha dorsal dos vertebrados — intacto até o oitavo dos 11 segmentos de seu corpo.

“As pessoas podem pensar: ‘O que há de tão importante sobre a cabeça de um fóssil?’. Para isso há muitas respostas, e uma delas é que a cefalização pode ser uma pista para entendermos o sucesso evolutivo dos atrópodes”, avalia Gregory Scholtz, paleontólogo do Museu Australiano e especialista na fauna pré-cambriana. “Essas criaturas dominam o planeta. Nós, vertebrados, somos a minoria aqui na Terra; o planeta, na verdade, é deles”, diz o pesquisador, que não participou do estudo. 

Xiaoya Ma, cientista do Museu de História Natural de Londres, instituição à qual pertence o espécime estudado, afirma que a pesquisa é pioneira. Pela primeira vez, utilizou-se a anatomia do cérebro para determinar a posição evolutiva de um fóssil. Os cientistas chineses, japoneses, americanos e ingleses envolvidos no trabalho tinham uma ideia sobre a classificação do F. protensa, mas, para ter certeza, não podiam confiar apenas na aparência. “Por melhores que sejam as pistas, algumas questões só são resolvidas pelo sistema nervoso. É nele que podemos ver estruturas e características únicas de algumas espécies”, diz. 

A anatomia do corpo do pequenino invertebrado indica que ele fazia parte dos quelicerados, um grande subfilo de artrópodes que inclui aranhas, escorpiões e límulos. A principal marca desses animais é que, para triturar suas presas, eles não usam a mandíbula, mas as quelíceras, garrinhas que ficam perto da boca, prendem o alimento e o destroçam. Apesar de a espécie parecer fisicamente com um quelicerado, não havia como afirmar isso com certeza, tendo como base apenas um fóssil de meio bilhão de anos. 

“Precisávamos ir mais longe e compará-lo com outros animais, para ver exatamente a que grupo pertence. A interpretação das estruturas nervosas do espécime nos mostrou que estávamos certos: essa criatura pequenina é um ancestral dos quelicerados e é um parente mais distante dos mandibulados, como os crustáceos”, conta Nicholas Strausfeld, professor de neurociência da Universidade do Arizona e coautor do artigo publicado na Nature. “Em relação à história evolutiva dos artrópodes, isso nos mostra que eles se diferenciaram de um ancestral comum há muito tempo, no Período Cambriano. Há 520 milhões de anos, já existiam os precursores e os antecessores dos mandibulados”, destaca. 

Nervos óticos Para Xiaoya Ma, além das implicações diretas no estudo da evolução dos artrópodes e de seu sistema nervoso, a pesquisa é importante por demonstrar a possibilidade de usar uma moderna técnica de obtenção de imagem para resolver uma questão milenar. As estruturas neurais do fóssil ficaram visíveis graças à tomografia computadorizada, uma tecnologia que reconstrói em três dimensões órgãos e tecidos que estão dentro do espécime. Com um outro método avançado, de escaneamento por laser, os cientistas mapearam a distribuição de elementos químicos no corpo do animal, procurando os depósitos de ferro, que compõem o cérebro e os tecidos neurais.

O mesmo procedimento foi usado em um escorpião e em um límulo. A comparação permitiu visualizar as semelhanças entre o F. protensa e seus descendentes quelicerados. Uma delas, a mais decisiva na opinião dos pesquisadores, é a presença de três agrupamentos de células nervosas, que se fundem no cérebro e ao longo do corpo do animal. Diferentemente, nos artrópodes mandibulares, como os crustáceos, esse mesmo tipo de célula se distribui de maneira difusa e não agrupada como foi verificado no fóssil. Outra característica do sistema nervoso do animal que os cientistas conseguiram observar foi a presença de nervos óticos dentro e fora do cérebro, terminando em dois pares de olhos, como ocorre nos escorpiões. 

Agora, os cientistas estão atrás do “elo perdido” dos artrópodes: um fóssil que tenha tanto mandíbula quanto quelíceras. “Não sabemos se esse animal existe mesmo, mas é claro que há um ancestral comum, que depois se dividiu. Para que quelicerados e mandibulados existissem, diversificassem e, ainda assim, mantivessem características semelhantes, houve um antecessor. Estamos ansiosos para encontrá-lo, é o que estamos procurando”, diz Nicholas Strausfeld.

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