Açúcar de mentira
Em testes com cobaias, pesquisadores mostram que a ingestão de adoçantes artificiais pode aumentar o apetite por alimentos doces
Vilhena Soares
Estado de Minas: 23/10/2013
Brasília – Um intrigante contrassenso. Ao ingerir produtos light ou diet, a pessoa pode estar, na verdade, provocando no corpo mais vontade de comer açúcar. A hipótese foi levantada por pesquisadores brasileiros e americanos depois de experimentos com ratos e pode otimizar a dieta de humanos.
Segundo Ivan de Araújo, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Yale (EUA) e líder do estudo, a pesquisa buscou identificar como o adoçante e o açúcar funcionam no cérebro. “Descobrimos que quando um animal experimenta adoçantes artificiais durante um estado de privação – com bastante fome ou sob efeito de baixo metabolismo celular, por exemplo –, ele prefere o açúcar mesmo bastante tempo depois de aliviada a fome”, relata.
Araújo explica que, de acordo com os resultados do experimento, o controle fisiológico da escolha entre adoçante e açúcar é regulado pela dopamina. Ele e os demais pesquisadores participantes do estudo acreditam que o uso da glicose pelas células cerebrais estimula a liberação desse neurotransmissor. “É uma substância que regula sensações de prazer e a formação de hábitos associados a comida como uma recompensa. Os adoçantes não parecem ter essa propriedade e, por isso, são mais suscetíveis, por produzirem uma diminuição de interesse se consumidos em um momento de fome ou de exaustão”, exemplifica o pesquisador.
Professor do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília (UnB), Joaquim Pereira Neto explica que a necessidade do cérebro de conseguir dopamina faz parte de um sistema complexo do corpo humano que busca a estabilidade das funções. “Existem vários mecanismos que tendem a manter o organismo equilibrado. É por isso que, quando realizamos um exame de sangue, geralmente os níveis ficam bem próximos do que precisamos, porque temos essa tendência à homeostase”, detalha. Segundo o especialista, sistemas neurais estão envolvidos nesse processo. “O sistema nervoso controla a quantidade de glicose, o seu comportamento. Quando você tenta enganá-lo com outra substância, você consegue driblar somente o paladar, não o cérebro’, destaca.
Para Pereira Neto, que não participou do estudo, os resultados trazem dados interessantes sobre como funciona o adoçante artificial no organismo humano. “Já tinha me interrogado como o sistema nervoso recebe as diferenças entre essa substância e o açúcar natural. Essas variações existem e não têm nada a ver com o sabor, mas com os efeitos que provocam no corpo”, destaca. O especialista explica que a dopamina age em uma região do cérebro chamada estriado, provocando mudanças de comportamento “A dopamina só foi ativada no cérebro dos ratos quando eles ingeriram açúcar, o que prova que os alimentos agem de formas distintas”, detalha.
Novas dietas O endocrinologista Fabriano Sandrini explica que o efeito de saciedade provocado pela dopamina, não ativado pelos adoçantes artificiais, pode provocar a necessidade de comer mais doces ou alimentos que produzam glicose, como massas e pães. “Se transferirmos esse resultado para homens, pode ser que tenhamos dados diferentes, mas, em termos práticos, isso significa que ao ingerir alimentos como adoçante e refrigerantes diet, não teremos a sensação de satisfação provocada por um refrigerante normal”, destaca.
Sandrini acredita que, se confirmado o mecanismo em humanos, será possível explicar por que muitas pessoas que seguem uma dieta baseada em refeições com produtos diet e light comem muito mais do que se tivessem se alimentado com açúcar normal. O endocrinologista reforça que o açúcar natural pode ser encontrado em produtos mais saudáveis, sendo, assim, uma das melhores alternativas para as dietas.
“É claro que o açúcar não deve ser comido em excesso, mas, se formos pensar bem, as opções podem ser adaptadas. Optar por um suco natural ou uma fruta que contém açúcar já pode ajudar a satisfazer essa necessidade por doce”, destaca. “ Vemos também que longos jejuns podem resultar em um apetite maior, o que reforça, mais uma vez, a necessidade de refeições balanceadas durante o dia.”
Ivan de Araújo adianta que a pesquisa terá continuidade e vai tratar da reação do açúcar no corpo com mais atenção. “Gostaríamos de entender melhor esse sistema em humanos, acreditando que seja equivalente aos roedores. Além disso, estamos interessados em entender os efeitos da longa exposição ao açúcar ao longo da vida no sistema dopaminérgico (que envolve a produção de dopamina)”, adianta.
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