quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Marina Colasanti - Escrito no muro‏

Escrito no muro 
 
Marina Colasanti - marinacolasanti.s@gmail.com


Estado de Minas: 14/11/2013


Em algum momento, talvez ao cair da noite quando a vigilância é menor, alguém grafitou uma frase naquele muro urbano. Não se chamava Carlos, nem Nina, e não sabemos o que pretendia. Mas ali, acima da calçada e aquém do terreno baldio que o muro protegia, ficou gravada a escrita em letras vermelhas: “Carlos e Nina se buscam”.

Ninguém a colheu, porque a ninguém interessava. Passaram muitos carros à sua frente, passaram dias e foi noite, passou sol e foi chuva. Ventou. A escrita ali, inalterada e sem qualquer uso.

Então passou Carlos. Ou melhor dito, passou um Carlos como tantos outros, um Carlos médio que em nada se distingue, nem muito jovem nem ainda velho, naquela idade em que a cidade começa a parecer hostil. Um Carlos mais solitário do que tantos outros.
O nome Carlos, que o enfrenta naquele muro, infiltra-se em seu campo visual quase à revelia. Não é um Carlos acostumado a olhar ao redor, muito menos a ler. Mas, como se estivesse sendo chamado, diminui o passo, quase para, e ainda meio de banda completa a leitura da frase.

“Carlos e Nina se buscam” não é uma mensagem, não veio pelo correio nem lhe foi endereçada, não lhe diz respeito. Mas como não dizer-lhe respeito se o nomeia?

Parado diante do muro, Carlos busca na memória, vasculha superficialmente o passado. Continuará depois em casa a procurar com mais dedicação. Para afinal certificar-se de que não, não conhece nem nunca conheceu nenhuma Nina.

Terá, pois, de encontrá-la. Carlos começa a procurar por ela.

Nada mais foi grafitado no muro. A chuva incluiu mofo e talvez já houvesse manchas quando a mão empunhou a lata de spray naquele fim da tarde da qual não estamos muito seguros. A frase continua lá, vermelha.

E passa Nina.

Essa não é uma Nina a mais, como todas as outras Ninas, porque Ninas costumam ser dissemelhantes. Trata-se apenas de uma Nina às vezes sorridente, mas nem sempre, já na fronteira entre juventude e maturidade. É um nome incomum o seu, naquela cidade daquele país, e assim escrito e vivo e latejante no muro ameaçado pelo mofo a surpreende como um chamado. Nina para, embora com medo de assalto, e lê.

Torna a ler. Depois, devagar, como se lhe custasse sacrifício afastar-se do que leu, retoma o caminho, se afasta um tanto. Não resiste, volta, e de pé diante da mensagem tão simples, mas que ela não quer esquecer, se esforça para gravá-la juntamente com o muro e o mofo e as manchas que a sustentam, porque sente, sim, sente com certeza que aquela mensagem foi escrita para ela, emitida pelo destino ou, quem sabe, por um Carlos ignorado que, a esta hora, já está pelas ruas à sua procura.

A partir daí, Nina passará a procurar o Carlos que acredita ter-lhe sido destinado.

A cidade que abriga muro e grafite é confusa e grande. Desconhecidos se cruzam a todo momento nas ruas, nas escadarias estreitas dos morros, se esbarram nos becos e nas saídas de metrô, se acotovelam nos ônibus. Podemos considerar impossível que nossos dois protagonistas se encontrem. Carlos talvez mande tatuar o nome de Nina no antebraço. Pouco importa. O fato é que, agora, esses dois que não se conhecem compartilham um idêntico desejo. E esse desejo passou a ocupar suas vidas, impulsionando-os para a frente, como uma meta.

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