sábado, 21 de dezembro de 2013

Eduardo Almeida Reis - Tradição rapace


Com imprensa falada, escrita e televisada, com internet de bandas não muito largas, ficamos cientes da tomação generalizada

Estado de Minas: 21/12/2013 


De pilhas novas, a calculadora chinesa ficou impossível e me diz que são transcorridos 372 anos desde 1641, quando Vieira pregou na Bahia perante o vice-rei Jorge de Mascarenhas, primeiro conde de Castelo Novo e primeiro marquês de Montalvão, que foi governador de Mazagão, de Tânger e do Algarve, antes de ser nomeado primeiro vice-rei do Brasil, em 1640, por Filipe IV de Espanha. Título honorífico, de caráter pessoal, pois só em 1714 foi o governo do Estado do Brasil elevado à categoria de vice-reino. Excepcionalmente, antes disso, dois governadores-gerais mereceram o título de vice-rei: Montalvão em 1640 e o conde de Óbidos em 1648. Portanto, há 372 anos o padre Antônio Vieira anotava em solo pátrio: “Perde-se o Brasil, Senhor (digamo-lo em uma palavra) porque alguns ministros de Sua Majestade não vêm cá buscar nosso bem, vêm buscar nossos bens... El-rei manda-os tomar Pernambuco e eles contentam-se com o tomar. Este tomar o alheio é a origem da doença. Toma nesta terra o ministro da Justiça? Sim, toma. Toma o ministro da República? Sim, toma. Toma o ministro da Fazenda? Sim, toma. Toma o ministro do Estado? Sim, toma. E como tantos sintomas lhe sobrevêm ao pobre enfermo, e todos acometem à cabeça e ao coração, que são as partes mais vitais, e todos são atrativos e contrativos do dinheiro, que é o nervo dos exércitos e das repúblicas, fica tomado todo o corpo, e tolhido de pés e mãos, sem haver mão esquerda que castigue, nem mão direita que premeie; e faltando a justiça punitiva para expelir os humores nocivos, e a distributiva para alentar e alimentar o sujeito, sangrando-o por outra parte os tributos em todas as veias, milagre é que não tenha expirado”. Não havia imprensa e tevê na Bahia de 1641. Se houvesse, não adiantaria nada, como nada adiantou o sermão de Vieira pregando ao marquês de Montalvão: o pessoal continuou tomando o alheio, a tradição rapace, rapinante, roubadora é muito forte, enquanto os tributos nos sangram em todas as veias. Com imprensa falada, escrita e televisada, com internet de bandas não muito largas, mas, ainda assim, chegando devagarinho aos nossos computadores, ficamos cientes da tomação generalizada. E o substantivo feminino tomação, aqui, não deve ser entendido na rubrica bibliologia: divisão, em tomos, de uma determinada obra. É tomação no sentido de ânsia, de febre, de alegria de tomar o alheio. De vez em quando, não mais que de quando em vez, condena-se um ladrão importante, ladrão e assassino, a dois ou três anos de prisão domiciliar. Assassino de milhares de brasileiros, sim, porque ao tomar o alheio priva os mais pobres de alimentação, escolas e hospitais públicos decentes – e passa por santo. E merece a visita de um ex-presidente da República.

Moto-contínuo

Sou escolado em motos-contínuos, ou motos-perpétuos, desde o tempo de minha granja de galinhas, no ano de mil novecentos e antigamente. Na rubrica física, di-lo Houaiss, moto-perpétuo é o movimento de um mecanismo que, após iniciado, continuaria indefinidamente. Em geral, distinguem-se dois casos: o de primeira espécie, no qual o mecanismo geraria a própria energia, violando o primeiro princípio da termodinâmica, e o de segunda espécie, no qual o mecanismo converte todo o calor recebido em trabalho, violando o segundo princípio da termodinâmica. Deu-se que o meu compadre e sócio nos galinheiros, brasileiro de letras nenhumas, investiu boa parte dos caraminguás societários na construção de um moto-contínuo que começava com um motor diesel de 800RPM movimentando gerador elétrico, que por sua vez iluminaria Itaguaí e o mundo dispensando o diesel, não me perguntem como. Parece que o compadre confundia voltagem com amperagem. Não por acaso, Machado de Assis situou em Itaguaí seu conto “O alienista”, em que o dr. Bacamarte tranca a cidade inteira num hospício. O Bruxo do Cosme Velho morreu em 1908 e o gerador do sócio datava de 1958, portanto meio século depois.

Tive notícia, tempos mais tarde, de brasileiro ilustre, formado em engenharia militar, que investiu boa parte de suas economias num moto-contínuo à base de bolinhas de pingue-pongue, que obviamente nunca funcionou. Vejo, agora, que um grupo gaúcho, com ramificações em Illinois (EUA), está construindo dois motores supostos de movimentar geradores elétricos exclusivamente com as forças gravitacionais. Se o leitor de Tiro e Queda tem interesse pelo assunto, sugiro que veja as fotos dos motores montados em Porto Alegre e nos Estados Unidos por meio do site www.rarenergia.com.br. É coisa recente, de novembro de 2013.

O mundo é uma bola

21 de dezembro é o dia do solstício de dezembro, quando começa o inverno no Hemisfério Norte e o verão no Hemisfério Sul. Portanto, é o dia mais longo e a noite mais curta no Hemisfério Sul e o dia mais curto e a noite mais longa no Hemisfério Norte. Em 1620, peregrinos do Mayflower desembarcam em Plymouth Rock, na costa do Atlântico Norte, e estabelecem um assentamento permanente. Em 1844, um grupo de 28 tecelões de Rochdale, Inglaterra, estabelece as bases do cooperativismo. O Brasil é o único país em que cooperativa tem dono. Hoje é o Dia do Atleta.

Ruminanças  

“A constante do ser humano é a burrice. Para um gênio há 10 milhões de imbecis” (Nelson Rodrigues, 1912–1980). 

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