sábado, 21 de dezembro de 2013

ENTREVISTA/GUIOMAR DE GRAMMONT » A criação e o mercado - João Paulo


Escritora mineira fala da experiência como editora e anuncia projetos literários para o ano que vem

João Paulo
Estado de Minas: 21/12/2013 


 (Carol Reis/Divulgação)
Conhecida pela criação do Fórum das Letras de Ouro Preto, a professora e escritora Guiomar de Grammont deixa o cargo de editora de literatura brasileira da Record, uma das maiores casas editoriais da América Latina, enriquecida pela experiência e cheia de planos para sua carreira literária. “Foi uma experiência riquíssima”, reconhece Guiomar, que, ao lado da seleção dos títulos de autores brasileiros de ficção, destaca em sua passagem pela empresa o trabalho voltado para a ampliação da editora em eventos como a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).

Mas Guiomar garante que sua saída da Record – quem assume a área é o editor Carlos Andreazza, até então responsável pelo catálogo de não ficção – está ligada sobretudo a seus projetos literários, que incluem romance, poesia e peça de teatro. “Quero voltar a ter tempo para escrever e me dedicar de corpo e alma à divulgação dos livros que pretendo publicar em 2014. Tenho enorme carinho e respeito pelos autores do meu catálogo, não queria me sentir dividida entre o cuidado com as obras deles e os lançamentos dos meus livros.”

Professora da Universidade Federal de Ouro Preto, Guiomar de Grammont foi curadora nas bienais do livro do Rio de Janeiro, Minas e Bahia e organizou eventos literários no exterior, como o Letras em Lisboa e a parte brasileira do Salão do Livro Latino-americano de Paris. Entre seus livros se destacam o ensaio Aleijadinho e o aeroplano: paraíso barroco e a construção do herói colonial e a coletânea de contos Sudário. Em entrevista ao Pensar, ela fala do trabalho do editor no Brasil, do difícil caminho para publicar o primeiro livro em uma editora consolidada no mercado, dos eventos literários e das novas tecnologias que conquistam cada vez mais espaço no cenário da indústria do livro.

Sempre se fala muito do autor, mas se conhece pouco o papel do editor. Que contribuição este profissional tem a dar no universo do livro, do mercado e da leitura no Brasil?

O editor é um filtro. Ele leva a público suas escolhas, as quais podem ser determinadas por diferentes critérios, tais como a qualidade literária ou o potencial de vendas de um livro. Se a editora tem também um poder de penetração na mídia e uma rede ampla de distribuição em território nacional, o editor pode fazer com que um livro seja lido por muitas pessoas, o que possibilita que seu autor saia do anonimato. Além disso, o bom editor atua em interlocução com o autor para tornar as obras mais claras e bem construídas.

Como se forma um editor e que desafios são colocados a ele no Brasil e no mundo num contexto de competição com outras mídias?

Hoje, há excelentes cursos de produção editorial, contudo, penso que a formação é muito intuitiva. É preciso que seja alguém que goste muito de ler e tenha tempo e ambiente para fazer isso com atenção. Os livros sempre dialogaram com outras mídias, mas uma prova do seu poder de permanência é o fato de que um mesmo livro pode ser matriz para diferentes adaptações ao longo do tempo. A atenção que uma obra desperta, em detrimento de outras, muitas vezes depende mais de fatores externos à literatura, sujeitos à flutuação do mercado. A verdadeira literatura deveria aspirar a uma eternidade, ou seja, ser menos circunstancial e mais universal. Infelizmente, porém, os valores do mercado imperam.

Um dos momentos mais difíceis para o novo autor é a apresentação de seu livro a uma editora consolidada no mercado. Que conselhos você daria a um jovem escritor?

Os editores costumam ser muito ocupados, por isso, é interessante que o autor envie uma pequena sinopse, acompanhada de um currículo mínimo, por e-mail. O autor deve enviar os textos por e-mail apenas se o editor manifestar interesse. Fazer-se recomendar por um autor da casa ou por um crítico conhecido também ajuda a chamar atenção para a obra. As editoras têm pouco espaço para absorver o número avassalador de obras que recebem. Para adentrar no mundo da literatura, pode ser interessante a publicação em editoras que compartilham custos ou publicar por conta própria, até mesmo pela internet. Nesse caso, quando o livro é publicado, é preciso trabalhar o máximo possível na divulgação. Às vezes, mal o livro é lançado, os autores já começam a escrever outro, esquecendo o que acabaram de publicar. Hoje, em uma editora comercial, a publicação do próximo livro depende do sucesso do anterior. Por isso, é preciso se esforçar ao máximo para garantir que a obra chame a atenção do público e da mídia. Costumo lembrar o exemplo de Laurentino Gomes, que passa alguns anos em esforços consideráveis para divulgar seus livros, antes de pensar em escrever ou publicar novamente.

O debate sobre o fim do livro físico e o crescimento dos e-books se mantém vivo. Como você avalia o crescimento dos e-books?

Penso que o livro físico sempre existirá, contudo se tornará cada vez mais sofisticado e apreciado por sua raridade e aspectos estéticos. Os e-books oferecem inúmeras vantagens no mundo atual, em que o espaço físico em casas e bibliotecas se reduz cada vez mais, e a mobilidade das pessoas aumenta. Além disso, ampliam as possibilidades de leitura para limites que, hoje, mal conhecemos. O espaço limitado dos livros impressos se torna ilimitado, democrático, simultâneo. Podemos ler um livro quase ao mesmo tempo em que ele é escrito. Contudo, como suporte da memória, os e-books são mais volúveis, menos duráveis, é difícil imaginar as consequências do advento do e-book para a história da humanidade. Esse é o tema que começo a estudar para desenvolver em pós-doutorado, sob orientação de Roger Chartier.

Muitos autores deixaram de lado as editoras e investem em edições digitais próprias. Como você avalia essa tendência? Há uma nova literatura nas redes sociais?

Como o livro é sobretudo uma forma de comunicação, é incrível o número de leitores que um autor pode alcançar escrevendo apenas em redes sociais. De qualquer forma, pelo que observamos na prática, a publicação por uma grande editora, com seu equipamento de divulgação e distribuição, pode fazer com que se amplie muito mais o potencial de vendas e de leitura de uma obra que já fez sucesso em publicação própria ou nas redes sociais.

À frente do Fórum das Letras de Ouro Preto, como você avalia o cenário desse tipo de evento e da aproximação da literatura com o leitor?

O Fórum das Letras se coloca entre os eventos que divulgam atividades de promoção à leitura realizadas pela universidade ao longo de todo o ano, daí a sua eficácia transformadora. É preciso aproximar os leitores das obras, não apenas dos autores. Mas o boom de eventos literários no Brasil nos últimos 10 anos vem estimulando muito a literatura, forma um público e um mercado para o livro, o que é fundamental para o desenvolvimento da leitura e amplia o número e a diversidade das publicações.

Quais são seus novos projetos na literatura, como organizadora de eventos e como autora?

Teremos um Fórum das Letras grandioso, celebrando seus 10 anos, e estarei lançando, junto com o Instituto Oldemburg, um evento na região serrana do Rio de Janeiro, o Festival Literário Internacional da Serra. Estarei voltando a realizar eventos em outros países. Irei lançar o romance intitulado Na tua ausência..., que trata da presença obsedante de um parente, cujo corpo jamais foi encontrado ou enterrado; e Aeroportos, poema longo sobre a sensação do nowhere, a angústia do deslocamento do homem no mundo, a maldição do Judeu Errante, de que falava Kierkegaard. A ideia do poema me surgiu das estátuas de bronze de viajantes cansados, que vagam, com seus corpos apenas sugeridos, às vezes, incompletos, pela estação de Atocha, em Sevilha. Estou escrevendo também, junto com a diretora italiana Alessandra Vannucci, uma adaptação para o teatro do Diário da prisão, de Judith Malina.

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