Estado de Minas: 21/12/2013
Romance de absoluta
exceção, o 38º livro de Paulino Vergetti Neto, nascido em União dos
Palmares, em Alagoas, hoje residente em Garanhuns, em Pernambuco,
confirma a trajetória quase assombrosa de um escritor (Paulino também é
médico, na área da oncologia) capaz de um estilo tão escorreito quanto,
pela ótica que adota ao narrar, caleidoscópico.
Meu analista é um anjo trata-se de um romance de quase 400 páginas, que ocorre não só num único dia, mas apenas durante uma sessão de psicanálise. O extraordinário na criação ficcional do escritor já se mostra nesse fôlego, tipicamente joyceano – excetuada a linguagem, uma vez que, ao contrário do dublinense, o brasileiro destaca-se por ser um incansável contador de histórias.
Melhor que isso, as histórias que traz à tona estão embebidas de reflexões de quem conhece as águas mais profundas da terapia, da filosofia, da poesia, e sobretudo da vida alimentada por verdades humanas a revelar que uma pessoa não é, jamais!, um único ser, mas vários.
Freud instituiu isso há mais de um século, e depois, naturalmente, muitos artistas partiram dessa premissa para derrotar de forma contundente a linearidade. Pois Paulino é um homem adulto que, no romance, assumindo o narrador, comparece numa sessão terapêutica para a qual convergem, por meio de sua escrita sumarenta, memórias de infância, cenas impagáveis e elementos de inquestionável autobiografia.
Não há aspecto emocional, afetivo, que o autor não aproveite. Nesse sentido, podemos afirmar, sem nenhuma hesitação, que Meu analista é um anjo (nada a ver com autoajuda, é conficção mesmo) trata-se de um livro até mesmo desconcertante por mais de uma razão.
Primeiro, porque a narrativa é toda ela costurada por transições entre o presente na análise (uma análise, aliás, sui generis), e uma série de digressões que passam tanto pela memória quanto pela reflexão.
Um livro a exigir uma maturidade enorme experiência de vida, alimento riquíssimo para adensá-lo, e maturidade estética, fazendo-o, de algum modo, uma espécie de “plurirromance”, para usar-se aqui um neologismo necessário.
Presença da poesia Uma presença nesta narrativa poderosa, de arquitetura engendrada com muita criatividade, surpreende a quem abre as páginas de um romance dentro do qual percebe, de imediato, que uma existência dotada de riquíssimas nuances nos será revelada, é a poesia. Não a poesia que encontramos no poema, evidentemente, mas aquela transcendência que acaba em lirismo, lirismo como sinônimo metaforizado de zelo em ser uma pessoa ética, consciente em grau máximo de si e dos que lhe convivem no entorno, do temperamento dotado de uma afetividade rara.
Em suma: o romance de Paulino Vergetti Neto nos traz uma trama que se ramifica em várias direções, mesmo que pregada no presente (o tempo presente desse autor nunca esquece tudo que, lá atrás, o trouxe até aqui). As situações que ocorrem quase sempre chegam tomadas de uma emoção (é desta poesia que falo), emoção que, mais que simplesmente marca registrada dos que buscam uma sintonia humanizadora, nos toma como parceiros dessa vivência que jamais admite o raso.
Em suma. A natureza humana, condenada à profundidade, muitas vezes, por temor ou fragilidade, tenta escapar dela. Meu analista é um anjo faz exatamente o caminho contrário: vai cada vez mais fundo na direção de cada uma das diversas facetas que compõem o nosso espírito multiplicado.
Um romance, enfim, que depois de lido exige releitura. Porque ele também é mais de um romance.
Paulo Bentancur é escritor e crítico.
Meu analista é um anjo trata-se de um romance de quase 400 páginas, que ocorre não só num único dia, mas apenas durante uma sessão de psicanálise. O extraordinário na criação ficcional do escritor já se mostra nesse fôlego, tipicamente joyceano – excetuada a linguagem, uma vez que, ao contrário do dublinense, o brasileiro destaca-se por ser um incansável contador de histórias.
Melhor que isso, as histórias que traz à tona estão embebidas de reflexões de quem conhece as águas mais profundas da terapia, da filosofia, da poesia, e sobretudo da vida alimentada por verdades humanas a revelar que uma pessoa não é, jamais!, um único ser, mas vários.
Freud instituiu isso há mais de um século, e depois, naturalmente, muitos artistas partiram dessa premissa para derrotar de forma contundente a linearidade. Pois Paulino é um homem adulto que, no romance, assumindo o narrador, comparece numa sessão terapêutica para a qual convergem, por meio de sua escrita sumarenta, memórias de infância, cenas impagáveis e elementos de inquestionável autobiografia.
Não há aspecto emocional, afetivo, que o autor não aproveite. Nesse sentido, podemos afirmar, sem nenhuma hesitação, que Meu analista é um anjo (nada a ver com autoajuda, é conficção mesmo) trata-se de um livro até mesmo desconcertante por mais de uma razão.
Primeiro, porque a narrativa é toda ela costurada por transições entre o presente na análise (uma análise, aliás, sui generis), e uma série de digressões que passam tanto pela memória quanto pela reflexão.
Um livro a exigir uma maturidade enorme experiência de vida, alimento riquíssimo para adensá-lo, e maturidade estética, fazendo-o, de algum modo, uma espécie de “plurirromance”, para usar-se aqui um neologismo necessário.
Presença da poesia Uma presença nesta narrativa poderosa, de arquitetura engendrada com muita criatividade, surpreende a quem abre as páginas de um romance dentro do qual percebe, de imediato, que uma existência dotada de riquíssimas nuances nos será revelada, é a poesia. Não a poesia que encontramos no poema, evidentemente, mas aquela transcendência que acaba em lirismo, lirismo como sinônimo metaforizado de zelo em ser uma pessoa ética, consciente em grau máximo de si e dos que lhe convivem no entorno, do temperamento dotado de uma afetividade rara.
Em suma: o romance de Paulino Vergetti Neto nos traz uma trama que se ramifica em várias direções, mesmo que pregada no presente (o tempo presente desse autor nunca esquece tudo que, lá atrás, o trouxe até aqui). As situações que ocorrem quase sempre chegam tomadas de uma emoção (é desta poesia que falo), emoção que, mais que simplesmente marca registrada dos que buscam uma sintonia humanizadora, nos toma como parceiros dessa vivência que jamais admite o raso.
Em suma. A natureza humana, condenada à profundidade, muitas vezes, por temor ou fragilidade, tenta escapar dela. Meu analista é um anjo faz exatamente o caminho contrário: vai cada vez mais fundo na direção de cada uma das diversas facetas que compõem o nosso espírito multiplicado.
Um romance, enfim, que depois de lido exige releitura. Porque ele também é mais de um romance.
Paulo Bentancur é escritor e crítico.
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