Bruna Sensêve
Estado de Minas: 04/12/2013
Um dos maiores desafios atuais na busca pela eliminação do HIV do organismo de pessoas sob tratamento está nos chamados reservatórios do vírus. Eles são compostos por células infectadas afastadas da corrente sanguínea e com o micro-organismo em estado latente. Juntas, as duas condições fazem com que essas células não sejam atingidas pelos antirretrovirais, contribuindo para a permanência da infecção. Diversas estratégias para atingir esses “santuários” são formuladas e testadas em todo o mundo. Entre os grupos de cientistas empenhados nessa busca estão os pesquisadores da Escola de Medicina Albert Einstein, em Nova York (EUA). Em apresentação no Encontro Anual da Sociedade Radiológica da América do Norte (RSNA, em inglês), ontem, eles mostraram experimentos iniciais bem-sucedidos de erradicação do vírus com a radioimunoterapia, atualmente usada no tratamento contra o câncer.
Com as terapias antirretrovirais existentes, é possível reduzir a carga viral na corrente sanguínea de pacientes a níveis indetectáveis, inclusive com o bloqueio da replicação do HIV. Mas apenas essa ação não é suficiente para alcançar a cura total do indivíduo. Se a medicação for interrompida, reservatórios do vírus em estado latente localizados principalmente no intestino, no cérebro e no sistema imunológico tendem a se replicar e “reativar” a infecção. “Num paciente com HIV em tratamento, as drogas suprimem a replicação viral, o que significa que o número de partículas virais na corrente sanguínea de um paciente se mantém muito baixo. Entretanto, antirretrovirais não podem matar as células infectadas pelo HIV”, esclarece a principal autora do estudo, Ekaterina Dadachova, professora de radiologia, microbiologia e imunologia.
Ela acrescenta que qualquer estratégia que busque a cura da infecção deve abarcar uma forma de eliminar totalmente o vírus. Isso inclui as células infectadas por ele, além de apenas o vírus, como fazem os antirretrovirais. “Na radioimunoterapia, os anticorpos se ligam às células infectadas e as matam por radiação. Quando a terapia com antirretrovirais e a radioimunoterapia são usadas juntas, elas matam o vírus e as células infectadas, respectivamente.” Nessa direção, Ekaterina e a equipe de cientistas liderada por ela usaram a radioimunoterapia em amostras de sangue de 15 pacientes infectados pelo vírus da Aids.
Para isso, foram produzidas em laboratório moléculas com um anticorpo monoclonal projetado especificamente para destruir uma proteína expressa na superfície das células infectadas e um radionucleotídeo chamado bismuto-213. Segundo Ekaterina, a estratégia possibilitou que a radioimunoterapia eliminasse as células infectadas de forma profunda e específica. “O radionucleotídeo que nós usamos entregou radiação apenas para as células infectadas pelo HIV, sem danificar as células vizinhas.”
Resistência cerebral Esse, porém, não é o único desafio a ser ultrapassado para a erradicação do vírus. O sistema nervoso central (SNC) é um dos locais mais atingidos por esses reservatórios e o único que tem uma barreira física natural que o separa do restante do organismo, chamada barreira hematoencefálica. Ela existe para proteger o órgão de substâncias tóxicas ou micro-organismos que podem estar em circulação no meio sanguíneo.
“O tratamento antirretroviral penetra apenas parcialmente na barreira hematoencefálica, o que significa que, mesmo se um paciente está livre de HIV de forma sistêmica, o vírus ainda é capaz de atingir o cérebro.”
Ao mesmo tempo em que protege, a barreira hematoencefálica impede que alguns medicamentos penetrem no tecido cerebral e medular, dificultando o tratamento de tumores, por exemplo. No caso da radioimunoterapia proposta por Ekaterina Dadachova, ela pode dificultar que o anticorpo radiomarcado atinja as células infectadas.
A situação foi investigada pela pesquisadora utilizando um modelo in vitro da barreira humana. O experimento feito em laboratório mostrou a eficiência da molécula radiomarcada em atingir os tecidos do SNC, matar as células infectadas e não causar qualquer dano evidente para a barreira. “Além disso, muitos pacientes em terapia antirretroviral sofrem de transtornos neurocognitivos associados ao HIV, como o cérebro se torna um reservatório para a infecção. Assim, as drogas que podem entrar no SNC e erradicar a infecção são necessárias”, justifica.
Linfócito clonado
Esse tipo de anticorpo é muito conhecido na área de pesquisa de combate aos cânceres. Isso porque ele é capaz de se ligar às células de defesa T, "destravando" o sistema imunológico humano para que ele passe a reconhecer e atacar as células tumorais. Anticorpos monoclonais, ou mAb, surgem a partir de um único linfócito, que é clonado e imortalizado, produzindo sempre os mesmos anticorpos em resposta a um agente patogênico. Esses anticorpos são iguais em estrutura, especificidade e afinidade, o que os torna mais eficientes.
palavra de especialista
Ricardo dias, integrande da
Sociedade Brasileira de Infectologia
Possibilidades de cura
“Existem dois grandes desafios modernos com relação à infecção por HIV que estão mais ou menos restritos ao mundo desenvolvido. Um é eliminar totalmente o vírus das pessoas e o outro é diminuir o processo de envelhecimento acelerado provocado por ele. Os obstáculos para isso são, primeiro, a multiplicação contínua e acelerada do vírus; e, segundo, que o remédio não atinge algumas células. No segundo caso, temos duas opções: ou fazer o vírus sair dessa célula, como uma das abordagens para curar as pessoas, ou matar essas células. O que me parece é que esse estudo traz uma nova alternativa para eliminar essas células. Acho que essa abordagem pode ser interessante. Definitivamente, é uma estratégia que passa pela possibilidade de cura da infecção.”
Risco às células saudáveis
O infectologista Alberto Chebabo, do Laboratório Exame e do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade do Rio de Janeiro, conta que a radioterapia já foi proposta para outras doenças infecciosas, mas é a primeira vez que é utilizada contra o HIV, como propõe o estudo divulgado hoje no Encontro Anual da Sociedade Radiológica da América do Norte. Ele aponta o que considera o principal possível prejuízo da técnica aos pacientes: “O efeito inesperado mais importante seria o de eliminar uma grande número de células, danificando, por exemplo, o sistema nervoso central ou as células linfáticas e levando a disfunções graves”.
Chebabo lembra que outras técnicas para erradicação dos reservatórios são estudadas, como utilização de medicações para obrigar essas células a “saírem” para a corrente sanguínea e, dessa forma, ficarem expostas às medicações antirretrovirais. Segundo ele, apesar do esforço científico, ainda não há uma solução viável. “Acredito que estamos no caminho para descoberta de uma ou mais técnicas que viabilizem a cura num futuro próximo, pelo menos para alguns tipos de pacientes.”
O infectologista Artur Timerman, do Hospital Israelita Albert Einstein, também reforça que outras estratégias estão sendo traçadas, algumas, inclusive, em estágio mais avançado que a proposta de Dadachova. “A ideia é bastante interessante e, com certeza, deve ser acompanhada de perto, mas é preciso que seja feito um estudo de toxicidade e segurança”, ressalta. Os primeiros experimentos também deverão sair do nível molecular para, inicialmente, serem testados animais de pequeno e médio porte.
Segundo Ekaterina Dadachova, principal autora do estudo, os próximos passos a serem trabalhados por eles inclui ensaios clínicos em pacientes soropositivos. “HIV/Aids continua a ser uma doença incurável. Nosso objetivo é desenvolver estratégias baseadas em radioimunoterapia para o tratamento de HIV sistêmico e SNC com o uso de outras estratégias de antirretrovirais para alcançar a erradicação completa do HIV.” (BS)
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