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Reciclagem poética
Professora americana fala da nova literatura e dos processos de circulação poética na era digital
Professora americana fala da nova literatura e dos processos de circulação poética na era digital
Fabrício Marques
Estado de Minas: 18/01/2014
Com 140 caracteres, o Twitter é veículo de disseminação rápida de todo tipo de informação, inclusive a poesia |
Você menciona o blog de poesia de Ron Silliman, que já recebeu mais de 2,5 milhões de visualizações. Ao mesmo tempo, sabemos que os livros impressos desse poeta, como da grande maioria dos poetas, venderam muito pouco. Como explicar esse fenômeno? Ou seja, não vende, mas tem muita procura na web?
Não acho que seja uma questão de mercado. O blog fornece informações muito úteis e, às vezes, as análises do próprio Silliman, bem como propõe discussões. Os aspirantes a poetas e estudantes e apenas curiosos querem ler isso e manter-se informados. E não é exatamente difícil. Mas a fofoca é uma coisa e a leitura real outra bem diferente. As mesmas pessoas que vão ler sobre a poesia não querem ler o que muitas vezes são poemas difíceis. Essa audiência é muito menor. Mas isso não tem sido verdade há anos? A audiência de TV para ouvir falar de algum escritor é muito maior do que o público real do escritor.
Seu livro dá exemplos muito consistentes da poesia feita por outros meios, de autores como Goldsmith, Howe e Bergvall. Que tipo de leitor essa poesia pede?
Para entender a sutileza, digamos, dos poemas verbais/visuais/acústicos de Susan Howe, o leitor precisa saber algo sobre as artes visuais, especialmente de meados do século, que influenciaram Susan, bem como um pouco das histórias dos Estados Unidos e da Irlanda, fonte dos poemas. Mas, novamente, isso não é totalmente novo. O leitor de Ulisses, de Joyce, deve fazer isso também. No caso de Caroline Bergvall, há uma grande ligação com o rock, artes visuais e cultura pop. Para Goldsmith, é mais o mundo diário dos jornais, TV, informação factual e, em seguida, a música de John Cage, a arte de Andy Warhol e toda a tradição do Dada (dadaísmo).
Quais as características da era da informação que possibilitaram a existência, em condições favoráveis, da linguagem da citação?
Na era da informação, somos bombardeados constantemente por material na internet! Está lá, não podemos evitá-lo, não podemos fugir dele. Mas, como poetas ou escritores em geral, podemos transformá-lo, Make it new! Torná-lo estranho. Para que o leitor experimente o choque do reconhecimento!
Nesta nova era, a palavra comunidade assumiu um sentido inteiramente novo. Qual a principal diferença de uma comunidade de hoje para outra do século passado?
Bem, estou um pouco em dúvida sobre comunidade no sentido virtuoso, de um grupo de artistas felizes e compartilhando a mesma opinião. Sempre houve comunidades de artistas e poetas que trabalharam juntos. Pense nos futuristas, dadaístas, surrealistas, Fluxus etc., etc. Hoje, supostamente, os membros das comunidades produzem um trabalho como um coletivo e não querem ser tratados como indivíduos. Assim, segue o lugar-comum. Mas por que, então, a comunidade está sempre se referindo a Lacan ou Derrida ou alguma outra estrela da teoria? Por que Agamben está autorizado a ser um indivíduo, em vez de um membro da comunidade? Então, sou cética sobre a conversa em torno da nova comunidade.
Quando pensamos na poética de vanguarda, observamos que houve uma mudança nas relações entre as literaturas de maioria e minoria, que resultou em mudança nos espaços literários. Por que isso ocorreu?
Não acho que este seja exatamente o caso nos Estados Unidos. Literatura de pouco público não é best-seller – pelo menos não conheço nenhuma que seja. É verdade que alguns escritores, como Roberto Bolaño, passaram de um status menor para um público muito maior, mas isso é simplesmente uma questão de reconhecimento. Mas, nos EUA, literatura de pouco público, para poucos, geralmente permanece. Apenas isso.
Antes, a poesia era moldada para resistir ao que Adorno definiu como indústria cultural. Agora, qual o novo modelo de resistência?
Como no caso de Adorno, a resistência contemporânea afirma ser contra o capital. Porém, enquanto Adorno achava que isso significava uma literatura difícil, de oposição, contrária a tudo o que era pop art, Hollywood, kitsch etc., agora os escritores “resistentes” decidiram que, se você não pode vencê-los, junte-se a eles. Estudos recentes exaltam o kitsch como central para o desenvolvimento da poesia! Mas o que acontece, acho, é que tal tolerância ao “baixo” material faz toda a resistência verdadeira desaparecer.
“A internet fez com que todos nós nos tornássemos copistas, recicladores, transcritores, colagistas e recontextualizadores.” Nesse novo contexto, qual o lugar da voz autoral, como Sylvia Plath, Ginsberg ou Bishop?
O autêntico eu, como se sabe, está atualmente em má reputação e ainda assim a poesia mainstream e a poesia de grupos minoritários continuam a ser em grande parte centradas no “I”. É um problema real. Estou do lado daqueles que sentem que o modo de Ginsberg ou Plath, tanto quanto eu amo esses poetas, não é mais relevante, porque não é representante de um grupo maior. Na era da mídia, não se pode, como Wordsworth, falar de homens e mulheres em geral; é tudo o que já foi feito no Facebook, em blogs etc.
Qual a relação entre o conceito de “retaguarda” (em oposição à vanguarda) e a importância da poesia concreta brasileira?
Em O gênio não original, argumentei que o concretismo brasileiro era um arrière-garde, no sentido de disseminar muitas das ideias das vanguardas do século 20. Os heróis de Noigandres foram Pound, Joyce, e. e.cummings, Gertrude Stein, John Cage e assim por diante. Mas, a partir da perspectiva do século 21, os concretistas brasileiros foram uma verdadeira avant-garde, antecipando a revolução digital. Acho que eles vão se tornar cada vez mais importantes. Acabei de ler um artigo argumentando que o concretismo antecipou grande parte da arte conceitual e da poesia conceitual e estava à frente de seu tempo. Eu concordo!
Gostaria que comentasse também a afirmação de Augusto de Campos: “Há, dentro da discussão do pós-modernismo, uma tática de querer deixar de lado logo a recuperação da arte experimental e dizer que tudo isso já acabou!”.
Sim, eu sei que Augusto sempre opôs-se ao pós-modernismo – ele disse que o faz pensar em prédios bancários – e vim a pensar que ele estava certo. A ideia de “pós” é tão negativa, sempre após o fato, enquanto que os melhores artistas nunca são pós, mas capazes de ver os temas centrais de sua própria cultura, e isso é o que conta! Não uso mais o termo pós-moderno. Como Augusto, penso na grande revolução que chegou no início do século 20 e nós ainda estamos tentando processar algumas das grandes formas e gêneros e noções poéticas/artísticas do modernismo! No Brasil, entendo isso como especialmente poderoso!
O gênio não original – Poesia por outros meios no novo século
De MarjoriePerloff
Editora UFMG
314 páginas
Fabrício Marques é poeta e jornalista
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