AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA »
Barba rala
Estado de Minas: 02/02/2014
Esta é uma crônica contra a barba rala.
Eu mesmo me pergunto: por que fazer uma crônica contra a barba rala? Não há outros assuntos mais barbudos? (Ia dizer hirsutos, mas fiquei com medo dessa palavra. Hirsuto: cheio de pelos duros e ásperos.) Hirsuto é uma palavra antiga, e a barba rala é pós-moderna.
Há muito tempo fiz uma crônica sobre a barba (quando era hirsuta). Eu mesmo tive uma dessas barbas. Por duas vezes. Então, dizia: o homem só se conhece quando deixa a barba crescer. Não me lembro mais do que escrevi, não sei se invoquei as figuras iconográficas de Cristo e de Tiradentes, ou se falei dos barbudos messiânicos da Sierra Maestra. Mas devo ter falado da barba dos hippies que vi florescendo na Califórnia.
Como é que você pode ser profeta (em qualquer terra) sem barba? Vejam o Marx.
Mas meu assunto agora é a barba rala.
Ligo a televisão, e lá estão os atores de barba rala. Vejo a publicidade, e dá-lhe, barba rala. Abro qualquer revista, e lá estão eles. Até nas ruas onde ando abundam barbas ralas.
O que tenho contra a barba rala?
Primeiro, parece que a pessoa acordou, não teve tempo de se arrumar. E isso piora com os penteados masculinos que dão a ideia de improviso ou de que a pessoa saiu do hospício. Houve um tempo em que se fazia anúncio de Glostora: “Com Glostora, o seu cabelo melhora!”.
Não melhorava, ficava pastoso e brilhava.
Estou tentando entender.
Me acompanhem.
Esqueçam o tempo da pedra lascada, quando todo mundo era hirsuto (possivelmente até as mulheres). Pois bem. Depois disso a barba foi sinal também de nobreza, sabedoria. E barba, convenhamos, tem história. Se procurarmos, vamos achar na petite histoire francesa um volume sobre o tema.
Mas e a barba rala?
Essa não tem história. Surgiu como a arte contemporânea, da exaustão de ideias e formas, da busca da novidade pela novidade. É o tipo do “quero, mas não posso”, fica a meio caminho.
Não se deve fazer nada pela metade, seja amor ou uma casa. Jacques Prévert tem aquele poema em que o único gato da aldeia come a metade do único pássaro da comunidade. O resultado foi esquisito: o pobre pássaro ficou vivendo pela metade. Por isso, o poeta conclui: “Não devemos fazer nada pela metade”. Ou, como diz a Bíblia, “antes fosses frio ou quente, como sois morno, vos vomitarei da minha boca!”.
Algumas invenções fazem sentido, outras invenções são apenas a vontade (inócua) de inventar. É o caso da barba rala. O que pensam as mulheres que têm que raspar sua cútis naquela áspera superfície? Será que se acostumaram? Se convenceram de que os machos ficaram mais viris?
Desconfio que isso começou com aquele filme Nove semanas e meia de amor (1986), estrelado por Mickey Rourke. Isso foi há quase 30 anos. E, como moda, veio dos EUA. Mickey Rourke tinha barba rala. Era um personagem esquisito, tinha uma coleção de ternos pretos. Era maníaco. Hoje, diríamos que ele tinha TOC, o transtorno obsessivo-compulsivo – nome pós-moderno para quem tem manias.
Houve um tempo em que os senhores penhoravam sua palavra com um fio de barba.
Nem para isso a barba rala serve.
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