Já passarinhou hoje?
Marlyana Tavares
Estado de Minas: 26/02/2014
A cada nota entoada o belíssimo surucuá-variado balança a cauda na vertical e horizontal |
Santana dos Montes – O engenheiro civil Daniel Santos, morador de Santo Antônio do Monte, região Centro-Oeste de Minas, não sabia que gostava tanto assim de aves. Até que há 10 anos, quando organizava suas fotos digitais, percebeu que grande parte era de pássaros. Aí começou a catalogá-las por espécies, comprou guias, procurou grupos especializados, sites. A paixão por "passarinhar" já estava instalada. O filho Luiz Henrique, de 14 anos, seguiu a trilha do pai, que o leva nas viagens desde os 7. Uma das vitórias de Daniel é ter conseguido fotografar espécies raras, entre elas o pica-pau-bufador, no Parque Estadual do Rio Doce. "A foto é horrível mas tenho muito orgulho porque foi o primeiro registro fotográfico em Minas Gerais publicado no Wikiaves, site de compartilhamento de observadores."
Daniel e o filho viajaram 600 quilômetros (ida e volta) até Santana dos Montes, a 130 quilômetros de Belo Horizonte, uma bela região pontuada por hotéis-fazendas. Em um deles, o Fonte Limpa, passaram o fim de semana procurando pássaros. O caneleiro, o gritador e o canário-da-terra que você vê nesta página(acima) foram algumas das espécies que flagrou. O engenheiro perdeu a conta de quantas vezes foi ao Pantanal. Já visitou Ubatuba (SP) e fez várias viagens dentro de Minas. "É uma atividade saudável entre amigos, na natureza, e no meio de aves, o que é maravilhoso". Venha conosco conhecer mais sobre esse mundo, saiba o que é necessário para ser passarinheiro e como, por meio da atividade, conhecer muitos lugares bacanas.
Orquestra afinada
Marlyana Tavares
Caminhada por trilha de mata atlântica em área do Hotel Fazenda Fonte Limpa: grupo segue em fila indiana, no mais absoluto silêncio, na expectativa dos pássaros que irá encontrar |
O tororó (Poecilotriccus plumbeiceps) cantou os primeiros acordes. O patinho (Platyrinchus mystaceus) já chegou afinando os instrumentos. A elegante choca-de -chapéu-vermelho (Thamnophilus ruficapillus) entoou seu irritado canto. O pica-pau-rei (Campephilus robustus) também veio, com seu pio soberbo. O teque-teque (Todirostrum poliocephalum), entrou com um piado entrecortado e agudo. O surucuá variado (Trogon surrucura) impôs sua presença com um cantar que lembra o latido de cãozinho. Batendo asas, mexendo as cabecinhas pra lá e pra cá, cada um no seu galho, eles executaram a linda sinfonia. O caneleiro (Pachyramphus castaneus), o gritador (Sirystes sibilator) e o arapaçu-rajado (Xiphorhynchus fuscus), foram alguns dos mais aplaudidos pelos observadores experientes. Os iniciantes se encantaram com o desempenho do tucanuçu (Ramphastos toco), os gaviões carijó (Rupornis magnirostris) e de rabo-branco (Geranoaetus albicaudatus), a alma-de-gato (Piaya cayana).
Durante todo um fim de semana, 40 componentes da orquestra da mata atlântica compareceram para o espetáculo. Alguns foram só vistos, outros vistos e fotografados e outros só ouvidos pelo grupo de observadores que se reuniu no Hotel Fazenda Fonte Limpa, em Santana dos Montes, a 130 quilômetros de Belo Horizonte. Segundo Ricardo Mendes, organizador da expedição pela Minas Birding Tours, os mais experientes conseguiram registrar, em saídas avulsas, ao todo 109 espécies. Na região de Santana dos Montes, Mendes já conseguiu cadastrar mais de 150 espécies. Como escreveu no blog do Minas Birding Tours, a presença de mais observadores elevou este número para 170.
Os grupos se embrenharam em duas das trilhas disponíveis na área do hotel, de mata atlântica e uma em área aberta. Todo mundo em silêncio, cada um com seus equipamentos, uns mais, outros menos preparados. A atitude era de respeito pelos sons da mata, ouvidos à espera, lentes a postos. A cada visualização (hiperlink) uma festa e mais uma espécie para colocar na lista. É, porque passarinheiro que é passarinheiro faz lista pessoal, publica na internet, vários tem blogs em que contam e compartilham histórias. Para os iniciantes, paixão à primeira vista e o desejo de mais passarinhadas.
Minas é um dos estados mais ricos do Brasil em número de espécies de aves e um dos três pontos melhores de observação (os outros são o Pantanal e a Amazônia). O país tem 1.901 espécies e Minas mais de 750, diz o biólogo passarinheiro Eduardo Franco, diretor vice-presidente da Ecoavis (www.ecoavis.org.br), organização não governamental que se dedica a fomentar a atividade de observação de pássaros. O grande número de espécies é favorecido, explica ele, pela diversidade de ambientes dos três biomas do estado – Mata Atlântica, o cerrado e a caatinga, no Norte. “Numa caminhada é possível passar pelos três ambientes, com espécies distintas”. Na região de Santana dos Montes, de acordo com levantamento realizado pelo observador Ricardo Mendes, agora já são 170 espécies (a lista atualizada está em taxeus.com.br/lista/2001).
O grande dia No Brasil, o turismo de observação de aves, lembra Eduardo Franco, começou na década de 70 mas o grande boom foi há 10 anos atrás, impulsionado muito pelo Wikiaves, site que permite o compartilhamento de informações entre cerca de 17 mil observadores brasileiros cadastrados. Por ele é possível identificar as espécies, comparando os pios e as fotos.
Os observadores estão constantemente viajando em busca de novas e raras visualizações. Para as regiões visitadas representam um incremento de renda pois não ficam o tempo todo de binóculo na mão: consumem serviços turísticos como hotéis, restaurantes, bens e produtos culturais locais. Não há números precisos sobre este mercado no Brasil mas nos Estados Unidos, estima-se que a observação de aves gere em torno de US$ 60 bilhões, com a compra de equipamentos e pagamento de serviços turísticos, informa o observador. A gana dos americanos por engordar a tal lista pessoal de espécies é tema da comédia O grande ano, filme estrelado por Jack Black, Steve Martin e Owen Wilson, em que os três se digladiam para ser aquele que conseguirá registrar o maior número de espécies raras da América do Norte.
A raridade, por sinal, é um dos desafios que mais move estes intrépidos caçadores de pios e imagens. Ameaçados de extinção ou endêmicos – que só existem em determinada área – são os mais cobiçados. Por exemplo, o pato-mergulhão (Mergus octocetaceus), que tem no Parque Nacional da Serra da Canastra um dos poucos locais de ocorrência; o beija-flor-de-gravata-verde (Algastes scutatus), que só é visto nas serras do sul da cadeia do Espinhaço; o joão-cipó, que só existe na Serra do Cipó; o soldadinho do araripe (Antilophia bokermani), só existe no Ceará, na Chapada do Araripe.
“Na verdade a observação de aves é como fazer um álbum de figurinha. O observador sempre está tentando ver um número maior de espécies para aumentar sua coleção. À medida em que você vai ficando com o álbum mais cheio, mais quer ter novas figurinhas. Vira uma cachaça. Quem tem um pouquinho de gosto por atividade ao ar livre e gosta de passarinho ou de fotografia, quando começa não pára mais”, diz Eduardo, que tem 360 aves brasileiras registradas (algumas eu fotografei, algumas eu só vi, outras só consegui ouvir, outras só consegui gravar). Ele compartilha suas experiências no blog História de observador (http://www.historiasdeobservador.com.br/).
Serviço
Minas Birding Tours
Próximas saídas
Março: 22 e 23
Abril: 19 e 20
Maio: 2 e 3; 24 e 25
Junho: 7 e 8
http://minasbirdingtours.com.br
Ecoavis
(também organiza passeios e uma vez por mês faz observações em um parque municipal de BH)
www.ecoavis.org.br
www.facebook.com/ecoavisBH
Como ver
Os melhores horários para observar as aves são das 6h às 10h, já que elas estão mais ativas nesse horário e no final da tarde, das 16h às 19h. A melhor época é a partir da primavera, de setembro até fevereiro, quando os bichos estão se reproduzindo. Eles ficam muito coloridos, agitados, respondem ao playback e a disponibilidade de alimento para eles está bem maior.
Passarinho bom é solto Do passado de criadores em gaiolas, os observadores estão longe. Além do próprio interesse, se comprazem em ensinar os iniciantes sobre como admirar e amar as aves em seu voo livre
Marlyana Tavares
Felipe Nogueira e Lorena Morato: observação no mato rende inspiração para futuras tatoos |
SANTANA DOS MONTES – Canário, sabiá, codorna, azulão. Tudo ele criava em gaiola. Até que um dia o ainda estudante Ricardo Mendes, hoje analista de sistemas e observador de aves, esqueceu de alimentar o azulão. Depois da morte do bicho, Ricardo nunca mais prendeu um passarinho. A primeira câmera foi comprada em 2006, numa viagem ao Chile, e as observações iniciais foram feitas em sítios da família, em Conselheiro Lafaiete. Até que encontrou sua turma, por meio da Ecoavis. Em andanças por Santana dos Montes, Ricardo foi catalogando aves e percebeu o potencial turístico de agregar passeios por trilhas à oferta de atividades na região. Criou a Minas Birding Tours, que, em parceria com hotéis da região, leva os hóspedes para ver a natureza por outras lentes. “Estamos começando agora, mas a minha expectativa é de que dê muito certo”, anima-se Ricardo.
Pelos caminhos do Hotel Fazenda Fonte Limpa ele guiou vários interessados, entre eles o casal Felipe Nogueira, de 34 anos, filósofo, e Lorena Morato, tatuadora, de 30 anos. Lorena traz na mão um amzel, pássaro preto de bico amarelo que sempre aparece na primavera na cidade de Colônia, na Alemanha, país onde a tatuadora passou os últimos 10 anos. Ela e o companheiro estão abrindo um ateliê de tatoo e arte no Bairro Santa Lúcia (confira em facebook.com/goldentimestattoo).
Sobre o passeio, Lorena achou que “valeu demais. Vimos várias espécies com binóculo, entre elas, estrelinha, a alma-de-gato (que dizem ser difícil de ver), tucano, saí azul. É interessante perceber as espécies e conhecer o lugar em que vivem. Faremos de novo com certeza, até pela minha profissão: tatuo muitos animais e pássaros”. Entre muitas outras tatoos, Felipe tem uma coruja suindara (Tyto furcata) no antebraço.
O observador de aves Daniel Esser, de 61, logo se apressa a explicar: “A suindara é também chamada coruja da igreja ou rasga-mortalha, por causa do barulho que faz. Parece que está rasgando um tecido”. Daniel, como Ricardo, também começou a observar passarinhos nas gaiolas de um tio. “Passei a vigiar os que passavam pelo quintal, doido para também colocá-los em gaiolas minhas. Já se foram 55 anos. Até 2007 tive aves cativas, a partir daí passei a prendê-las apenas na câmera fotográfica”, conta. No blog http://pegandopassarinho.blogspot.com.br, você conhece as peripécias do observador.
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