Mestre da avenida
Martinho da Vila se apresenta sábado, na Praça da Estação, em Belo Horizonte. O cantor, acompanhado dos filhos, mostra sambas-enredo que vem compondo desde os anos 1950
Ailton Magioli
Estado de Minas: 26/02/2014
Martinho da Vila condena a rapidez dos novos
sambas e denuncia que muito compositor que assina o enredo está lá mais
como investidor |
A trajetória de Martinho na avenida começa com Carlos Gomes, primeiro samba-enredo que compôs, na década de 1950, para a extinta Escola de Samba Aprendizes da Boca do Mato, e vai até o que o consagrou no concurso do ano passado da Vila Isabel, ao lado dos parceiros Arlindo Cruz, André Diniz, Leonel e do filho Tunico da Vila, com os quais assina A Vila canta o Brasil, celeiro do mundo, água no feijão que chegou mais um. “Dos sete sambas de enredo que fiz para o desfile da Boca do Mato, só consigo cantar quatro, e da Vila Isabel também já não me recordava totalmente de dois que não desfilaram: No doce embalo de um sonho e De alegria pulei, de alegria cantei”, confessa.
Como lembra Martinho, ao contrário das marchinhas, que se tornaram a verdadeira música de carnaval do Brasil, o samba-enredo sempre foi feito para atender as escolas. “De acordo com o enredo, um samba funciona bem ou não”, afirma, salientando que pode ser até um samba triste. As marchinhas, por sua vez, lembra Martinho da Vila, decaíram junto com o carnaval de salão, estando hoje restritas ao teatro, onde estrelam musicais como Sassaricando.
“Os sambas também ficaram mais acelerados. São todos de embalo e alegres”, critica, admitindo que no sistema que predomina hoje é fácil fazer samba-enredo. “Se quiser, você pode concorrer em qualquer escola. É fácil, pega o tema, faz um refrão. O samba hoje é mais para embalar do que qualquer outra coisa”, acrescenta Martinho, que, em Enredo, em vez da pompa da bateria – como deve ser no samba-enredo – se preocupou mais com a harmonização para destacar a riqueza melódica de seus sambas.
Para tanto, convocou os arranjadores Rildo Hora, Leonardo Bruno, Ivan Paulo, Wanderson Martins e a filha pianista Maíra Freitas, além do coro coordenado pela também filha Analimar. As participações especiais vão de Beth Carvalho, com quem ele divide a interpretação do célebre Onde o Brasil aprendeu a liberdade e Sonho de um sonho, a Alcione, em Prece ao sol e Iemanjá, desperta!, entre outras que incluem os filhos. Na série de atributos perdidos pelo samba-enredo, Martinho lembra que antigamente as alas de compositores das escolas eram independentes, cada qual com regras próprias.
“Agora, para fazer um samba direito é muito difícil. Você tem de ouvir o carnavalesco para ver o que ele quer”, lamenta a dependência, além de admitir dificuldade de se fazer um samba para ser cantado em grupo. “Os sambas acabam sendo feitos para conduzir a escola”, critica, salientando que a sua Vila Isabel só desfila bem com um samba bom, poético e de cunho bem cultural. Martinho, que fez a maioria dos sambas-enredo sozinho, lembra que, atualmente, muita gente assina um samba. “Mas, na realidade, quem faz é um, dois, três autores no máximo”, garante. “Os demais estão ali porque fazem parte da campanha. É um investidor, tem dinheiro. Este leva vantagem”, denuncia.
Quando se dedica à composição de um samba-enredo, Martinho diz que para a vida artística. “Normalmente, me dou por inteiro. Participo da elaboração do enredo”, justifica, lembrando do envolvimento dele com personalidades como Rosa Magalhães, a carnavalesca com a qual ganhou o carnaval do ano passado, da Vila Isabel. Entre os mestres que teriam inspirado o compositor a fazer samba-enredo estão Erlito Machado Fonseca (1917-1997), o Tolito da Mangueira, que teria lhe ensinado a levar a cadência do partido-alto para o gênero; Walter Rosa, da Portela; e Silas de Oliveira (1916-1972), da Império Serrano, além de Hélio Rodrigues Neves, o Hélio Turco, e Darci (1932-2008), ambos da Mangueira.
Carnaval
é o show
Em Belo Horizonte, Martinho da Vila se apresenta acompanhado de banda, além dos filhos Maíra de Freitas, Tunico da Vila e Juju Ferreira. A noite será aberta pelo grupo Imperavi de Ouros, seguido de Samba de Luiz e Samba de Comadre. “Será um show de carnaval, bastante alegre e com muito samba-enredo”, anuncia o cantor, que destaca no roteiro do disco Enredo o samba Carnaval de ilusões, com o qual venceu o primeiro carnaval na Vila Isabel, em 1967.
Uma das figuras mais conhecidas da escola, Martinho da Vila entrou para a agremiação em 1965. Antes, fazia parte da Escola de Samba Aprendizes da Boca do Mato e, segundo consta, já estaria partindo para a Império Serrano quando veio o convite para integrar a ala de compositores da Vila. Na nova escola, ele reestruturou a forma de compor samba-enredo com a introdução de letras e melodias mais suaves.
Em abril, Martinho da Vila lança um box com DVD e livro de Enredo. Além de bastidores e depoimentos da gravação do CD, o cantor-compositor promete revelar segredos de cada um dos sambas de enredo que fez. De Belo Horizonte, ele segue para o Recife, onde faz shows nos dias 3 e 4 de março, para descansar a seguir, porque, segundo admite, a batalha em 2014 vai ser grande.
MARTINHO DA VILA, BANDA & FILHOS
Sábado, a partir das 19h, no palco Praça da Estação, Avenida dos Andradas, 201, Centro. Entrada franca.
• Enredo
» Carlos Gomes – Foi a primeira vez que Martinho da Vila gravou, na década de 1950
» Noel – A presença do Poeta da Vila – Venceu o concurso da Vila Isabel e foi para a avenida
» Onde o Brasil aprendeu a liberdade – O samba venceu na Vila e foi para a avenida
» Por ti América – Perdeu na eleição interna da Vila e é inédito
» Pra tudo se acabar na quarta-feira – Venceu concurso e foi a para avenida com a Vila
» Tribo dos Carajás (Aruanã Açu) – Perdeu na eleição interna da Vila e foi gravada no álbum Canta, canta, minha gente
» Machado de Assis – Gravou originalmente em um álbum dos anos 1980
» Carnaval de ilusões – Primeiro carnaval de Martinho na Vila Isabel, em 1967
» Gbala – Viagem do templo da criação – Também foi para a avenida com a Vila
» Tamandaré e Rui Barbosa – Ambos nunca haviam sido gravados
» Vila Isabel anos 30 – Perdeu na eleição interna e nunca havia sido gravado
» Ai que saudades que eu tenho – Perdeu na eleição interna mas já havia sido gravado
» IV séculos de modas e costumes e Yayá do Cais Dourado – Ambos foram para a avenida com a Vila
» De alegria pulei, de alegria cantei – Perdeu na eleição interna da Vila e nunca havia sido gravado
» Teatro brasileiro – Perdeu na eleição interna e já foi gravado
» Trabalhadores do Brasil – Perdeu na eleição interna da Vila e é inédito
» Prece ao Sol – Perdeu na eleição interna e também nunca havia sido gravado
» Iemanjá, desperta! – Também perdeu na eleição interna, mas já havia sido gravado
» A Vila canta o Brasil, celeiro do mundo, água no feijão que chegou mais um – Ganhou o carnaval do ano passado e foi para a avenida com a Vila Isabel
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