Zero Hora 09/02/2014
Sabe a.... a... aquela, você sabe....a loirinha.... prima da.... como é
mesmo o nome... aquela que morava na rua atrás do clube... aquele clube
que teu irmão jogava futebol com o... tsk, que futebol, o quê. Tênis,
jogava tênis! Sabe?
Antes era só com minha mãe que eu conversava desse modo, tentando
preencher os pontinhos deixados em branco. Mas hoje em dia tem sido com
as amigas também. Entramos na fase da conversa por dedução. E dessa fase
não sairemos mais. Não vivas.
Vocês já foram nesse restaurante novo que abriu? Esse que foi
matéria ontem no... Vocês sabem, me ajudem, esse que foi superbem
comentado pela... Ah, não importa, andam dizendo que é onde se come o
melhor linguado ao molho de maracujá. Não: de manga. Linguado nada, eu
quis dizer salmão. Salmão ao molho de manga. Isso. Já foram lá?
Completar uma frase tem sido tarefa de adivinhação. Não sei com
você, mas eu não consigo mais lembrar o nome de artistas, de filmes, de
lugares. Mal consigo dizer corretamente o nome das filhas, e são apena
duas. Quem tem três – e acerta – vira meu herói.
É sabido que nosso cérebro está com lotação esgotada. É informação
demais para processar, não há como manter o estoque, é preciso jogar no
lixo o que não serve mais. Aquela atriz... aquela bonitona... me escapa o
nome agora. Pois bem, em sua biografia, ela comenta que, quando
esquecemos um nome, o melhor é deixar pra lá e seguir em frente, mais
adiante a lembrança retorna espontaneamente. Muito bem. Assim tenho
levado a vida, aguardando a volta de palavras que debandaram.
Sim, quero o CPF na nota. É 439136... não, 37... esquece, esse é meu
RG. O CPF é 30055082... Calma, acabei de te dar o telefone do meu
escritório.
Aguardo a volta dos números também.
Caduquice de velha? Olha: não é. Tenho visto muita criança de 30
anos que também está custando para levar uma frase até o final sem se
perder nos “como é mesmo?”. A questão é que estamos sobrecarregados de
tal forma que esquecer passou a ser mais comum do que lembrar. E os
bate-papos agora são assim, um tentando adivinhar o que o outro está
querendo dizer.
Estou indo para Ibiraquera, aluguei uma casa. Falei Ibiraquera?
Perequê, Perequê! Fica ali pertinho de... de... Porto Belo, obrigada. Só
voltaremos depois do Natal. Depois do Carnaval, isso. Muito tempo, né?
Estou levando quatro livros... Esse novo da Fernanda Montenegro... Hein?
Torres. Fernanda Torres. Um de um australiano, canadense, uma coisa
assim. Um sobre a vida da Jane Fonda. E outro daquele cara que tu gosta,
o Stephen... Philip Roth, esse aí. E um monte de palavras cruzadas,
prescrição médica.
Jane Fonda, claro. Como é que pude esquecer?
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