Valor Econômico -
31/03/2014
Erich Schwartzel e Tamara Audi
Antes mesmo de a chuva cair, havia dúvidas. Será que "Noé", a nova
superprodução da Paramount Pictures, vai alienar os fiéis? Será que vai
atrair não religiosos em número suficiente para recuperar um custo de
US$ 125 milhões? E, mais importante, será que essa volta grandiosa de
Hollywood aos épicos bíblicos vai ser bem recebida por importantes
líderes religiosos?
Alguns desses líderes já estão dizendo que o
filme, repleto de efeitos especiais, reapresenta o livro do Gênesis como
uma parábola ambientalista moderna e contém detalhes que não estão nas
escrituras. Três países árabes estão se recusando a distribuir o filme:
muçulmanos consideram Noé um profeta e alguns condenam o uso de imagens
de figuras sagradas como sacrilégio.
"Noé" foi lançado sexta-feira nos Estados Unidos e estreia nesta quinta-feira no Brasil.
Estrelado
por Russell Crowe e outros dois atores já premiados com o Oscar, "Noé" é
uma iniciativa notável - e arriscada - para um estúdio hollywoodiano. É
a primeira superprodução bíblica em quase 50 anos e quebra a fórmula
dominante da última grande era desse tipo de filme, nos anos 50 e 60. Na
época, enredos e personagens permaneceram na maior parte fiéis à
narrativa original, inclusive nos clássicos de Charlton Heston, como "Os
Dez Mandamentos" e "A Maior História de Todos os Tempos".
A
abordagem da Paramount está sendo observada de perto pela indústria
cinematográfica como um teste para uma série de projetos bíblicos de
grande orçamento em desenvolvimento. Mas líderes religiosos, embora
animados com a ideia de ter o glamour de Hollywood a serviço de suas
causas, dizem que a Bíblia não é tão fácil de ser adaptada para o grande
público como, por exemplo, uma história em quadrinhos. O filme está
esquentando o debate em comunidades religiosas sobre os limites da
interpretação artística da Bíblia.
Nem todo mundo está
preocupado. Alguns cristãos e judeus influentes acharam "Noé" uma
interpretação consciente e divertida. Mas mesmo estes dizem ser difícil
prever como o filme será recebido por conservadores e literalistas da
Bíblia.
A Paramount, que pertence à Viacom Inc., afirma que
grande parte da reação inicial se baseia em versões anteriores do
roteiro que vazaram e não se parecem com o produto final. "Noé" já
estreou com sucesso no México, onde arrecadou US$ 1,4 milhão no primeiro
dia, e na Coreia.
"Tivemos que lidar com a questão: 'Será que
podemos confiar em Hollywood para fazer um filme que é ao mesmo tempo
divertido e consistente com temas bíblicos?'", diz Rob Moore,
vice-presidente do conselho de administração da Paramount. Dados
preliminares indicavam ontem uma bilheteria de US$ 44 milhões no fim de
semana de estreia nos EUA, acima dos US$ 40 milhões previstos pela
Paramount. O estúdio espera uma boa audiência nas próximas semanas
graças aos espectadores mais velhos, que costumam ver filmes depois da
estreia. No total, "Noé" já havia arrecadado US$ 95 milhões até ontem,
segundo o site Boxofficemojo.com.
É claro que, nas últimas
décadas, a indústria do cinema não abandonou o gênero dos filmes
"baseados na fé". Só que, ultimamente, o tema ficou relegado a produções
de baixo orçamento, atores pouco conhecidos e filmes muitas vezes
direcionados diretamente ao mercado de DVDs. Hollywood tem ficado longe
de filmes bíblicos de alto custo que podem gerar uma reação negativa
entre religiosos e indiferença entre o público secular. Mesmo "A Paixão
de Cristo", de Mel Gibson, que custou US$ 30 milhões e chocou Hollywood
ao arrecadar US$ 370 milhões nos EUA e US$ 600 milhões globalmente, em
2004, foi inicialmente dirigido a grupos religiosos, antes de se tornar
um fenômeno de mercado.
Uma reação positiva de Jerry A. Johnson,
líder do The National Religious Broadcasters, por exemplo, poderia dar
ao estúdio um endosso valioso da maior rede de comunicação cristã dos
EUA, que atinge dezenas de milhões de ouvintes e telespectadores. Após
assistir a "Noé", no mês passado, Johnson disse que se opõe à mensagem
ambiental do filme, mas aplaude a "seriedade" com que tratou o tema do
pecado e do juízo de Deus, além do alto valor da produção. Atendendo a
um pedido dele, a Paramount acrescentou um aviso aos espectadores de que
o filme é "inspirado na história de Noé" e que usou "licença poética".
O
sucesso ou o fracasso comercial de "Noé", que retrata um profeta do
Velho Testamento como um herói de ação, poderia profetizar o destino de
outros personagens bíblicos que devem receber uma roupagem hollywoodiana
nos próximos anos, incluindo Moisés, Maria, Caim e Abel.
"Maria",
a ser lançado pela Lions Gate Entertainment Corp. no ano que vem, narra
os primeiros anos da mãe de Jesus - um ângulo que, segundo um produtor,
ajuda a retratá-la como uma heroína para um mercado que tem gostado de
jovens personagens femininas como Katniss Everdeen, de "Jogos Vorazes".
Quanto
a "Noé", a Paramount afirma que abordou líderes critãos e de outras
religiões logo no início do processo para gerar uma compreensão maior
das intenções do diretor, Darren Aronofsky, e que acredita que algumas
das críticas vão terminar quando o público assistir à versão definitiva.
Ainda assim, as respostas negativas contrastam com o apoio da
comunidade cristã, no início deste ano, a "O Filho de Deus", uma
biografia ostensivamente religiosa de Jesus Cristo que recuperou seu
orçamento nominal no fim de semana de estreia nos EUA.
A
inspiração para "Noé" veio de Aronofsky, conhecido por dramas mórbidos e
surreais. Seu sucesso de bilheteria "Cisne Negro", sobre uma bailarina
obsessiva que perde o contato com a realidade, foi indicado ao Oscar de
melhor filme e seu sucesso deu ao diretor de 45 anos cacife necessário
para fazer "Noé", uma história que o cativa desde que ele escreveu um
poema sobre ela na escola.
"Desde criança, achei [Noé] uma
história assustadora. [Receava] não ser bom o suficiente para entrar no
barco e o que isso significaria", diz Aronofsky, que atribui a maior
parte da reação negativa antecipada à demora de Hollywood para voltar a
produzir épicos bíblicos.
A história de Noé no Gênesis tem só
quatro capítulos e o descreve como um "homem justo" de 600 anos, sem
mais detalhes. Para completar a descrição, Aronofsky e Ari Handel, que o
ajudou a escrever o roteiro, se debruçaram em textos judaicos antigos,
tratados teológicos e manuscritos sobre o Mar Morto. A bibliografia do
roteiro tem cinco páginas.
O Noé de Aronofsky é um naturalista
transtornado que, machado em punho, luta contra exércitos malignos com a
ajuda de gigantes de pedra gerados por computador. As cenas são
semelhantes a outra série da Paramount, "Transformers". O filme também
retrata um drama familiar, com a atriz Jennifer Connelly fazendo o papel
da sofrida esposa de Noé e o ator Logan Lerman, de Ham, o filho do
meio, que foi proibido de levar sua esposa para a arca.
Contribuindo
para a crítica de que o filme tem uma agenda, Deus manifesta sua ira
com um dilúvio, não só para punir o mal da humanidade em geral, mas
também porque uma "civilização industrial" tem sobrecarregado os
recursos naturais da Terra. Noé é convocado para salvar os animais e sua
família, enquanto o resto da humanidade se afoga.
"Não sei como
não há uma conexão ecológica [na história]", diz Aronofsky. "A palavra
'ambientalismo' foi politizada por algumas pessoas que fizeram dela uma
questão fora do que está na Bíblia." Por sua vez, alguns cristãos dizem
que as escrituras apoiam o tema ambiental e outros que Deus deu ao homem
domínio sobre a criação.
segunda-feira, 31 de março de 2014
Religião será a principal bandeira do PSC
Valor Econômico -
31/03/2014
César Felício
A candidatura presidencial do pastor Everaldo Pereira (PSC) tem potencial para atingir até 10% dos votos, na avaliação de cientistas políticos dedicados ao mercado eleitoral. Pastor da Assembleia de Deus, a maior denominação pentecostal do país, Everaldo está com 3% de intenção de voto na última pesquisa Ibope, divulgada nesta quinta-feira, e poderá se tornar o primeiro candidato a presidente na história do Brasil a usar a religião como sua principal bandeira.
"Ele tem um teto de 8% a 10%, caso faça uma campanha muito eficaz e não seja alvo de denúncias", disse o cientista político Antonio Lavareda, da MCI. Lavareda estimou o potencial com base no histórico das eleições de 2002 e 2010. Na primeira, o governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, disputou a presidência pelo PSB e teve 18% dos votos. Na segunda, a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva concorreu pelo PV e conseguiu 19%. Ambos são evangélicos, mas não fizeram dessa condição o elemento central de suas campanhas.
"Tanto em um caso como em outro, pode-se afirmar que pelo menos metade do que conseguiram foi um voto de afinidade, dado pela população evangélica. O resto foi por terem outros atributos que o pastor Everaldo não possui", comentou Lavareda. O cientista político pondera que Everaldo poderá ter peso em um segundo turno, mas não será o elemento determinante para que a eleição presidencial não se resolva já em outubro. "Um conjunto de outros fatores, como o potencial de crescimento dos candidatos mais fortes de oposição e a avaliação de governo da presidente Dilma Rousseff devem ser mais importantes para definir o segundo turno".
O Brasil conta com 22% da população evangélica, de acordo com o censo de 2010. Destes, cerca de 13% são pentecostais e 5% não têm uma identidade definida, frequentando diversas denominações. Apenas 4% pertencem às igrejas tradicionais, como luteranos, batistas, metodistas e presbiterianos.
É um segmento com peso cada vez maior: em 1991, dois anos depois da primeira eleição presidencial da redemocratização, apenas 9% dos brasileiros eram protestantes. Em 19 anos, a população católica caiu de 83% para 65% e a dos não-religiosos passou de 5% para 8%. Entre os pentecostais, a Assembleia de Deus representava 48%, contando há quatro anos com 12,3 milhões de fiéis.
Igrejas evangélicas começaram a se organizar para disputar o poder em 1986, nas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte. Em 1989, houve um ensaio mal sucedido para a presidência: a candidatura de Armando Correa, do extinto PMB, que se retirou da eleição para apoiar o empresário Silvio Santos, manobra anulada pelo TSE dias antes da eleição. Em 2002, na eleição estadual em São Paulo, o então vereador paulistano Carlos Apolinário, do PGT, lançou-se para o governo estadual por uma coligação chamada "São Paulo nas mãos de Deus". Teve 3,6% e ficou em quarto lugar.
"O segmento evangélico era muito menor. Estamos diante da primeira microcandidatura confessional para presidente que não é traço nas pesquisas", disse o cientista político Marcos Coimbra, do Instituto Vox Populi, que é conservador sobre a autonomia de voto de Pereira. " Ele só consegue este percentual porque se apresenta como 'pastor' na corrida eleitoral. O PSC não acrescenta nada e a pessoa física dele também não. A bancada evangélica apresenta uma agenda centrada em questões de valores individuais, como as relacionadas com aborto, drogas e casamento homossexual, que nunca foi motivadora de voto majoritário", diz.
No Legislativo, a bancada evangélica conta hoje com 73 deputados federais e dois senadores. Sua candidatura mais competitiva a um governo estadual é no Rio de Janeiro, onde o senador Marcelo Crivella (PRB), da Igreja Universal, deve disputar o cargo pela segunda vez. No ano passado, a bancada foi marcada pelo estilo estridente do deputado Marco Feliciano (PSC-SP), que foi presidente da Comissão de Direitos Humanos.
A tendência dos candidatos evangélicos a cargo majoritário é só adotar este modelo quando disputam em situação pouco competitiva. Se a intenção é entrar para ganhar, suavizam o discurso. Feliciano chegou a se lançar candidato ao Senado em dezembro, mas no mês passado anunciou em redes sociais que irá disputar novamente a Câmara. Alegou que não tinha condições de obter nove milhões de votos, o que estimou como necessário para ganhar. Disse que vai esperar 2018, quando são duas vagas para o Senado por estado.
"A debilidade central é que parte do eleitorado sensibilizado pela plataforma conservadora é católica e tende a rejeitar um candidato evangélico. Desta maneira, os evangélicos não têm como se aproveitar do espaço que existe no Brasil para o conservadorismo, a não ser que fiquem confinados às eleições proporcionais", comentou o pesquisador César Romero Jacob, da PUC do Rio de Janeiro.
César Felício
A candidatura presidencial do pastor Everaldo Pereira (PSC) tem potencial para atingir até 10% dos votos, na avaliação de cientistas políticos dedicados ao mercado eleitoral. Pastor da Assembleia de Deus, a maior denominação pentecostal do país, Everaldo está com 3% de intenção de voto na última pesquisa Ibope, divulgada nesta quinta-feira, e poderá se tornar o primeiro candidato a presidente na história do Brasil a usar a religião como sua principal bandeira.
"Ele tem um teto de 8% a 10%, caso faça uma campanha muito eficaz e não seja alvo de denúncias", disse o cientista político Antonio Lavareda, da MCI. Lavareda estimou o potencial com base no histórico das eleições de 2002 e 2010. Na primeira, o governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, disputou a presidência pelo PSB e teve 18% dos votos. Na segunda, a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva concorreu pelo PV e conseguiu 19%. Ambos são evangélicos, mas não fizeram dessa condição o elemento central de suas campanhas.
"Tanto em um caso como em outro, pode-se afirmar que pelo menos metade do que conseguiram foi um voto de afinidade, dado pela população evangélica. O resto foi por terem outros atributos que o pastor Everaldo não possui", comentou Lavareda. O cientista político pondera que Everaldo poderá ter peso em um segundo turno, mas não será o elemento determinante para que a eleição presidencial não se resolva já em outubro. "Um conjunto de outros fatores, como o potencial de crescimento dos candidatos mais fortes de oposição e a avaliação de governo da presidente Dilma Rousseff devem ser mais importantes para definir o segundo turno".
O Brasil conta com 22% da população evangélica, de acordo com o censo de 2010. Destes, cerca de 13% são pentecostais e 5% não têm uma identidade definida, frequentando diversas denominações. Apenas 4% pertencem às igrejas tradicionais, como luteranos, batistas, metodistas e presbiterianos.
É um segmento com peso cada vez maior: em 1991, dois anos depois da primeira eleição presidencial da redemocratização, apenas 9% dos brasileiros eram protestantes. Em 19 anos, a população católica caiu de 83% para 65% e a dos não-religiosos passou de 5% para 8%. Entre os pentecostais, a Assembleia de Deus representava 48%, contando há quatro anos com 12,3 milhões de fiéis.
Igrejas evangélicas começaram a se organizar para disputar o poder em 1986, nas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte. Em 1989, houve um ensaio mal sucedido para a presidência: a candidatura de Armando Correa, do extinto PMB, que se retirou da eleição para apoiar o empresário Silvio Santos, manobra anulada pelo TSE dias antes da eleição. Em 2002, na eleição estadual em São Paulo, o então vereador paulistano Carlos Apolinário, do PGT, lançou-se para o governo estadual por uma coligação chamada "São Paulo nas mãos de Deus". Teve 3,6% e ficou em quarto lugar.
"O segmento evangélico era muito menor. Estamos diante da primeira microcandidatura confessional para presidente que não é traço nas pesquisas", disse o cientista político Marcos Coimbra, do Instituto Vox Populi, que é conservador sobre a autonomia de voto de Pereira. " Ele só consegue este percentual porque se apresenta como 'pastor' na corrida eleitoral. O PSC não acrescenta nada e a pessoa física dele também não. A bancada evangélica apresenta uma agenda centrada em questões de valores individuais, como as relacionadas com aborto, drogas e casamento homossexual, que nunca foi motivadora de voto majoritário", diz.
No Legislativo, a bancada evangélica conta hoje com 73 deputados federais e dois senadores. Sua candidatura mais competitiva a um governo estadual é no Rio de Janeiro, onde o senador Marcelo Crivella (PRB), da Igreja Universal, deve disputar o cargo pela segunda vez. No ano passado, a bancada foi marcada pelo estilo estridente do deputado Marco Feliciano (PSC-SP), que foi presidente da Comissão de Direitos Humanos.
A tendência dos candidatos evangélicos a cargo majoritário é só adotar este modelo quando disputam em situação pouco competitiva. Se a intenção é entrar para ganhar, suavizam o discurso. Feliciano chegou a se lançar candidato ao Senado em dezembro, mas no mês passado anunciou em redes sociais que irá disputar novamente a Câmara. Alegou que não tinha condições de obter nove milhões de votos, o que estimou como necessário para ganhar. Disse que vai esperar 2018, quando são duas vagas para o Senado por estado.
"A debilidade central é que parte do eleitorado sensibilizado pela plataforma conservadora é católica e tende a rejeitar um candidato evangélico. Desta maneira, os evangélicos não têm como se aproveitar do espaço que existe no Brasil para o conservadorismo, a não ser que fiquem confinados às eleições proporcionais", comentou o pesquisador César Romero Jacob, da PUC do Rio de Janeiro.
A marcha da insensatez - Renato Janine Ribeiro
Valor Econômico - 31/03/2014
Barbara Tuchman foi uma
historiadora norte-americana, autora de livros de sucesso, nos quais
tentava extrair lições de conduta para nossos tempos a partir de erros
passados - procurando, literalmente, alcançar a "moral da história". Não
foi exatamente de primeiro time, até porque os melhores historiadores
atuais não gostam de misturar história e moral, mas seus livros se leem
com proveito. Este ano, quando se recorda o centenário da Primeira
Guerra Mundial, vale a pena recorrer a seu "Canhões de agosto" (1962).
Mas seu livro que mais me chama a atenção é "A marcha da insensatez", de
1984, com o interessante subtítulo "de Troia ao Vietnã".
São vários episódios históricos e um mitológico, procurando entender por que tantas vezes os povos ou governantes escolhem o caminho da destruição, a via insensata, o jogo perde-perde. A mitologia comparece com o cavalo de Troia, que os gregos deixam às portas da cidade que estavam atacando, sem sucesso, havia dez anos. Os troianos se alegram de ver o inimigo ir embora e ainda por cima dar-lhes um presente tão belo. Apenas o sacerdote Laocoonte alerta que pode ser um perigo, uma armadilha: "Temo os gregos, mesmo quando trazem presentes". Mas ninguém o leva a sério - e, tarde da noite, guerreiros gregos saem de dentro do cavalo e tomam a cidade. Os troianos foram alertados, mas escolheram a própria destruição. Escolhas assim insensatas marcam a história humana, como se a espécie ou seus líderes flertassem descaradamente com a derrota, a autodestruição, o suicídio.
A economia e a filosofia política modernas se constroem com base na convicção contrária: todo ente vivo deseja preservar o seu ser, diz a filosofia - deseja viver, crescer, reproduzir-se. Todo agente tem interesse em aumentar seus ganhos, pensa a economia. Talvez por isso, a tendência à autodestruição seja difícil de se entender. Crescer ou ganhar é racional. Destruir-se é irracional. O problema é que vezes sem conta se escolhe essa segunda opção. Não tentarei, aqui, responder por quê - mas o mínimo que devemos é ligar um alarme, que dispare quando escolhemos nos destruir.
Pensei neste tema ao ver, na leitura dos jornais, a escalada da
insensatez na política. Até gente que deveria ser equilibrada se exalta e
perde o controle. Três exemplos:
1) Deputada venezuelana pede para denunciar seu governo na OEA e ocupa o lugar do Panamá, o que é errado - e o presidente da Câmara de seu país cassa o seu mandato; os dois lados apostam numa escalada que force a maioria mais calma de sua sociedade a se radicalizar;
2) A Justiça egípcia condena 529 islamistas à forca, num único dia, pela morte de apenas um soldado, numa das relações mais exageradas que já se viu entre crime e castigo;
3) Os oposicionistas ucranianos derrubam o governo ruim, mas eleito, de seu país, a Crimeia se separa, a Rússia a acolhe - e começa outra escalada maluca, tornando o mundo refém da insensatez de um palácio e uma praça.
Em todos estes casos, e cada dia surgem novos, o efeito extrapola enormemente a causa. A reação é desproporcional à ação. Perde-se o senso, perde-se a medida.
Outro ponto comum é que esses episódios são o paraíso dos extremistas. Engana-se quem pensa que a verdadeira oposição é entre Maduro e a deputada, islamistas e carrascos, ou golpistas ucranianos e Putin. Na verdade, todos esses jogam o mesmo jogo - cuja meta é descartar, excluir, impedir qualquer posição intermediária, qualquer negociação. Nos três casos, deveria ser óbvio que não se governa um país hostilizando metade de sua população. Mas é o que cada lado faz. E com isso uma provável maioria, que está dividida no voto mas não quer a violência, é obrigada a aceitar o jogo da força.
Daí que chegue uma hora, quando toda a sensatez foi liquidada, em que a saída possível é - quando há religiões, línguas ou etnias em jogo - a divisão territorial. Esta talvez seja viável na Ucrânia. Mas vejam o que implica. Grupos diferentes, que conviviam mais ou menos bem, são apartados. Cada um em seu canto inventará uma identidade extremada e se afastará do outro. Foi assim que a língua servo-croata - um só idioma, com dois alfabetos, cirílico e romano - rachou em duas, uma para cada exército (ou país, se preferirem). Foi assim que a ocupação norte-americana do Iraque transformou Bagdá, cidade em que conviviam, mal ou bem, sunitas e xiitas, numa pele de leopardo, dividia em bairros homogêneos onde o inimigo - que deveria ser respeitado como compatriota - não pode entrar sem risco de vida.
Por isso, quem tem bom senso deve recusar-se a escolher entre dois males. Quem assume um deles legitima, não só um extremismo, como também todo o processo que criou esse extremismo e o oposto. Há horas em que a atitude mais racional não é apoiar um dos loucos em disputa, mas perguntar como aconteceu que se chegasse à loucura. Conter-se, quando os outros enlouquecem, é o último poder da razão. Assim, denunciar a anexação da Crimeia à Rússia, sem atentar para a radicalização, promovida pelos dois lados, da política ucraniana nos últimos dez anos, é ficar na superfície e piorar o statu quo. A Ucrânia, como o Egito e mesmo a Venezuela, parece condenada a ser governada por uma maioria obtida quase pela sorte, que oprimirá a oposição. Dizer qual dos grupos seria melhor é aceitar a miséria dessa situação. Não precisamos, nós a quem resta razão, escolher o demônio menos péssimo. Devemos deixar claro aos atores que repudiamos o que todos eles fazem, quando optam pela violência. Podemos e devemos repudiar um modo de fazer política que a suprime e a substitui pela guerra civil.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
E-mail: rjanine@usp.br
Em vez de entrar no jogo dos extremismos, devemos repudiar a degradação da política que hoje ocorre no mundo
São vários episódios históricos e um mitológico, procurando entender por que tantas vezes os povos ou governantes escolhem o caminho da destruição, a via insensata, o jogo perde-perde. A mitologia comparece com o cavalo de Troia, que os gregos deixam às portas da cidade que estavam atacando, sem sucesso, havia dez anos. Os troianos se alegram de ver o inimigo ir embora e ainda por cima dar-lhes um presente tão belo. Apenas o sacerdote Laocoonte alerta que pode ser um perigo, uma armadilha: "Temo os gregos, mesmo quando trazem presentes". Mas ninguém o leva a sério - e, tarde da noite, guerreiros gregos saem de dentro do cavalo e tomam a cidade. Os troianos foram alertados, mas escolheram a própria destruição. Escolhas assim insensatas marcam a história humana, como se a espécie ou seus líderes flertassem descaradamente com a derrota, a autodestruição, o suicídio.
A economia e a filosofia política modernas se constroem com base na convicção contrária: todo ente vivo deseja preservar o seu ser, diz a filosofia - deseja viver, crescer, reproduzir-se. Todo agente tem interesse em aumentar seus ganhos, pensa a economia. Talvez por isso, a tendência à autodestruição seja difícil de se entender. Crescer ou ganhar é racional. Destruir-se é irracional. O problema é que vezes sem conta se escolhe essa segunda opção. Não tentarei, aqui, responder por quê - mas o mínimo que devemos é ligar um alarme, que dispare quando escolhemos nos destruir.
Não temos que escolher entre dois males
1) Deputada venezuelana pede para denunciar seu governo na OEA e ocupa o lugar do Panamá, o que é errado - e o presidente da Câmara de seu país cassa o seu mandato; os dois lados apostam numa escalada que force a maioria mais calma de sua sociedade a se radicalizar;
2) A Justiça egípcia condena 529 islamistas à forca, num único dia, pela morte de apenas um soldado, numa das relações mais exageradas que já se viu entre crime e castigo;
3) Os oposicionistas ucranianos derrubam o governo ruim, mas eleito, de seu país, a Crimeia se separa, a Rússia a acolhe - e começa outra escalada maluca, tornando o mundo refém da insensatez de um palácio e uma praça.
Em todos estes casos, e cada dia surgem novos, o efeito extrapola enormemente a causa. A reação é desproporcional à ação. Perde-se o senso, perde-se a medida.
Outro ponto comum é que esses episódios são o paraíso dos extremistas. Engana-se quem pensa que a verdadeira oposição é entre Maduro e a deputada, islamistas e carrascos, ou golpistas ucranianos e Putin. Na verdade, todos esses jogam o mesmo jogo - cuja meta é descartar, excluir, impedir qualquer posição intermediária, qualquer negociação. Nos três casos, deveria ser óbvio que não se governa um país hostilizando metade de sua população. Mas é o que cada lado faz. E com isso uma provável maioria, que está dividida no voto mas não quer a violência, é obrigada a aceitar o jogo da força.
Daí que chegue uma hora, quando toda a sensatez foi liquidada, em que a saída possível é - quando há religiões, línguas ou etnias em jogo - a divisão territorial. Esta talvez seja viável na Ucrânia. Mas vejam o que implica. Grupos diferentes, que conviviam mais ou menos bem, são apartados. Cada um em seu canto inventará uma identidade extremada e se afastará do outro. Foi assim que a língua servo-croata - um só idioma, com dois alfabetos, cirílico e romano - rachou em duas, uma para cada exército (ou país, se preferirem). Foi assim que a ocupação norte-americana do Iraque transformou Bagdá, cidade em que conviviam, mal ou bem, sunitas e xiitas, numa pele de leopardo, dividia em bairros homogêneos onde o inimigo - que deveria ser respeitado como compatriota - não pode entrar sem risco de vida.
Por isso, quem tem bom senso deve recusar-se a escolher entre dois males. Quem assume um deles legitima, não só um extremismo, como também todo o processo que criou esse extremismo e o oposto. Há horas em que a atitude mais racional não é apoiar um dos loucos em disputa, mas perguntar como aconteceu que se chegasse à loucura. Conter-se, quando os outros enlouquecem, é o último poder da razão. Assim, denunciar a anexação da Crimeia à Rússia, sem atentar para a radicalização, promovida pelos dois lados, da política ucraniana nos últimos dez anos, é ficar na superfície e piorar o statu quo. A Ucrânia, como o Egito e mesmo a Venezuela, parece condenada a ser governada por uma maioria obtida quase pela sorte, que oprimirá a oposição. Dizer qual dos grupos seria melhor é aceitar a miséria dessa situação. Não precisamos, nós a quem resta razão, escolher o demônio menos péssimo. Devemos deixar claro aos atores que repudiamos o que todos eles fazem, quando optam pela violência. Podemos e devemos repudiar um modo de fazer política que a suprime e a substitui pela guerra civil.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
E-mail: rjanine@usp.br
TeVê
TV paga
Estado de Minas: 31/03/2014
A partir de hoje, às 23h10, o canal Viva traz Susana Vieira (foto), Marília Gabriela e Betty Lago nos papéis das viúvas de Daniel, interpretado pelo veterano José Wilker, no reprise de Cinquentinha. Em oito capítulos, a minissérie de Aguinaldo Silva e Maria Elisa Berredo, exibida em 2009 pela Globo, mostra a disputa de mulheres maduras e modernas para garantir a herança do ex-marido. O personagem de Wilker é um milionário à beira da morte, que deixa em testamento uma missão para suas três ex-mulheres: apesar de inimigas, elas têm que se unir para administrar seus negócios em crise e fazê-los prosperar.
GNT FASHION DESTACA ESTILISTA ZUZU ANGEL
O GNT Fashion, às 22h, apresenta hoje edição especial sobre a São Paulo Fashion Week. Lilian Pacce mostra a temporada primavera-verão 2014/15 do evento, que homenageia Zuzu Angel. A estilista brasileira foi uma das principais figuras da luta pela busca dos desaparecidos da ditadura militar, tema de grande retrospectiva em São Paulo, 50 anos após o golpe. Lilian entrevista Hildegard Angel, filha de Zuzu e co-curadora da exposição e do desfile com as peças da estilista.
DOCES BÁRBAROS EM DOCUMENTÁRIO
O canal Curta! apresenta, às 22h, o documentário Doces bárbaros (1976). O filme registra a excursão comemorativa dos 10 anos de carreira dos Doces Bárbaros, grupo formado pelos cantores baianos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Gal Costa. Inicialmente, o filme tinha o objetivo de mostrar os shows de um disco ao vivo que seria lançado, mas acabou mudando o tom ao registrar a prisão e o julgamento de Gil e de um companheiro por porte de drogas. O cantor foi obrigado a se internar em uma clínica para desintoxicação, de onde só saía para participar dos espetáculos programados.
UM NOVO EPISÓDIO DE BEAUTY AND THE BEAST
O canal Universal exibe às 22h o 15º episódio inédito da segunda temporada de Beauty and the beast. Em Catch me if you can, Vincent (Jay Ryan) passa a madrugada procurando por Sam (Tom Everett Scott). J. T. (Austin Basis) descobre que seu amigo invadiu o sistema de segurança da polícia já que não quer rastreá-lo com seus sentidos de "fera". O ex-médico conta a J. T. que precisa provar a Cat (Kristin Kreuk) que é mais humano do que "fera" e, por isso, continua buscando pelo criminoso de uma maneira que as pessoas "comuns" poderiam fazer.
EVOLUÇÃO DA MODA NO PROGRAMA DO E!
Apresentado pela ex-modelo Giselle Hermeto, o Conexão da moda é uma produção nacional que aborda a evolução da moda brasileira. Neste episódio que vai ao ar às 22h30, no canal E!, o tema será “Tendências da moda.” Em destaque, as mudanças na indústria brasileira desde os anos 1960, o que foi sucesso, o que não deu certo e o que está voltando à cena, com diversos convidados de peso como os estilistas Paola Arroba (Poko Pano), Tufi Duek, Benny Rosset (CIA Marítima) e Samuel Cirnansck; a artista plástica Marisu Buquet; e a modelo Carol Ribeiro.
MAIS NOVIDADES NA SÉRIE INFANTIL DOKI
Novos episódios da série Doki entram no ar hoje no Discovery Kids. Qualquer acontecimento corriqueiro pode significar o início de uma nova aventura. Os integrantes do Clube Mundial de Expedição estão reunidos em seu clubinho e, de repente, surge uma dúvida que marca o início de uma jornada para desvendar os mistérios da ciência, arte, natureza e música: o que é a seda? De onde vêm os elásticos? Por que um balão às vezes deixa de flutuar? De onde vem a baunilha? Os episódios são exibidos sempre de segunda a sexta, às 11h.
Caras & Bocas
Candidato a galã
Filho de peixe, peixinho é? Vamos ver. Em Meu pedacinho de chão, novela que vai substituir Joia rara (Globo) em 7 de abril, Gabriel Sater, filho de um dos mais importantes violeiros do país, Almir Sater, faz sua estreia na telinha e em novelas. O pai também fez bonito em novelas como Pantanal e A história de Ana Raio e Zé Trovão, ambas na extinta Manchete, além de O rei do gado (Globo). Aos 32 anos, Gabriel, que herdou a beleza do pai, viverá no remake de Benedito Ruy Barbosa o violeiro andante Viramundo. “Meu pai disse para eu me entregar assim como me dedico à música. Nunca mais serei o mesmo”, disse. Na história, Viramundo se apaixonará por Milita, personagem da modelo Cinthia Dicker, filha de Giácomo, vivido por Antônio Fagundes.
AINDA POR CIMA LC É UM FRIO E CRUEL ASSASSINO
Como se não bastassem as monstruosidades das quais é capaz na comunidade, LC (Antônio Calloni) também é um frio e cruel assassino. No capítulo de amanhã de Além do horizonte (Globo), Lili (Juliana Paiva) vai descobrir que seu pai matou a mãe de Fátima (Yanna Lavigne), de quem era amante. Ela foi a primeira vítima da tal "besta de Tapiré" que inventaram na região. A mulher comandava um bordel e enviava algumas de suas garotas para servirem de cobaias para a máquina de LC. Com um desentendimento entre eles, o pai de Lili acabou matando a amante, que era mulher de Kléber (Marcello Novaes), o pai de Fátima.
SÉRIE ESPECIAL SOBRE GOLPE MILITAR NO BRASIL
O golpe militar completa, hoje, 50 anos, e o SBT Brasil, a partir das 19h45, exibe uma série de reportagens especiais, Silêncio da ditatura. O repórter Fábio Diamante vai mostrar documentos inéditos sobre a morte do jornalista Vladimir Herzog, o massacre dos índios pelos militares e as ruínas de um presídio construído pela ditadura dentro de uma aldeia. E ainda: a história do doente mental que ficou internado durante 37 anos em um manicômio judicial, acusado por crimes cometidos no período.
PERÍODO DE DITADURA RELEMBRADO PELA TV
Os programas Opinião Minas e Agenda, da Rede Minas, também vão relembrar o golpe militar no Brasil. O primeiro, às 8h15, recorda os anos de chumbo em conversa com Cláudio Antônio de Almeida, membro da Comissão da Verdade, da Universidade de Brasília. Ele fala sobre o trabalho de resgatar a história das pessoas que tiveram seus direitos humanos agredidos durante o período. Já o Agenda, às 19h30, estreia série de reportagens que mostra como o cinema, a música e o teatro abordaram o tema nas artes. A TV Brasil destaca o assunto com a série Militares pela democracia, de Sílvio Tendler, que apresenta os homens do Exército, da Marinha e da Aeronáutica que sofreram ao reagir ao golpe dentro dos quartéis. São cinco episódios, de hoje a sexta-feira, às 23h30. Já no Canal Brasil, às 22h, será exibido o documentário Dossiê Jango, de Paulo Henrique Fontenelle.
OUTRO LADO
Acusado de causar clima tenso nos bastidores da novela Em família (Globo), o ator Gabriel Braga Nunes falou sobre o assunto. “Não tenho nem o que dizer sobre essas notícias, porque simplesmente não aconteceu nada. Não existe mau relacionamento. Nossa novela é ótima e o ambiente de trabalho também”, disse. Ele explicou que tem grandes amigos na equipe e definiu os profissionais como “absolutamente talentosos”. Há alguns dias, rumores davam conta de que Gabriel criava problemas de relacionamento com os atores Ana Beatriz Nogueira, Helena Ranaldi e Humberto Martins. Este último foi o único a desmentir um suposto conflito entre eles.
VIVA - A “lama gulosa" que tragou o vilão Hermes (Alexandre Nero) em Além do horizonte. Recurso cenográfico e tanto!
VAIA - Paulinha, personagem de Christiana Ubach, em Além do horizonte desapareceu da trama. E rendia bem como vilã.
Estado de Minas: 31/03/2014
Cinquentinha de volta
A partir de hoje, às 23h10, o canal Viva traz Susana Vieira (foto), Marília Gabriela e Betty Lago nos papéis das viúvas de Daniel, interpretado pelo veterano José Wilker, no reprise de Cinquentinha. Em oito capítulos, a minissérie de Aguinaldo Silva e Maria Elisa Berredo, exibida em 2009 pela Globo, mostra a disputa de mulheres maduras e modernas para garantir a herança do ex-marido. O personagem de Wilker é um milionário à beira da morte, que deixa em testamento uma missão para suas três ex-mulheres: apesar de inimigas, elas têm que se unir para administrar seus negócios em crise e fazê-los prosperar.
GNT FASHION DESTACA ESTILISTA ZUZU ANGEL
O GNT Fashion, às 22h, apresenta hoje edição especial sobre a São Paulo Fashion Week. Lilian Pacce mostra a temporada primavera-verão 2014/15 do evento, que homenageia Zuzu Angel. A estilista brasileira foi uma das principais figuras da luta pela busca dos desaparecidos da ditadura militar, tema de grande retrospectiva em São Paulo, 50 anos após o golpe. Lilian entrevista Hildegard Angel, filha de Zuzu e co-curadora da exposição e do desfile com as peças da estilista.
DOCES BÁRBAROS EM DOCUMENTÁRIO
O canal Curta! apresenta, às 22h, o documentário Doces bárbaros (1976). O filme registra a excursão comemorativa dos 10 anos de carreira dos Doces Bárbaros, grupo formado pelos cantores baianos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Gal Costa. Inicialmente, o filme tinha o objetivo de mostrar os shows de um disco ao vivo que seria lançado, mas acabou mudando o tom ao registrar a prisão e o julgamento de Gil e de um companheiro por porte de drogas. O cantor foi obrigado a se internar em uma clínica para desintoxicação, de onde só saía para participar dos espetáculos programados.
UM NOVO EPISÓDIO DE BEAUTY AND THE BEAST
O canal Universal exibe às 22h o 15º episódio inédito da segunda temporada de Beauty and the beast. Em Catch me if you can, Vincent (Jay Ryan) passa a madrugada procurando por Sam (Tom Everett Scott). J. T. (Austin Basis) descobre que seu amigo invadiu o sistema de segurança da polícia já que não quer rastreá-lo com seus sentidos de "fera". O ex-médico conta a J. T. que precisa provar a Cat (Kristin Kreuk) que é mais humano do que "fera" e, por isso, continua buscando pelo criminoso de uma maneira que as pessoas "comuns" poderiam fazer.
EVOLUÇÃO DA MODA NO PROGRAMA DO E!
Apresentado pela ex-modelo Giselle Hermeto, o Conexão da moda é uma produção nacional que aborda a evolução da moda brasileira. Neste episódio que vai ao ar às 22h30, no canal E!, o tema será “Tendências da moda.” Em destaque, as mudanças na indústria brasileira desde os anos 1960, o que foi sucesso, o que não deu certo e o que está voltando à cena, com diversos convidados de peso como os estilistas Paola Arroba (Poko Pano), Tufi Duek, Benny Rosset (CIA Marítima) e Samuel Cirnansck; a artista plástica Marisu Buquet; e a modelo Carol Ribeiro.
MAIS NOVIDADES NA SÉRIE INFANTIL DOKI
Novos episódios da série Doki entram no ar hoje no Discovery Kids. Qualquer acontecimento corriqueiro pode significar o início de uma nova aventura. Os integrantes do Clube Mundial de Expedição estão reunidos em seu clubinho e, de repente, surge uma dúvida que marca o início de uma jornada para desvendar os mistérios da ciência, arte, natureza e música: o que é a seda? De onde vêm os elásticos? Por que um balão às vezes deixa de flutuar? De onde vem a baunilha? Os episódios são exibidos sempre de segunda a sexta, às 11h.
Caras & Bocas
Candidato a galã
Filho de peixe, peixinho é? Vamos ver. Em Meu pedacinho de chão, novela que vai substituir Joia rara (Globo) em 7 de abril, Gabriel Sater, filho de um dos mais importantes violeiros do país, Almir Sater, faz sua estreia na telinha e em novelas. O pai também fez bonito em novelas como Pantanal e A história de Ana Raio e Zé Trovão, ambas na extinta Manchete, além de O rei do gado (Globo). Aos 32 anos, Gabriel, que herdou a beleza do pai, viverá no remake de Benedito Ruy Barbosa o violeiro andante Viramundo. “Meu pai disse para eu me entregar assim como me dedico à música. Nunca mais serei o mesmo”, disse. Na história, Viramundo se apaixonará por Milita, personagem da modelo Cinthia Dicker, filha de Giácomo, vivido por Antônio Fagundes.
AINDA POR CIMA LC É UM FRIO E CRUEL ASSASSINO
Como se não bastassem as monstruosidades das quais é capaz na comunidade, LC (Antônio Calloni) também é um frio e cruel assassino. No capítulo de amanhã de Além do horizonte (Globo), Lili (Juliana Paiva) vai descobrir que seu pai matou a mãe de Fátima (Yanna Lavigne), de quem era amante. Ela foi a primeira vítima da tal "besta de Tapiré" que inventaram na região. A mulher comandava um bordel e enviava algumas de suas garotas para servirem de cobaias para a máquina de LC. Com um desentendimento entre eles, o pai de Lili acabou matando a amante, que era mulher de Kléber (Marcello Novaes), o pai de Fátima.
SÉRIE ESPECIAL SOBRE GOLPE MILITAR NO BRASIL
O golpe militar completa, hoje, 50 anos, e o SBT Brasil, a partir das 19h45, exibe uma série de reportagens especiais, Silêncio da ditatura. O repórter Fábio Diamante vai mostrar documentos inéditos sobre a morte do jornalista Vladimir Herzog, o massacre dos índios pelos militares e as ruínas de um presídio construído pela ditadura dentro de uma aldeia. E ainda: a história do doente mental que ficou internado durante 37 anos em um manicômio judicial, acusado por crimes cometidos no período.
PERÍODO DE DITADURA RELEMBRADO PELA TV
Os programas Opinião Minas e Agenda, da Rede Minas, também vão relembrar o golpe militar no Brasil. O primeiro, às 8h15, recorda os anos de chumbo em conversa com Cláudio Antônio de Almeida, membro da Comissão da Verdade, da Universidade de Brasília. Ele fala sobre o trabalho de resgatar a história das pessoas que tiveram seus direitos humanos agredidos durante o período. Já o Agenda, às 19h30, estreia série de reportagens que mostra como o cinema, a música e o teatro abordaram o tema nas artes. A TV Brasil destaca o assunto com a série Militares pela democracia, de Sílvio Tendler, que apresenta os homens do Exército, da Marinha e da Aeronáutica que sofreram ao reagir ao golpe dentro dos quartéis. São cinco episódios, de hoje a sexta-feira, às 23h30. Já no Canal Brasil, às 22h, será exibido o documentário Dossiê Jango, de Paulo Henrique Fontenelle.
OUTRO LADO
Acusado de causar clima tenso nos bastidores da novela Em família (Globo), o ator Gabriel Braga Nunes falou sobre o assunto. “Não tenho nem o que dizer sobre essas notícias, porque simplesmente não aconteceu nada. Não existe mau relacionamento. Nossa novela é ótima e o ambiente de trabalho também”, disse. Ele explicou que tem grandes amigos na equipe e definiu os profissionais como “absolutamente talentosos”. Há alguns dias, rumores davam conta de que Gabriel criava problemas de relacionamento com os atores Ana Beatriz Nogueira, Helena Ranaldi e Humberto Martins. Este último foi o único a desmentir um suposto conflito entre eles.
VIVA - A “lama gulosa" que tragou o vilão Hermes (Alexandre Nero) em Além do horizonte. Recurso cenográfico e tanto!
VAIA - Paulinha, personagem de Christiana Ubach, em Além do horizonte desapareceu da trama. E rendia bem como vilã.
Eduardo Almeida Reis - Quinquagésimo
Estado de Minas: 31/03/2014
Carioca de família libanesa, Antônio Houaiss (1915-1999), diplomata, filólogo, gourmet, tradutor, lexicógrafo e acadêmico diz que o numeral quinquagésimo é latim clássico quinquagesìmus,a,um “quinquagésimo, um de cinquenta”, este de quinquaginta “cinquenta”.
Hoje temos o quinquagésimo aniversário do movimento militar (cível e cívico) de 1964, sem o qual o Brasil se transformaria num imenso Vietnã. Opinião que não é minha, mas do general de exército Oswaldo Muniz Oliva, pai deste menino Aloizio Mercadante Oliva, ministro da Casa Civil do governo Rousseff. Consta que é o único ministro que não se borra de medo das bossyboots da chefa. Que tal: gostaram de bossyboots? Significa domineering person ou pessoa dominante.
Em agosto, teremos o sexagésimo aniversário do suicídio de Getúlio Vargas, que decidiu sair da vida para entrar na história quando viu que a situação não estava boa para o país e para ele. Antes que a Comissão da Verdade se lembre de analisar os ossos de Getúlio para ver se o presidente foi envenenado pelos militares, convém transcrever reflexão do gênio de Abgar Renault: “Getúlio Vargas estava deposto e perdido, sem remédio, a partir do instante em que usou, na carta testamento, o verbo obstaculizar”.
Realmente, o verbo obstaculizar deveria ser proibido por lei. Só pode ter sido gauchismo do Dr. Getúlio, considerando que o Diccionario da Real Academia Española abona obstaculizar: 1. tr. Impedir o dificultar la consecución de un propósito. Houaiss também abona e diz que é regionalismo brasileiro, motivo pelo qual, visando a não obstaculizar a análise dos leitores mais jovens sobre o que havia neste país antes de 1964 e sobre o que se vê no ano da Copa das Copas, enquanto philosopho tiro o meu time do campo.
A conjunção enquanto, significando “na qualidade de”, andou em moda neste país grande e bobo. Ninguém dava opinião sobre futebol ou papel higiênico sem dizer que opinava “enquanto cidadão”, “enquanto engenheiro”, “enquanto atleta”. Logo surgiram os implicantes, enquanto críticos dos modismos, dos vícios de linguagem, para criticar o lexema que entrou em nosso idioma no século 13. Deve ser papa fina, porque o encontrei com o sentido de “na qualidade de” num texto do padre Vieira.
Espanto!
Contratei um serviço doméstico por R$ 2.600: R$ 500 de material, R$ 2.100 de mão de obra. Antes, expliquei o serviço a um construtor amigo, que me disse estar o orçamento razoável. Iniciado o trabalho, antes mesmo de chegar o material a operadora de forno e fogão veio ao escritório para dizer que “aquele moço” queria falar comigo.
Fi-lo adentrar o recinto sagrado em que o philosopho philosopha para ouvir o seguinte: “Fui criado na escola da honestidade e vim dizer ao senhor que descobri o problema do vazamento. Portanto, se eu remendar o ponto que vaza, é menos material, menos mão de obra e o serviço por mil reais está bem pago”. Pode? Tem cabimento uma coisa dessas na República Federativa do Brasil?
Um pedreiro honesto... Fiquei com ódio do mineiro, porque não há nada que mais nos aborreça do que encontrar o nosso defeito nos outros. O agiota odeia o onzenário, o larápio odeia o ladrão, o pastor da Universal nem pode ouvir falar do pastor da Mundial. Mandei tocar o conserto pelos R$ 2.600 e disse ao pedreiro perplexo: “Aqui na casa, para honestidade, só eu!”. Nem ao menos fui original, porque um personagem do Eça não permitia barulhos que incomodassem o alto filosofar dos seus amigos. E descia as escadas com um porrete para espantar da rua os barulhentos, dizendo: “Aqui na casa, para bordoada, só eu!”.
O mundo é uma bola
31 de março de 627: início da Batalha de Trincheira, o cerco a Medina pelos inimigos de Maomé. Em 1146, Bernardo de Claraval prega em um campo de Vézalay aquele que seria o seu famoso sermão ressaltando a necessidade de empreender uma Segunda Cruzada. Luís VII, presente, se junta aos cruzados.
Uma das personalidades mais influentes do século 12, santo e doutor da Igreja, Bernardo de Claraval (1090-1153) foi quem escreveu a regra dos templários e outras obras como o Tratado do amor de Deus. Compositor ou redator do hino Ave Maris Stella foi o autor da invocação Ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria, da salve-rainha.
Em 1744, pela Guerra da Independência dos Estados Unidos, o Reino da Grã-Bretanha ordena o fechamento do Porto de Boston, Massachusetts. Fosse hoje prejudicaria um sem-conto de brasileiros que vivem em Boston. Em 1821, por uma sessão extraordinária das Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, foi extinta a Inquisição em Portugal. O decreto de extinção foi aprovado por unanimidade de votos. Em 1849, início do Moderno Espiritualismo. Em 1889, inauguração em Paris da Torre Eiffel por Gustave Eiffel, que a projetou. Em 1727 morreu Si Isaac Newton.
Hoje é o Dia da Doutrina Espírita, o Dia da Integração Nacional e o Dia da Saúde e Nutrição.
Ruminanças
“Todos, só porque falam, creem poder falar da língua também” (Goethe, 1749-1832).
Carioca de família libanesa, Antônio Houaiss (1915-1999), diplomata, filólogo, gourmet, tradutor, lexicógrafo e acadêmico diz que o numeral quinquagésimo é latim clássico quinquagesìmus,a,um “quinquagésimo, um de cinquenta”, este de quinquaginta “cinquenta”.
Hoje temos o quinquagésimo aniversário do movimento militar (cível e cívico) de 1964, sem o qual o Brasil se transformaria num imenso Vietnã. Opinião que não é minha, mas do general de exército Oswaldo Muniz Oliva, pai deste menino Aloizio Mercadante Oliva, ministro da Casa Civil do governo Rousseff. Consta que é o único ministro que não se borra de medo das bossyboots da chefa. Que tal: gostaram de bossyboots? Significa domineering person ou pessoa dominante.
Em agosto, teremos o sexagésimo aniversário do suicídio de Getúlio Vargas, que decidiu sair da vida para entrar na história quando viu que a situação não estava boa para o país e para ele. Antes que a Comissão da Verdade se lembre de analisar os ossos de Getúlio para ver se o presidente foi envenenado pelos militares, convém transcrever reflexão do gênio de Abgar Renault: “Getúlio Vargas estava deposto e perdido, sem remédio, a partir do instante em que usou, na carta testamento, o verbo obstaculizar”.
Realmente, o verbo obstaculizar deveria ser proibido por lei. Só pode ter sido gauchismo do Dr. Getúlio, considerando que o Diccionario da Real Academia Española abona obstaculizar: 1. tr. Impedir o dificultar la consecución de un propósito. Houaiss também abona e diz que é regionalismo brasileiro, motivo pelo qual, visando a não obstaculizar a análise dos leitores mais jovens sobre o que havia neste país antes de 1964 e sobre o que se vê no ano da Copa das Copas, enquanto philosopho tiro o meu time do campo.
A conjunção enquanto, significando “na qualidade de”, andou em moda neste país grande e bobo. Ninguém dava opinião sobre futebol ou papel higiênico sem dizer que opinava “enquanto cidadão”, “enquanto engenheiro”, “enquanto atleta”. Logo surgiram os implicantes, enquanto críticos dos modismos, dos vícios de linguagem, para criticar o lexema que entrou em nosso idioma no século 13. Deve ser papa fina, porque o encontrei com o sentido de “na qualidade de” num texto do padre Vieira.
Espanto!
Contratei um serviço doméstico por R$ 2.600: R$ 500 de material, R$ 2.100 de mão de obra. Antes, expliquei o serviço a um construtor amigo, que me disse estar o orçamento razoável. Iniciado o trabalho, antes mesmo de chegar o material a operadora de forno e fogão veio ao escritório para dizer que “aquele moço” queria falar comigo.
Fi-lo adentrar o recinto sagrado em que o philosopho philosopha para ouvir o seguinte: “Fui criado na escola da honestidade e vim dizer ao senhor que descobri o problema do vazamento. Portanto, se eu remendar o ponto que vaza, é menos material, menos mão de obra e o serviço por mil reais está bem pago”. Pode? Tem cabimento uma coisa dessas na República Federativa do Brasil?
Um pedreiro honesto... Fiquei com ódio do mineiro, porque não há nada que mais nos aborreça do que encontrar o nosso defeito nos outros. O agiota odeia o onzenário, o larápio odeia o ladrão, o pastor da Universal nem pode ouvir falar do pastor da Mundial. Mandei tocar o conserto pelos R$ 2.600 e disse ao pedreiro perplexo: “Aqui na casa, para honestidade, só eu!”. Nem ao menos fui original, porque um personagem do Eça não permitia barulhos que incomodassem o alto filosofar dos seus amigos. E descia as escadas com um porrete para espantar da rua os barulhentos, dizendo: “Aqui na casa, para bordoada, só eu!”.
O mundo é uma bola
31 de março de 627: início da Batalha de Trincheira, o cerco a Medina pelos inimigos de Maomé. Em 1146, Bernardo de Claraval prega em um campo de Vézalay aquele que seria o seu famoso sermão ressaltando a necessidade de empreender uma Segunda Cruzada. Luís VII, presente, se junta aos cruzados.
Uma das personalidades mais influentes do século 12, santo e doutor da Igreja, Bernardo de Claraval (1090-1153) foi quem escreveu a regra dos templários e outras obras como o Tratado do amor de Deus. Compositor ou redator do hino Ave Maris Stella foi o autor da invocação Ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria, da salve-rainha.
Em 1744, pela Guerra da Independência dos Estados Unidos, o Reino da Grã-Bretanha ordena o fechamento do Porto de Boston, Massachusetts. Fosse hoje prejudicaria um sem-conto de brasileiros que vivem em Boston. Em 1821, por uma sessão extraordinária das Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, foi extinta a Inquisição em Portugal. O decreto de extinção foi aprovado por unanimidade de votos. Em 1849, início do Moderno Espiritualismo. Em 1889, inauguração em Paris da Torre Eiffel por Gustave Eiffel, que a projetou. Em 1727 morreu Si Isaac Newton.
Hoje é o Dia da Doutrina Espírita, o Dia da Integração Nacional e o Dia da Saúde e Nutrição.
Ruminanças
“Todos, só porque falam, creem poder falar da língua também” (Goethe, 1749-1832).
Tu me ensinas a fazer renda?
A arte feita com a linha e a agulha se
transformou em boa fonte de ganhos para mulheres do interior de Minas.
Em mais de 80% dos municípios do estado há bordadeiras que dão vida à
atividade
Marta Vieira
Estado de Minas: 31/03/2014
Com todos os tropeços recentes da economia globalizada, as mulheres rendeiras e bordadeiras de Minas Gerais e do Brasil, que se firmaram na arte introduzida no país pelos portugueses e inspiraram a cultura e a música, podem dar boas aulas de educação financeira. A atividade, tão antiga e ainda repassada de mãe para filha, garante emprego e renda em centenas de municípios, resistindo à ameaça de morrer pelas mãos das gerações mais jovens, que não desgrudam da internet. A tradição, o amor pelo traçado de agulhas e linhas e a independência financeira conquistada tornaram conhecidos em todo o país grupos de profissionais da renda e do bordado das cidades de Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte; Barra Longa, na Zona da Mata mineira, e Barroso, na Região Central de Minas.
Mestra das artesãs da renda turca de bicos, protegida como bem cultural de natureza imaterial em Sabará, a mineira Nilza Starling Almeida, de 87 anos, não vacila na cadência de agulha e linha e nem mesmo ao se recordar de algumas das mais de 200 alunas a quem ensinou nos últimos 30 anos na cidade histórica. “Continuo gostando de desafios. Vou fazer 88 anos e o dia em que não dou alguns pontos não passa. Isso é que está me segurando”, repete durante os encontros às segundas e quartas-feiras com as 15 mulheres do grupo Requifife – Rendas e Bordados Finos.
Artesã e líder administrativa do grupo, a filha Nayla Starling diz que não há como atender todo o volume de encomendas que chega, incluindo intermediários de clientes da França, Itália, Portugal e da Holanda. O portfólio é variado e rico em criatividade, oferecendo de toalhas de mão vendidas por R$ 30 a vestidos infantis comercializados a R$ 200. Uma única toalha de rosto pode consumir oito horas de trabalho e encantar do público que frequenta a Casa de Cultura de Sabará aos visitantes da Feira Nacional de Artesanato, realizada todo ano em BH, ou de outros eventos das quais o grupo participa. “Não tiramos férias do bordado. É como terapia, além de ajudar na vida financeira”, diz Nayla.
Os poucos dados mais recentes sobre a importância do artesanato dos bordados para o emprego e a renda dos brasileiros indicam que a atividade despontou, praticada em 74,2% dos municípios, em 2012, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ela constitui traço da cultura nacional, alcançando 93% dos municípios de Sergipe, o campeão no desenvolvimento dessa arte, e 82,1% das cidades do Espírito Santo. Minas é o terceiro colocado. Há bordadeiras no pleno exercício da profissão em 695 dos 853 municípios, quer dizer, em 81,5% do total. A abrangência do trabalho supera com larga vantagem o artesanato em madeira, que estava presente em 33,7% do país em 2012.
DO CRIVO AO RICHELIEU Não foi sem esforço que Barra Longa passou a ser conhecida como capital brasileira da renda. Há quem garanta que a atividade é a segunda em geração de emprego e renda na cidade produtora de leite, com seus 6 mil habitantes. Seja na área rural, seja dentro do perímetro urbano, não há casa que se preze sem mulheres afiadas na confecção de peças em crivo, fuxico e renda richelieu, assim chamada em referência ao gosto pelos tecidos de linho de fino acabamento do lendário cardeal francês de Richelieu, conselheiro do rei Luiz XIII no século 17.
A Associação Barralonguense de Bordadeiras e Artesãos (Abba), criada em 2003, nasceu do empenho de mulheres como Maria Aparecida Lanna para fortalecer a produção e o comércio, que tem raízes na era da mineração de ouro na região. “Está no sangue. Vendemos pastel e organizamos bazar para conseguir os recursos e registrar a associação”, conta a artesã.
A organização trouxe benefícios, como o acesso aos cursos de empreendedorismo do Sebrae, facilitando também a participação em feiras e eventos. A compra coletiva de matérias-primas (linhas e tecidos) direto das fábricas barateou o custo de produção das peças. Com patrocínio da Samarco Mineração, em 2010 a associação adquiriu máquina de overloc para acabamento, que o grupo usa de forma coletiva. As bordadeiras atendem demanda de diversos municípios, a exemplo de Santo Antônio do Grama, Santa Margarida, Guiricema e Acaiaca.
Em Barroso, na Região Central de Minas, a Associação Ortópolis Barroso apoia o trabalho tradicional dos bordados. A artesã Eliana Ladinho Vale de Melo aderiu à legislação do microempreendedor em setembro do ano passado e já contrata os serviços de crochê de outras bordadeiras do município para dar conta de atender os pedidos. O marido, Geraldo dos Reis Melo, se associou no negócio, confeccionando as bases de madeira usadas em bandejas, porta-copos, caixas de bijuteria e maquiagem. O momento, agora, é pensar em como expandir a produção, conta Eliana. “Preciso de mais gente para trabalhar comigo. Há 50 anos faço do crochê um trabalho prazeroso e que complementa a renda da minha família”, afirma.
Horas e horas de dedicação
Professoras, costureiras, aposentadas de diversas áreas, donas de casa e empregadas domésticas trocaram a profissão pela arte da renda e do bordado ou conciliam as duas jornadas de trabalho, dedicando muitas vezes mais de 10 horas por dia à agulha e linha. Em Sabará, 20 anos de aprendizado separam a dona de casa Cacilda Geralda Ribeiro Muller, de 57 anos, hoje uma professora da técnica da renda turca de bico, e a aposentada Agda Jesus Viana, de 62, que se tornou aluna no grupo Requifife há um ano. Os objetivos são comuns, de aliar o prazer de tecer ou tricotar à complementação de rendimentos em casa.
“Quero me aperfeiçoar cada vez mais e ensino quem quiser aprender”, diz Cacilda, que recebe mais encomendas do que dá conta de atender. Agda já fazia peças em crochê quando surgiu o desejo de ampliar as possibilidades de reforçar a atividade como um negócio. “Quero ensinar minhas sobrinhas para que elas possam conciliar a renda com o trabalho delas e ajudar na independência financeira”, afirma. Ao grupo comandado por Nilza Starling se juntaram com o mesmo desejo Nely Avelino Magalhães, de 77, Geralda Agostinha Teixeira, de 64, e Lira Magalhães Soares, de 68.
“Com o bordado ganho meu dinheiro e pago contas”, diz Maria Aparecida Lana, que, além do trabalho artesanal, se empenha em conquistar mais apoio para a Associação Barralonguense de Bordadeiras e Artesãos, da qual é tesoureira, com a experiência vivida como professora e funcionária pública durante 14 anos. As peças requerem concentração e dedicação de no mínimo quatros horas no bordado de um guardanapo. As artesãs bordam toalhas de mesa, panos de prato, jogo americano de mesa e toalhas para lavabo, entre outras peças. Os preços variam de R$ 15 a
R$ 800. Não bastasse o desafio de competir com a produção chinesa, que inunda o mercado brasileiro, elas buscam patrocínio para o grupo poder, principalmente, continuar mostrando ao Brasil a beleza dos bordados feitos em Barra Longa. (MV)
Marta Vieira
Estado de Minas: 31/03/2014
A renda turca de bicos está entre as especialidades das artesãs, que trabalham duro para atender a demanda |
Com todos os tropeços recentes da economia globalizada, as mulheres rendeiras e bordadeiras de Minas Gerais e do Brasil, que se firmaram na arte introduzida no país pelos portugueses e inspiraram a cultura e a música, podem dar boas aulas de educação financeira. A atividade, tão antiga e ainda repassada de mãe para filha, garante emprego e renda em centenas de municípios, resistindo à ameaça de morrer pelas mãos das gerações mais jovens, que não desgrudam da internet. A tradição, o amor pelo traçado de agulhas e linhas e a independência financeira conquistada tornaram conhecidos em todo o país grupos de profissionais da renda e do bordado das cidades de Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte; Barra Longa, na Zona da Mata mineira, e Barroso, na Região Central de Minas.
Mestra das artesãs da renda turca de bicos, protegida como bem cultural de natureza imaterial em Sabará, a mineira Nilza Starling Almeida, de 87 anos, não vacila na cadência de agulha e linha e nem mesmo ao se recordar de algumas das mais de 200 alunas a quem ensinou nos últimos 30 anos na cidade histórica. “Continuo gostando de desafios. Vou fazer 88 anos e o dia em que não dou alguns pontos não passa. Isso é que está me segurando”, repete durante os encontros às segundas e quartas-feiras com as 15 mulheres do grupo Requifife – Rendas e Bordados Finos.
Artesã e líder administrativa do grupo, a filha Nayla Starling diz que não há como atender todo o volume de encomendas que chega, incluindo intermediários de clientes da França, Itália, Portugal e da Holanda. O portfólio é variado e rico em criatividade, oferecendo de toalhas de mão vendidas por R$ 30 a vestidos infantis comercializados a R$ 200. Uma única toalha de rosto pode consumir oito horas de trabalho e encantar do público que frequenta a Casa de Cultura de Sabará aos visitantes da Feira Nacional de Artesanato, realizada todo ano em BH, ou de outros eventos das quais o grupo participa. “Não tiramos férias do bordado. É como terapia, além de ajudar na vida financeira”, diz Nayla.
Os poucos dados mais recentes sobre a importância do artesanato dos bordados para o emprego e a renda dos brasileiros indicam que a atividade despontou, praticada em 74,2% dos municípios, em 2012, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ela constitui traço da cultura nacional, alcançando 93% dos municípios de Sergipe, o campeão no desenvolvimento dessa arte, e 82,1% das cidades do Espírito Santo. Minas é o terceiro colocado. Há bordadeiras no pleno exercício da profissão em 695 dos 853 municípios, quer dizer, em 81,5% do total. A abrangência do trabalho supera com larga vantagem o artesanato em madeira, que estava presente em 33,7% do país em 2012.
DO CRIVO AO RICHELIEU Não foi sem esforço que Barra Longa passou a ser conhecida como capital brasileira da renda. Há quem garanta que a atividade é a segunda em geração de emprego e renda na cidade produtora de leite, com seus 6 mil habitantes. Seja na área rural, seja dentro do perímetro urbano, não há casa que se preze sem mulheres afiadas na confecção de peças em crivo, fuxico e renda richelieu, assim chamada em referência ao gosto pelos tecidos de linho de fino acabamento do lendário cardeal francês de Richelieu, conselheiro do rei Luiz XIII no século 17.
A Associação Barralonguense de Bordadeiras e Artesãos (Abba), criada em 2003, nasceu do empenho de mulheres como Maria Aparecida Lanna para fortalecer a produção e o comércio, que tem raízes na era da mineração de ouro na região. “Está no sangue. Vendemos pastel e organizamos bazar para conseguir os recursos e registrar a associação”, conta a artesã.
A organização trouxe benefícios, como o acesso aos cursos de empreendedorismo do Sebrae, facilitando também a participação em feiras e eventos. A compra coletiva de matérias-primas (linhas e tecidos) direto das fábricas barateou o custo de produção das peças. Com patrocínio da Samarco Mineração, em 2010 a associação adquiriu máquina de overloc para acabamento, que o grupo usa de forma coletiva. As bordadeiras atendem demanda de diversos municípios, a exemplo de Santo Antônio do Grama, Santa Margarida, Guiricema e Acaiaca.
Em Barroso, na Região Central de Minas, a Associação Ortópolis Barroso apoia o trabalho tradicional dos bordados. A artesã Eliana Ladinho Vale de Melo aderiu à legislação do microempreendedor em setembro do ano passado e já contrata os serviços de crochê de outras bordadeiras do município para dar conta de atender os pedidos. O marido, Geraldo dos Reis Melo, se associou no negócio, confeccionando as bases de madeira usadas em bandejas, porta-copos, caixas de bijuteria e maquiagem. O momento, agora, é pensar em como expandir a produção, conta Eliana. “Preciso de mais gente para trabalhar comigo. Há 50 anos faço do crochê um trabalho prazeroso e que complementa a renda da minha família”, afirma.
Em Sabará, Nilza Starling e sua filha, Nayla (em pé) ensinam as técnicas e o capricho a Nely, Geralda, Agda, Lira e Cacilda |
Horas e horas de dedicação
Professoras, costureiras, aposentadas de diversas áreas, donas de casa e empregadas domésticas trocaram a profissão pela arte da renda e do bordado ou conciliam as duas jornadas de trabalho, dedicando muitas vezes mais de 10 horas por dia à agulha e linha. Em Sabará, 20 anos de aprendizado separam a dona de casa Cacilda Geralda Ribeiro Muller, de 57 anos, hoje uma professora da técnica da renda turca de bico, e a aposentada Agda Jesus Viana, de 62, que se tornou aluna no grupo Requifife há um ano. Os objetivos são comuns, de aliar o prazer de tecer ou tricotar à complementação de rendimentos em casa.
“Quero me aperfeiçoar cada vez mais e ensino quem quiser aprender”, diz Cacilda, que recebe mais encomendas do que dá conta de atender. Agda já fazia peças em crochê quando surgiu o desejo de ampliar as possibilidades de reforçar a atividade como um negócio. “Quero ensinar minhas sobrinhas para que elas possam conciliar a renda com o trabalho delas e ajudar na independência financeira”, afirma. Ao grupo comandado por Nilza Starling se juntaram com o mesmo desejo Nely Avelino Magalhães, de 77, Geralda Agostinha Teixeira, de 64, e Lira Magalhães Soares, de 68.
“Com o bordado ganho meu dinheiro e pago contas”, diz Maria Aparecida Lana, que, além do trabalho artesanal, se empenha em conquistar mais apoio para a Associação Barralonguense de Bordadeiras e Artesãos, da qual é tesoureira, com a experiência vivida como professora e funcionária pública durante 14 anos. As peças requerem concentração e dedicação de no mínimo quatros horas no bordado de um guardanapo. As artesãs bordam toalhas de mesa, panos de prato, jogo americano de mesa e toalhas para lavabo, entre outras peças. Os preços variam de R$ 15 a
R$ 800. Não bastasse o desafio de competir com a produção chinesa, que inunda o mercado brasileiro, elas buscam patrocínio para o grupo poder, principalmente, continuar mostrando ao Brasil a beleza dos bordados feitos em Barra Longa. (MV)
SAÚDE / O PESO DO JALECO » Alta resistência em buscar ajuda
Sensação de onipotência diante dos
pacientes leva médicos a esenvolverem quadros psiquiátricos. Para
'curar' a angústia, muitos se refugiam na morfina e nos remédios tarja
preta, sem procurar tratamento
Luciane Evans
Estado de Minas: 31/03/2014
“Minha primeira depressão foi durante o quarto ano de medicina. Além dela, tenho transtorno bipolar. Meu quadro depressivo já foi tão grave que pensaram no tratamento com eletrochoque. O momento mais crítico foi quando fiquei afastada do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). Já pensei em me matar, mas sempre me cuidei. Tive câncer de intestino também. Hoje, estou curada. Tenho terapeuta, tomo meus remédios e, quando não estou bem, cancelo todos os meus pacientes.”
O depoimento é de uma das psiquiatras mais reconhecidas e respeitadas no meio médico do país. Doutora em medicina pela Universidade de São Paulo e psiquiatra da Associação Brasileira de Psiquiatria, Alexandrina Meleiro não culpa a profissão pelos seus transtornos, mas reconhece que a carreira é um gatilho para a saúde mental dos profissionais de saúde. É dela um dos poucos estudos brasileiros sobre o suicídio entre os médicos. Sua tese de doutorado, defendida em 1998, mostrou que o índice de autoextermínio entre a classe é cinco vezes maior do que na população geral. Dezesseis anos depois, segundo ela, nada mudou.
A mais recente pesquisa feita no país, em 2009, reforça o que Alexandrina defendeu na década de 1990. Levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) e do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) revelou que a população médica brasileira tem taxas de suicídio e tentativas superiores à da população geral. Além disso, o estudo mostrou um predomínio de mortes entre médicos homens na faixa de 70 a 90 anos, no período de 2000 a 2009. Entre as mulheres médicas, os óbitos preponderaram na faixa de 40 a 60 anos no mesmo período. “Hoje, nós, psiquiatras, trazemos esse problema à tona. Nossa preocupação sobre isso tem aumentado”, afirma a especialista, que diz não se tratar de um alarde, mas de uma estratégia para convencer os médicos a buscarem socorro. Por isso, foi realizada no fim de semana passado a I Jornada Brasileira de Saúde Mental dos Médicos, em Nova Lima, na Grande Belo Horizonte. “Existe a resistência por parte da população em aceitar que as pessoas nas quais confia sua saúde podem vir a ter doenças mentais”, afirma Alexandrina.
Neste segundo e último dia da série “O peso do jaleco”, o Estado de Minas aborda os transtornos mentais em médicos formados. Em 2004, trabalho feito na Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp) mostrou que entre homens e mulheres de branco ambos apresentam taxas similares de uso nocivo e dependência de substâncias psicotrópicas em relação à população geral. A incidência varia entre 8% e 14%. O estudo coletou dados de 198 médicos em tratamento ambulatorial por uso nocivo e dependência química.
A frequência de uso nocivo e dependência de opioides (anestésicos derivados da morfina) e benzodiazepínicos (conhecidos como tranquilizantes de tarja preta) é aproximadamente cinco vezes maior entre os médicos que na população geral. “Existe um pacto de silêncio. Não se comenta isso na medicina, o que é ruim. Se na sua família há um médico que abusa do álcool ou de remédios, os familiares não se preocupam, porque pensam que, por ele ser da classe médica, sabe se cuidar”, comenta o psiquiatra, professor da Faculdades de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e da USP José Raimundo Lippi. De acordo com ele, quando o médico chega a pedir ajuda, “está em estado deplorável. Ele já caminha para a angústia, não dorme direito e tem dores”. Ele se lembra de um colega que morreu de dengue recentemente. “Ele foi diagnosticado com a doença, mas não tomou providências com antecedência”, conta, frisando ser esse um exemplo da sensação de imortalidade desses profissionais.
SINAIS De acordo com o psiquiatra, há alguns sinais que são detectáveis para saber se um médico está ou não bem. “Os próprios colegas podem reparar isso. Atraso frequente no trabalho, faltas não justificadas, ressacas constantes e redução no desempenho no trabalho são alguns deles”, enumera, alertando os familiares para que fiquem atentos também. “Quem precisa de ajuda geralmente piora a qualidade de vida em família. Começam a aparecer sintomas físicos, a pessoa fica mais solitária e desaparece do hospital ou do consultório sem que ninguém saiba”, acrescenta.
Especialistas mais vulneráveis
Os profissionais médicos mais vulneráveis aos transtornos são os especialistas em anestesia, urgência e emergência e psiquiatria. “São profissionais que têm acesso mais fácil às drogas, lidam por muitas horas com a morte e com as doenças mentais”, comenta José Raimundo Lippi. Segundo o presidente da Sociedade de Anestesiologia de Minas Gerais, Jaci Custódio, hoje em dia o médico vive em constante estresse, por isso o “ fundo do poço”. Ele diz, ainda, que o quadro é agravado, por exemplo, no caso dos anestesistas, pelo baixo salário. “Em uma cirurgia de hérnia, o trabalhador ganha R$ 260 para duas horas de atuação. Além disso, temos um doente em nossas mãos e não temos o direito de errar. Somos piloto de avião. As pessoas entregam suas vidas para nós e estamos trabalhando em locais sem segurança alguma”, denuncia.
Custódio é anestesista e diz que sempre faz uma autoanálise. “Não posso me permitir ter depressão. Não aceito. Quando vejo algum sintoma, tento ficar bem. O álcool faz parte da vida nos fins de semana. Mas não tenho dependência. Buscar ajuda de um psiquiatra é uma ida sem volta”, critica. José Raimundo Lippi afirma que a depressão é a doença mental mais comum entre os médicos, inclusive entre os psiquiatras. “Todos são suscetíveis a patologias de ordem mental, principalmente aqueles que não se cuidam. É importante lembrar que o remédio cuida do sintoma, mas as causas precisam de atenção na psicoterapia. O médico pode ser um bom ‘receitador’, mas se não souber o que o cliente tem, não vai resolver o problema.” Por isso, para ele, a automedicação não deve ser vista como solução.
Para Alexandrina Meleiro, apesar de o autoextermínio envolver questões socioculturais, genéticas, psicodinâmicas, filosóficas, existenciais e ambientais, a doença mental é um fator de vulnerabilidade na quase totalidade dos casos. “O diagnóstico precoce e o tratamento correto da depressão (patologia mais encontrada nos suicídios) são uma das maneiras mais eficazes de prevenir o autoextermínio. O mesmo serve para a dependência de álcool e outras drogas.” Ela reconhece a resistência dos médicos em procurar ajuda psiquiátrica temendo serem estigmatizados. “Eles tentam primeiro automedicar-se ou fazer uma consulta informal com algum colega. Só procuram ajuda adequada quando a situação se torna insustentável.”
VIOLÊNCIA De acordo com o diretor de comunicação do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais e médico da família André Christiano, muitas são as queixas da categoria. “Além da alta carga de trabalho e baixa remuneração, há, ainda, muitos profissionais sendo vítimas da violência de pacientes. Agressões físicas e verbais”, diz. Christiano acrescenta que são muitos os médicos que usam os medicamentos como forma de camuflar o problema. “Isso nos preocupa bastante. Tem havido muito afastamento do emprego por causa de saúde. No ano passado, soubemos que os médicos eram os que mais se afastaram do trabalho na capital, passando até mesmo os professores”, compara.
DROGAS ENTRE MÉDICOS
Principais substâncias mais consumidas entre 198 médicos. Os dados são de um estudo feito em 2004, na Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Escola Paulista de Medicina (Unifesp), intitulado Perfil clínico e demográfico de médicos com dependência química.
Álcool
» Dependência: 97 casos – 48,8%
» Uso nocivo: 47 casos – 23,7%
» Total: 144 casos – 72,7%
Cocaína
» Dependência: 42 casos – 21,2%
» Uso nocivo: 21 casos – 10, 2%
» Total: 63 casos – 31,8%
Benzodiazepínicos (BZD)
» Dependência: 31 casos – 15,6%
» Uso nocivo: 25 casos – 12,6%
» Total: 56 casos – 28,2%
Opiáceos (morfina)
» Dependência: 45 casos – 22,7%
» Uso nocivo: 8 casos – 4%
» Total: 53 casos – 26,7%
Luciane Evans
Estado de Minas: 31/03/2014
Psiquiatra Alexandrina Meleiro diz que estresse na carreira de medicina é gatilho para a saúde mental dos profissionais |
“Minha primeira depressão foi durante o quarto ano de medicina. Além dela, tenho transtorno bipolar. Meu quadro depressivo já foi tão grave que pensaram no tratamento com eletrochoque. O momento mais crítico foi quando fiquei afastada do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). Já pensei em me matar, mas sempre me cuidei. Tive câncer de intestino também. Hoje, estou curada. Tenho terapeuta, tomo meus remédios e, quando não estou bem, cancelo todos os meus pacientes.”
O depoimento é de uma das psiquiatras mais reconhecidas e respeitadas no meio médico do país. Doutora em medicina pela Universidade de São Paulo e psiquiatra da Associação Brasileira de Psiquiatria, Alexandrina Meleiro não culpa a profissão pelos seus transtornos, mas reconhece que a carreira é um gatilho para a saúde mental dos profissionais de saúde. É dela um dos poucos estudos brasileiros sobre o suicídio entre os médicos. Sua tese de doutorado, defendida em 1998, mostrou que o índice de autoextermínio entre a classe é cinco vezes maior do que na população geral. Dezesseis anos depois, segundo ela, nada mudou.
A mais recente pesquisa feita no país, em 2009, reforça o que Alexandrina defendeu na década de 1990. Levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) e do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) revelou que a população médica brasileira tem taxas de suicídio e tentativas superiores à da população geral. Além disso, o estudo mostrou um predomínio de mortes entre médicos homens na faixa de 70 a 90 anos, no período de 2000 a 2009. Entre as mulheres médicas, os óbitos preponderaram na faixa de 40 a 60 anos no mesmo período. “Hoje, nós, psiquiatras, trazemos esse problema à tona. Nossa preocupação sobre isso tem aumentado”, afirma a especialista, que diz não se tratar de um alarde, mas de uma estratégia para convencer os médicos a buscarem socorro. Por isso, foi realizada no fim de semana passado a I Jornada Brasileira de Saúde Mental dos Médicos, em Nova Lima, na Grande Belo Horizonte. “Existe a resistência por parte da população em aceitar que as pessoas nas quais confia sua saúde podem vir a ter doenças mentais”, afirma Alexandrina.
Neste segundo e último dia da série “O peso do jaleco”, o Estado de Minas aborda os transtornos mentais em médicos formados. Em 2004, trabalho feito na Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp) mostrou que entre homens e mulheres de branco ambos apresentam taxas similares de uso nocivo e dependência de substâncias psicotrópicas em relação à população geral. A incidência varia entre 8% e 14%. O estudo coletou dados de 198 médicos em tratamento ambulatorial por uso nocivo e dependência química.
A frequência de uso nocivo e dependência de opioides (anestésicos derivados da morfina) e benzodiazepínicos (conhecidos como tranquilizantes de tarja preta) é aproximadamente cinco vezes maior entre os médicos que na população geral. “Existe um pacto de silêncio. Não se comenta isso na medicina, o que é ruim. Se na sua família há um médico que abusa do álcool ou de remédios, os familiares não se preocupam, porque pensam que, por ele ser da classe médica, sabe se cuidar”, comenta o psiquiatra, professor da Faculdades de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e da USP José Raimundo Lippi. De acordo com ele, quando o médico chega a pedir ajuda, “está em estado deplorável. Ele já caminha para a angústia, não dorme direito e tem dores”. Ele se lembra de um colega que morreu de dengue recentemente. “Ele foi diagnosticado com a doença, mas não tomou providências com antecedência”, conta, frisando ser esse um exemplo da sensação de imortalidade desses profissionais.
SINAIS De acordo com o psiquiatra, há alguns sinais que são detectáveis para saber se um médico está ou não bem. “Os próprios colegas podem reparar isso. Atraso frequente no trabalho, faltas não justificadas, ressacas constantes e redução no desempenho no trabalho são alguns deles”, enumera, alertando os familiares para que fiquem atentos também. “Quem precisa de ajuda geralmente piora a qualidade de vida em família. Começam a aparecer sintomas físicos, a pessoa fica mais solitária e desaparece do hospital ou do consultório sem que ninguém saiba”, acrescenta.
Especialistas mais vulneráveis
Os profissionais médicos mais vulneráveis aos transtornos são os especialistas em anestesia, urgência e emergência e psiquiatria. “São profissionais que têm acesso mais fácil às drogas, lidam por muitas horas com a morte e com as doenças mentais”, comenta José Raimundo Lippi. Segundo o presidente da Sociedade de Anestesiologia de Minas Gerais, Jaci Custódio, hoje em dia o médico vive em constante estresse, por isso o “ fundo do poço”. Ele diz, ainda, que o quadro é agravado, por exemplo, no caso dos anestesistas, pelo baixo salário. “Em uma cirurgia de hérnia, o trabalhador ganha R$ 260 para duas horas de atuação. Além disso, temos um doente em nossas mãos e não temos o direito de errar. Somos piloto de avião. As pessoas entregam suas vidas para nós e estamos trabalhando em locais sem segurança alguma”, denuncia.
Custódio é anestesista e diz que sempre faz uma autoanálise. “Não posso me permitir ter depressão. Não aceito. Quando vejo algum sintoma, tento ficar bem. O álcool faz parte da vida nos fins de semana. Mas não tenho dependência. Buscar ajuda de um psiquiatra é uma ida sem volta”, critica. José Raimundo Lippi afirma que a depressão é a doença mental mais comum entre os médicos, inclusive entre os psiquiatras. “Todos são suscetíveis a patologias de ordem mental, principalmente aqueles que não se cuidam. É importante lembrar que o remédio cuida do sintoma, mas as causas precisam de atenção na psicoterapia. O médico pode ser um bom ‘receitador’, mas se não souber o que o cliente tem, não vai resolver o problema.” Por isso, para ele, a automedicação não deve ser vista como solução.
Para Alexandrina Meleiro, apesar de o autoextermínio envolver questões socioculturais, genéticas, psicodinâmicas, filosóficas, existenciais e ambientais, a doença mental é um fator de vulnerabilidade na quase totalidade dos casos. “O diagnóstico precoce e o tratamento correto da depressão (patologia mais encontrada nos suicídios) são uma das maneiras mais eficazes de prevenir o autoextermínio. O mesmo serve para a dependência de álcool e outras drogas.” Ela reconhece a resistência dos médicos em procurar ajuda psiquiátrica temendo serem estigmatizados. “Eles tentam primeiro automedicar-se ou fazer uma consulta informal com algum colega. Só procuram ajuda adequada quando a situação se torna insustentável.”
VIOLÊNCIA De acordo com o diretor de comunicação do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais e médico da família André Christiano, muitas são as queixas da categoria. “Além da alta carga de trabalho e baixa remuneração, há, ainda, muitos profissionais sendo vítimas da violência de pacientes. Agressões físicas e verbais”, diz. Christiano acrescenta que são muitos os médicos que usam os medicamentos como forma de camuflar o problema. “Isso nos preocupa bastante. Tem havido muito afastamento do emprego por causa de saúde. No ano passado, soubemos que os médicos eram os que mais se afastaram do trabalho na capital, passando até mesmo os professores”, compara.
DEPOIMENTO
“Procurei ajuda quando ainda era estudante de medicina. Tinha dificuldade em dormir e não me relacionava com o sexo oposto. Meu transtorno teve a ver com o abuso sexual que sofri quando criança. Procurei tratamento. Quando me tornei médica, abusava do álcool para relaxar. Acho que poderia ter sido uma aluna melhor no meu curso, mas fui mediana.”
V.F.G, de 33 anos, cardiologista
“Procurei ajuda quando ainda era estudante de medicina. Tinha dificuldade em dormir e não me relacionava com o sexo oposto. Meu transtorno teve a ver com o abuso sexual que sofri quando criança. Procurei tratamento. Quando me tornei médica, abusava do álcool para relaxar. Acho que poderia ter sido uma aluna melhor no meu curso, mas fui mediana.”
V.F.G, de 33 anos, cardiologista
DROGAS ENTRE MÉDICOS
Principais substâncias mais consumidas entre 198 médicos. Os dados são de um estudo feito em 2004, na Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Escola Paulista de Medicina (Unifesp), intitulado Perfil clínico e demográfico de médicos com dependência química.
Álcool
» Dependência: 97 casos – 48,8%
» Uso nocivo: 47 casos – 23,7%
» Total: 144 casos – 72,7%
Cocaína
» Dependência: 42 casos – 21,2%
» Uso nocivo: 21 casos – 10, 2%
» Total: 63 casos – 31,8%
Benzodiazepínicos (BZD)
» Dependência: 31 casos – 15,6%
» Uso nocivo: 25 casos – 12,6%
» Total: 56 casos – 28,2%
Opiáceos (morfina)
» Dependência: 45 casos – 22,7%
» Uso nocivo: 8 casos – 4%
» Total: 53 casos – 26,7%
domingo, 30 de março de 2014
MARTHA MEDEIROS - Mulheres cabeludas
Zero Hora - 30/03/2014
Deixe os pelos do corpo crescerem e aparecerem, e ao inferno com o que os outros pensam. Esse é o slogan do movimento Hairy Awarey, que aqui no Brasil ganhou o nome de Peludas Conscientes. Mulheres no mundo todo estão lutando pelo direito de deixarem as axilas cabeludas, assim como as pernas e provavelmente o bigode, por que não? Madonna semana passada postou numa rede social uma foto com o braço levantado mostrando que é adepta.
“Lutar pelo direito” é força de expressão, pois esse direito existe, ninguém vai presa por não se depilar. Mas lá se vai uma das poucas diferenças que ainda tínhamos com os homens.
Eu sei, eu sei que depilação com cera é uma tortura. Mas se a mulher não tem tempo, dinheiro ou vontade de ir a um salão periodicamente para se submeter ao procedimento, então que use uma lâmina de barbear durante o banho e zás! Elimine os pelinhos das pernocas e das axilas. Todo dia, da mesma forma que usamos xampu e sabonete. Depois é só enxugar, passar um hidratante e fim de drama. Ou então busque outra solução: há tantos cremes depilatórios vendidos em farmácias e supermercados. Sem falar na revolucionária pinça.
Eu sei, eu sei que a mídia é a culpada de tudo que nos acontece. É culpada de não mergulharmos num tonel de chocolate como gostaríamos, é culpada de fazer a gente acordar cedo para praticar exercícios, é culpada das centenas de escovas para alisamento, é culpada até de termos nascido, se bobear. Mas devagar com a carruagem, princesas. Se por um lado é realmente esquizofrênica essa busca pelo padrão de beleza photoshop, há que se concordar que o estímulo à vaidade nem sempre é predador. Buscar a feminilidade não nos torna submissas, escravas, reféns, nem nada que faça retroceder as conquistas estimuladas por Simone de Beauvoir e turma. Ser feminina é um prazer. Não precisamos nos igualar aos homens em todos os quesitos. Ando por aqui com essa história de igualdade, igualdade, igualdade. Quando começa a virar fanatismo, boa coisa não vem.
Aproveitando a deixa: meninos, vocês sim, mantenham-se peludos, por favor. Nadadores se depilam porque precisam eliminar décimos de segundos de seus recordes, mas vocês não irão competir por uma medalha de ouro nas próximas Olimpíadas, até onde sei. Então sosseguem. Esse sofrimento é nosso, vocês têm o de vocês: queda de cabelo, exame de próstata, expectativa de vida menor. Cada um com a sua dor.
Eu sei, eu sei que a liberdade da mulher é um valor a ser defendido com unhas e dentes. Mas com unhas feitas e dentes escovados, de preferência, e sem pelos distribuídos pelo corpo. Ninguém disse que para sermos livres teríamos que voltar para a selva.
Deixe os pelos do corpo crescerem e aparecerem, e ao inferno com o que os outros pensam. Esse é o slogan do movimento Hairy Awarey, que aqui no Brasil ganhou o nome de Peludas Conscientes. Mulheres no mundo todo estão lutando pelo direito de deixarem as axilas cabeludas, assim como as pernas e provavelmente o bigode, por que não? Madonna semana passada postou numa rede social uma foto com o braço levantado mostrando que é adepta.
“Lutar pelo direito” é força de expressão, pois esse direito existe, ninguém vai presa por não se depilar. Mas lá se vai uma das poucas diferenças que ainda tínhamos com os homens.
Eu sei, eu sei que depilação com cera é uma tortura. Mas se a mulher não tem tempo, dinheiro ou vontade de ir a um salão periodicamente para se submeter ao procedimento, então que use uma lâmina de barbear durante o banho e zás! Elimine os pelinhos das pernocas e das axilas. Todo dia, da mesma forma que usamos xampu e sabonete. Depois é só enxugar, passar um hidratante e fim de drama. Ou então busque outra solução: há tantos cremes depilatórios vendidos em farmácias e supermercados. Sem falar na revolucionária pinça.
Eu sei, eu sei que a mídia é a culpada de tudo que nos acontece. É culpada de não mergulharmos num tonel de chocolate como gostaríamos, é culpada de fazer a gente acordar cedo para praticar exercícios, é culpada das centenas de escovas para alisamento, é culpada até de termos nascido, se bobear. Mas devagar com a carruagem, princesas. Se por um lado é realmente esquizofrênica essa busca pelo padrão de beleza photoshop, há que se concordar que o estímulo à vaidade nem sempre é predador. Buscar a feminilidade não nos torna submissas, escravas, reféns, nem nada que faça retroceder as conquistas estimuladas por Simone de Beauvoir e turma. Ser feminina é um prazer. Não precisamos nos igualar aos homens em todos os quesitos. Ando por aqui com essa história de igualdade, igualdade, igualdade. Quando começa a virar fanatismo, boa coisa não vem.
Aproveitando a deixa: meninos, vocês sim, mantenham-se peludos, por favor. Nadadores se depilam porque precisam eliminar décimos de segundos de seus recordes, mas vocês não irão competir por uma medalha de ouro nas próximas Olimpíadas, até onde sei. Então sosseguem. Esse sofrimento é nosso, vocês têm o de vocês: queda de cabelo, exame de próstata, expectativa de vida menor. Cada um com a sua dor.
Eu sei, eu sei que a liberdade da mulher é um valor a ser defendido com unhas e dentes. Mas com unhas feitas e dentes escovados, de preferência, e sem pelos distribuídos pelo corpo. Ninguém disse que para sermos livres teríamos que voltar para a selva.
AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Onde estavas em 1964?
AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA »
Onde estavas em 1964?
Notei uma movimentação estranha nos arredores daquele quartel
Notei uma movimentação estranha nos arredores daquele quartel
Estado de MInas: 30/03/2014
Eu estava em Belo
Horizonte. Dava aulas na Faculdade de Filosofia, lá na Rua Carangola e
também no Colegio Estadual. Morava em Santa Efigênia, na casa de minha
madrinha Elza de Moura, a um quarteirão do quartel da Polícia Militar.
Antes de 31 março, notei uma movimentação estranha nos arredores daquele quartel. Botaram barreiras defensivas e, se não estou inventando, sacos de areia. A gasolina dos postos já havia sido confiscada pelo governo estadual.
No Rio de Janeiro, os ingênuos não sabiam de nada. Continuavam a achar que o governo desgovernado de João Goulart seria um marco histórico. Foi um marco histórico, ao contrário, Jango, desbussolado, era mal-assessorado. Tentou ignorar os parâmetros da Guerra Fria e se deu mal. Os EUA não estavam brincando. Não deixariam a experiência cubana se repetir. Como quem se joga no precipício, Jango apostou tudo em reformas caóticas: reforma rural, reforma urbana, nacionalizações etc. Não podia dar certo.
No dia 31 de março, assisti ao Jornal nacional na casa de um amigo. Quanto foi lida a proclamação revoltosa de Olímpio Mourão, comandante da 4ª Região Militar, meu amigo vaticinou: “O governo Jango acabou!”. Fiquei pasmo. Será? Eu havia ouvido o discurso de Jango naquele 13 de março na Central do Brasil e ingenuamente me dizia: “Que coragem! Isso é um estadista!”. Era jovem e fiquei ainda mais perplexo quando o professor Rodrigues Lapa, que havia fugido da ditadura de Salazar e com quem eu trabalhava, me disse lacônico no Hotel Financial, onde ele morava: “Esse governo militar vai durar 20 anos… Preparem-se”. Ele sabia das coisas.
Começaram a ocorrer as prisões. Começaram a circular as listas de pessoas procuradas, que deveriam depor e serem afastadas. O general Guedes da ID-4 era uma espécie de governador. Magalhães Pinto virou uma espécie de presidente, nomeou um secretariado com peso de ministério, estava pronto a resistir. Ele sabia que uma frota de marines americanos se aproximava de nossas praias.
Colegas que apoiavam a revolução/ou golpe andavam com braçadeiras amarelas e verdes. E isso lhes dava um poder inquisitorial. Por precaução, eu havia queimado uma porção de revistas de propaganda cubana e algum material que a União Nacional dos Estudantes (UNE) usava, como se a revolução de esquerda fosse uma fatalidade histórica. Eu havia fundado o Centro Popular de Cultura do Diretório Central do Estudantes (DCE) de BH, publicado poemas no Violão de rua. Não pertencia a nenhum partido. A experiência religiosa na adolescência havia me vacinado contra partidos políticos, outra forma de religião. Mesmo assim, quanto tentei sair do país naquele ano para lecionar na Califórnia, o Dops me informou que isto era impossível, porque eu era “comunista sem qualificação”. Ou seja, não sabiam onde me encaixar. Passei, portanto, de “inocente útil” para “inocente inútil”.
Na noite do dia 31, estava na redação do Correio de Minas, ali na Avenida Paraná, ao lado do Gabeira, Ivan Ângelo e outros. Ouvimos pelo rádio que Ademar de Barros e o general Kruel, do 2º Exército, haviam aderido ao golpe/revolução. No Recife, prenderam Miguel Arraes. Pensava-se que o 3º Exército de Porto Alegre apoiaria Jango.
Quando o jornal fechou tarde da noite (já não sei se era 31 de março ou 1º de abril), perplexos, passamos pela Praça da Liberdade. Magalhães Pinto estava na sacada. Havia fogos de artifício, champanhe, festa e comemorações. Um outro país, que desconhecíamos, havia saído vitorioso. Eles aprenderiam mais tarde, como os derrotados de agora, que não se pode governar só com uma parte do povo. Muitos estavam enganados sobre o que era povo e o que era história.
Começava então um tenebroso caminho, onde esquerda e direita se entredevoravam ferozmente. Houve erros de lado a lado. Cinquenta anos se passaram. Será necessário que toda essa geração desapareça para que se possa fazer outro juízo dessa tragédia brasileira. Os atores envolvidos, quando muito, dão seu depoimento. Lendo o que dizem, vejo como a imaginação é poderosa, inventa-se muito. A história nada mais é, às vezes, que o choque de fiçções em combate.
A situação não era nada boa. E foi piorando, piorando cada vez mais.
Antes de 31 março, notei uma movimentação estranha nos arredores daquele quartel. Botaram barreiras defensivas e, se não estou inventando, sacos de areia. A gasolina dos postos já havia sido confiscada pelo governo estadual.
No Rio de Janeiro, os ingênuos não sabiam de nada. Continuavam a achar que o governo desgovernado de João Goulart seria um marco histórico. Foi um marco histórico, ao contrário, Jango, desbussolado, era mal-assessorado. Tentou ignorar os parâmetros da Guerra Fria e se deu mal. Os EUA não estavam brincando. Não deixariam a experiência cubana se repetir. Como quem se joga no precipício, Jango apostou tudo em reformas caóticas: reforma rural, reforma urbana, nacionalizações etc. Não podia dar certo.
No dia 31 de março, assisti ao Jornal nacional na casa de um amigo. Quanto foi lida a proclamação revoltosa de Olímpio Mourão, comandante da 4ª Região Militar, meu amigo vaticinou: “O governo Jango acabou!”. Fiquei pasmo. Será? Eu havia ouvido o discurso de Jango naquele 13 de março na Central do Brasil e ingenuamente me dizia: “Que coragem! Isso é um estadista!”. Era jovem e fiquei ainda mais perplexo quando o professor Rodrigues Lapa, que havia fugido da ditadura de Salazar e com quem eu trabalhava, me disse lacônico no Hotel Financial, onde ele morava: “Esse governo militar vai durar 20 anos… Preparem-se”. Ele sabia das coisas.
Começaram a ocorrer as prisões. Começaram a circular as listas de pessoas procuradas, que deveriam depor e serem afastadas. O general Guedes da ID-4 era uma espécie de governador. Magalhães Pinto virou uma espécie de presidente, nomeou um secretariado com peso de ministério, estava pronto a resistir. Ele sabia que uma frota de marines americanos se aproximava de nossas praias.
Colegas que apoiavam a revolução/ou golpe andavam com braçadeiras amarelas e verdes. E isso lhes dava um poder inquisitorial. Por precaução, eu havia queimado uma porção de revistas de propaganda cubana e algum material que a União Nacional dos Estudantes (UNE) usava, como se a revolução de esquerda fosse uma fatalidade histórica. Eu havia fundado o Centro Popular de Cultura do Diretório Central do Estudantes (DCE) de BH, publicado poemas no Violão de rua. Não pertencia a nenhum partido. A experiência religiosa na adolescência havia me vacinado contra partidos políticos, outra forma de religião. Mesmo assim, quanto tentei sair do país naquele ano para lecionar na Califórnia, o Dops me informou que isto era impossível, porque eu era “comunista sem qualificação”. Ou seja, não sabiam onde me encaixar. Passei, portanto, de “inocente útil” para “inocente inútil”.
Na noite do dia 31, estava na redação do Correio de Minas, ali na Avenida Paraná, ao lado do Gabeira, Ivan Ângelo e outros. Ouvimos pelo rádio que Ademar de Barros e o general Kruel, do 2º Exército, haviam aderido ao golpe/revolução. No Recife, prenderam Miguel Arraes. Pensava-se que o 3º Exército de Porto Alegre apoiaria Jango.
Quando o jornal fechou tarde da noite (já não sei se era 31 de março ou 1º de abril), perplexos, passamos pela Praça da Liberdade. Magalhães Pinto estava na sacada. Havia fogos de artifício, champanhe, festa e comemorações. Um outro país, que desconhecíamos, havia saído vitorioso. Eles aprenderiam mais tarde, como os derrotados de agora, que não se pode governar só com uma parte do povo. Muitos estavam enganados sobre o que era povo e o que era história.
Começava então um tenebroso caminho, onde esquerda e direita se entredevoravam ferozmente. Houve erros de lado a lado. Cinquenta anos se passaram. Será necessário que toda essa geração desapareça para que se possa fazer outro juízo dessa tragédia brasileira. Os atores envolvidos, quando muito, dão seu depoimento. Lendo o que dizem, vejo como a imaginação é poderosa, inventa-se muito. A história nada mais é, às vezes, que o choque de fiçções em combate.
A situação não era nada boa. E foi piorando, piorando cada vez mais.
Tereza Cruvinel - Todos os crimes
Tereza Cruvinel - Todos os crimes
Nos 50 anos do golpe, é preciso dizer que houve aqui uma ditadura que censurou, torturou e matou
Estado de Minas: 30/03/2014
O que vale celebrar, na passagem dos 50 anos do golpe civil-militar, é a superação dos 21 anos de horror e trevas por 29 anos de democracia contínua, que permitiram a realização, sem sobressaltos, de algumas das reformas que assustaram, em 1964, o conservantismo brasileiro, disposto a qualquer pacto para garantir seus privilégios. Entre elas, o voto dos analfabetos, o acesso universal ao ensino e uma distribuição menos desigual da renda. Mas a hora é de recordar para não esquecer, para que não sejam esquecidos os que foram sacrificados e para que não vinguem as narrativas que tentam relativizar os fatos. É preciso dizer que houve aqui uma ditadura que violou o Estado de direito, cometeu crimes contra a humanidade, censurou, torturou e matou.
É preciso dizer isso especialmente aos mais de 90 milhões de brasileiros nascidos depois de 1985. Eles vêm sendo impregnados pelas narrativas relativizantes, como a de que se não tivesse havido o golpe de direita, haveria o de esquerda. Ou a de que Jango foi deposto porque teria dado uma “guinada esquerdista” nos idos de março, por conta de reformas que buscavam apenas tirar o país da Idade Média, de uma exclusão com resquícios de escravidão. O golpe estava em marcha desde o veto à sua posse, em 1961, com decidido apoio americano. Tornou-se também corrente dizer que as violências do regime foram respostas à violência do outro lado. O movimento inicial partiu dos golpistas, mesmo não tendo havida reação à tomada do poder. Depuseram o presidente constitucionalmente eleito com a ajuda de uma potência que apenas defendia seus interesses econômicos e suas posições na Guerra Fria. E não foram somente os militares, mas também a direita civil. Na madrugada de 2 de abril, a grande maioria do Congresso apoiou a decisão de Moura Andrade, de declarar vaga a Presidência e dar posse a Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara. Tancredo Neves o chamou de canalha. Rogê Ferreira lhe cuspiu na cara três vezes. Gestos inúteis, estava tudo acabado. Jango voava para o Sul e lá não teve condições de resistir. Dez dias depois, o primeiro general, Castelo Branco, foi eleito com 361 votos e 72 abstenções. Do PSD, apenas Tancredo não votou. O Congresso pagaria caro pelo golpismo. Foi fechado, vilipendiado, teve muitos de seus membros cassados, seus poderes manietados.
Nas primeiras horas do golpe incendiaram o prédio da UNE, atiraram contra uma multidão na Cinelândia, depuseram Miguel Arraes e arrastaram Gregorio Bezerra pelas ruas do Recife, com uma corda no pescoço e os pés imersos em solução de bateria de carro até ficarem em carne viva. Depois do golpe, a violência produziu o inventário de crimes de cada governo militar, segundo o projeto Brasil: Nunca Mais.
O relativismo tenta dizer ao futuro que “houve excesso dos dois lados”. A conta das brutalidades já era enorme quando, a partir de 1968, com todos os caminhos de resistência fechados, algumas organizações de esquerda, quase todas costelas do PCB, que persistiu na resistência legal e pacífica na política, partiram para a luta armada. Nela, muitos perderam a vida. O direito internacional reconhece como legítima a luta armada contra a opressão, mas isso nem vem ao caso. Indiscutível é a desproporção e a brutalidade da repressão. Nem foi só contra a luta armada que o regime mostrou sua falta de limites e sua índole criminosa, e disso falam, emblematicamente, as mortes de Vladimir Herzog e Rubens Paiva. Ou o trucidamento de boa parte da alta direção do PCB.
Independentemente da organização em que militaram, é hora de recordar os crimes mais bárbaros da ditadura, os assassinatos e as torturas abomináveis cometidos em suas masmorras por agentes do Estado. Eles não serão alcançados pela Justiça, por conta da Lei de Anistia recíproca, mas precisam passar pelo menos pela execração pública, como começa a ocorrer graças ao trabalho da Comissão da Verdade. Recordar Stuart Angel Jones, que foi arrastado com a boca amarrada ao cano de descarga de um jipe. Depois de sua agonia e morte, segundo relatos de outro preso, Alex Polari, desapareceu para sempre. Mário Alves morreu depois de espancado e empalado com um cassetete dentado. Chael Charles Schreier morreu brutalmente torturado pelo tenente Lauria e o capitão Aílton Guimarães.
A versão oficial entregue aos pais foi a de que ele tivera um ataque cardíaco. Aurora Furtado reagiu à tentativa de prisão e matou um policial. A vingança foi terrível. Torturada na Invernada de Olaria, morreu quando lhe aplicaram a “coroa de Cristo”, torniquete que lhe foi afundando lentamente o crânio. Eduardo Leite, o Bacuri, soube que o matariam quando, já muito torturado, com a pele toda queimada, deram-lhe para ler a notícia plantada num jornal, segundo a qual ele fugira e desaparecera quando levado para reconhecer o corpo de um companheiro. Desapareceu mesmo, mas de outro modo. Davi Capistrano, do PCB, foi preso ao voltar de viagem e desapareceu para sempre.
É preciso lembrar que os guerrilheiros do Araguaia foram todos mortos como cães, mesmo depois de rendidos. O corpo de Oswaldão foi dependurado a um helicóptero e exibido à população. O de Bergson Gurjão foi pendurado numa árvore, chutado e cuspido pelos soldados. Lamarca e Zequinha, famintos e debilitados, descansavam sob uma baraúna quando foram metralhados. Carlos Marighela, líder da ALN, foi emboscado por Fleury e varado de balas numa travessa paulistana. Seu sucessor, Joaquim Camara Ferreira, tambem foi preso pelo mesmo delegado e levado a um sítio, onde não resistiu à tortura. Os que não morreram puderam contar o inferno por que passaram na tortura. Entre eles, Dilma Rousseff e Inês Etienne Romeu — graças a quem soubemos que existiu a Casa da Morte, de onde só ela saiu viva. Por isso e muito mais, não podemos falar só do golpe, mas do que veio depois, com seu verdadeiro nome.
Nos 50 anos do golpe, é preciso dizer que houve aqui uma ditadura que censurou, torturou e matou
Estado de Minas: 30/03/2014
O que vale celebrar, na passagem dos 50 anos do golpe civil-militar, é a superação dos 21 anos de horror e trevas por 29 anos de democracia contínua, que permitiram a realização, sem sobressaltos, de algumas das reformas que assustaram, em 1964, o conservantismo brasileiro, disposto a qualquer pacto para garantir seus privilégios. Entre elas, o voto dos analfabetos, o acesso universal ao ensino e uma distribuição menos desigual da renda. Mas a hora é de recordar para não esquecer, para que não sejam esquecidos os que foram sacrificados e para que não vinguem as narrativas que tentam relativizar os fatos. É preciso dizer que houve aqui uma ditadura que violou o Estado de direito, cometeu crimes contra a humanidade, censurou, torturou e matou.
É preciso dizer isso especialmente aos mais de 90 milhões de brasileiros nascidos depois de 1985. Eles vêm sendo impregnados pelas narrativas relativizantes, como a de que se não tivesse havido o golpe de direita, haveria o de esquerda. Ou a de que Jango foi deposto porque teria dado uma “guinada esquerdista” nos idos de março, por conta de reformas que buscavam apenas tirar o país da Idade Média, de uma exclusão com resquícios de escravidão. O golpe estava em marcha desde o veto à sua posse, em 1961, com decidido apoio americano. Tornou-se também corrente dizer que as violências do regime foram respostas à violência do outro lado. O movimento inicial partiu dos golpistas, mesmo não tendo havida reação à tomada do poder. Depuseram o presidente constitucionalmente eleito com a ajuda de uma potência que apenas defendia seus interesses econômicos e suas posições na Guerra Fria. E não foram somente os militares, mas também a direita civil. Na madrugada de 2 de abril, a grande maioria do Congresso apoiou a decisão de Moura Andrade, de declarar vaga a Presidência e dar posse a Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara. Tancredo Neves o chamou de canalha. Rogê Ferreira lhe cuspiu na cara três vezes. Gestos inúteis, estava tudo acabado. Jango voava para o Sul e lá não teve condições de resistir. Dez dias depois, o primeiro general, Castelo Branco, foi eleito com 361 votos e 72 abstenções. Do PSD, apenas Tancredo não votou. O Congresso pagaria caro pelo golpismo. Foi fechado, vilipendiado, teve muitos de seus membros cassados, seus poderes manietados.
Nas primeiras horas do golpe incendiaram o prédio da UNE, atiraram contra uma multidão na Cinelândia, depuseram Miguel Arraes e arrastaram Gregorio Bezerra pelas ruas do Recife, com uma corda no pescoço e os pés imersos em solução de bateria de carro até ficarem em carne viva. Depois do golpe, a violência produziu o inventário de crimes de cada governo militar, segundo o projeto Brasil: Nunca Mais.
O relativismo tenta dizer ao futuro que “houve excesso dos dois lados”. A conta das brutalidades já era enorme quando, a partir de 1968, com todos os caminhos de resistência fechados, algumas organizações de esquerda, quase todas costelas do PCB, que persistiu na resistência legal e pacífica na política, partiram para a luta armada. Nela, muitos perderam a vida. O direito internacional reconhece como legítima a luta armada contra a opressão, mas isso nem vem ao caso. Indiscutível é a desproporção e a brutalidade da repressão. Nem foi só contra a luta armada que o regime mostrou sua falta de limites e sua índole criminosa, e disso falam, emblematicamente, as mortes de Vladimir Herzog e Rubens Paiva. Ou o trucidamento de boa parte da alta direção do PCB.
Independentemente da organização em que militaram, é hora de recordar os crimes mais bárbaros da ditadura, os assassinatos e as torturas abomináveis cometidos em suas masmorras por agentes do Estado. Eles não serão alcançados pela Justiça, por conta da Lei de Anistia recíproca, mas precisam passar pelo menos pela execração pública, como começa a ocorrer graças ao trabalho da Comissão da Verdade. Recordar Stuart Angel Jones, que foi arrastado com a boca amarrada ao cano de descarga de um jipe. Depois de sua agonia e morte, segundo relatos de outro preso, Alex Polari, desapareceu para sempre. Mário Alves morreu depois de espancado e empalado com um cassetete dentado. Chael Charles Schreier morreu brutalmente torturado pelo tenente Lauria e o capitão Aílton Guimarães.
A versão oficial entregue aos pais foi a de que ele tivera um ataque cardíaco. Aurora Furtado reagiu à tentativa de prisão e matou um policial. A vingança foi terrível. Torturada na Invernada de Olaria, morreu quando lhe aplicaram a “coroa de Cristo”, torniquete que lhe foi afundando lentamente o crânio. Eduardo Leite, o Bacuri, soube que o matariam quando, já muito torturado, com a pele toda queimada, deram-lhe para ler a notícia plantada num jornal, segundo a qual ele fugira e desaparecera quando levado para reconhecer o corpo de um companheiro. Desapareceu mesmo, mas de outro modo. Davi Capistrano, do PCB, foi preso ao voltar de viagem e desapareceu para sempre.
É preciso lembrar que os guerrilheiros do Araguaia foram todos mortos como cães, mesmo depois de rendidos. O corpo de Oswaldão foi dependurado a um helicóptero e exibido à população. O de Bergson Gurjão foi pendurado numa árvore, chutado e cuspido pelos soldados. Lamarca e Zequinha, famintos e debilitados, descansavam sob uma baraúna quando foram metralhados. Carlos Marighela, líder da ALN, foi emboscado por Fleury e varado de balas numa travessa paulistana. Seu sucessor, Joaquim Camara Ferreira, tambem foi preso pelo mesmo delegado e levado a um sítio, onde não resistiu à tortura. Os que não morreram puderam contar o inferno por que passaram na tortura. Entre eles, Dilma Rousseff e Inês Etienne Romeu — graças a quem soubemos que existiu a Casa da Morte, de onde só ela saiu viva. Por isso e muito mais, não podemos falar só do golpe, mas do que veio depois, com seu verdadeiro nome.
EM DIA COM A PSICANÁLISE » O amor que a gente inventa
Ela, de Spike Jonze, toca
em aspectos importantes
do amor e do desejo
Regina Teixeira da Costa
Estado de Minas: 30/03/2014
Regina Teixeira da Costa
Estado de Minas: 30/03/2014
Por mais que
falemos de amor, ainda assim faltam-nos palavras para descrevê-lo. Este é
o provável motivo para continuarmos sempre falando dele. Relançamos
frequentemente nossas inquietações a respeito do amor.
No teatro, na poesia, na literatura, no cinema, na vida, tudo gira em torno do amor e das nossas relações. É um dos motivos constantes das nossas vidas de humanos. De que é feito o amor? Seria ele real ou uma ficção de cada um?
As mulheres são as mais propensas a falar de amor. Precisam ser desejadas. Querem falar de amor enquanto eles querem fazer. É próprio do feminino amar o amor. O homem faz a mulher a sua maneira. Deseja um suporte para sua fantasia e não precisa de tantas palavras.
Definir o feminino é impossível. Ele guarda mistérios. Gira sinuoso em torno de nós e escapa a cada palavra definitiva que pretenda capturar seu sentido pleno. Ninguém respondeu à questão: o que quer, ou o que é uma mulher?
O encontro, portanto, entre o homem e a mulher é o encontro de diferenças. Lacan dizia que entre um homem e uma mulher existia um “a-muro”. Criamos nossos romances particulares fantasiando sobre o outro como depositário de nossa expectativa, revestido e portador de tudo que ansiamos. Por um tempo se sustenta a felicidade.
O tempo trata de desmentir o par perfeito e faz ver a diferença entre desejos que jamais serão um. Mas não importa. Queremos amar e ser amadas. Queremos nos apaixonar e sair por aí rindo à toa. E que seja um engano eterno enquanto dure.
Numa relação, uma das imposições que a mulher faz ao homem em sua forma de amar é que ele fale, assim podemos dizer que o homem ama de modo feminino, pois precisa ter acesso à mulher e é falando com ela que o faz.
O filme Ela, de Spike Jonze, é uma demonstração interessante e original que foge do lugar comum das comédias românticas. Ele fala de amor e de como o amor é feminino. Jonze consegue construir um futuro verossímil e uma interação entre homem e inteligência artificial, que encarna de um modo estranho o anseio de um amor perfeito a nosso alcance. O amor é tocante e devastador ao mesmo tempo.
O filme toca pontos de impossibilidade do amor e da relação amorosa entre um homem e uma mulher, cujas diferenças fazem impossível um amor perfeito, completo. Não é assim? Só que ali a mulher é apenas uma voz que atende ao que o usuário espera dela. As mulheres podem também ser assim na realidade.
A voz reflete algo do feminino nesse homem. Um homem que fala de amor. Sua profissão era escrever lindas e sentimentais cartas de pais para filhos, amantes, avós ausentes etc. Esse homem, que acaba de se separar de seu grande amor, está devastado pela perda e afirma que a perdeu por não ter falado com ela sobre seus sentimentos.
Neste justo momento de sua vida, compra a inteligência artificial OS1, um lançamento com quem pode interagir. A inteligência é um outro, outra, na verdade, e a voz quente e sexy de Scarlett Johansson.
O feminino encarnado na voz cativa e aprisiona, já que representa um objeto de desejo inalcançável e nem por isto menos amado. Um encontro perfeito, suporte da fantasia, porém desencarnado. A voz não tem corpo. O amor é virtual, realiza a fantasia, mas não pode oferecer corpo à fantasia. Talvez, por isso, perfeito.
De fato, ele ama a si mesmo naquela voz que não é ninguém. E a voz encarna dilemas existenciais como a falta, a falta do corpo para satisfazer esse amor, anseio de um encontro impossível, no qual a ausência de um corpo, de um corpo a corpo, ao contrário de dissipar o sentimento, fortalece o encontro como perfeito.
Um homem ama falando de amor e jamais poderá contornar a diferença irredutível, existências paralelas em mundos que apenas se tocam virtualmente.
Amar é dar o que não se tem, disse Lacan. Uma ficção inventada sobre pedaços de real, sobre o encontro com o outro (pode ser uma voz, uma imagem, uma fantasia), encontro sempre faltoso e cercado de uma ânsia desesperada de ser eternizado por ser contingente e fugaz. E não seria assim o amor? Uma ficção?
No teatro, na poesia, na literatura, no cinema, na vida, tudo gira em torno do amor e das nossas relações. É um dos motivos constantes das nossas vidas de humanos. De que é feito o amor? Seria ele real ou uma ficção de cada um?
As mulheres são as mais propensas a falar de amor. Precisam ser desejadas. Querem falar de amor enquanto eles querem fazer. É próprio do feminino amar o amor. O homem faz a mulher a sua maneira. Deseja um suporte para sua fantasia e não precisa de tantas palavras.
Definir o feminino é impossível. Ele guarda mistérios. Gira sinuoso em torno de nós e escapa a cada palavra definitiva que pretenda capturar seu sentido pleno. Ninguém respondeu à questão: o que quer, ou o que é uma mulher?
O encontro, portanto, entre o homem e a mulher é o encontro de diferenças. Lacan dizia que entre um homem e uma mulher existia um “a-muro”. Criamos nossos romances particulares fantasiando sobre o outro como depositário de nossa expectativa, revestido e portador de tudo que ansiamos. Por um tempo se sustenta a felicidade.
O tempo trata de desmentir o par perfeito e faz ver a diferença entre desejos que jamais serão um. Mas não importa. Queremos amar e ser amadas. Queremos nos apaixonar e sair por aí rindo à toa. E que seja um engano eterno enquanto dure.
Numa relação, uma das imposições que a mulher faz ao homem em sua forma de amar é que ele fale, assim podemos dizer que o homem ama de modo feminino, pois precisa ter acesso à mulher e é falando com ela que o faz.
O filme Ela, de Spike Jonze, é uma demonstração interessante e original que foge do lugar comum das comédias românticas. Ele fala de amor e de como o amor é feminino. Jonze consegue construir um futuro verossímil e uma interação entre homem e inteligência artificial, que encarna de um modo estranho o anseio de um amor perfeito a nosso alcance. O amor é tocante e devastador ao mesmo tempo.
O filme toca pontos de impossibilidade do amor e da relação amorosa entre um homem e uma mulher, cujas diferenças fazem impossível um amor perfeito, completo. Não é assim? Só que ali a mulher é apenas uma voz que atende ao que o usuário espera dela. As mulheres podem também ser assim na realidade.
A voz reflete algo do feminino nesse homem. Um homem que fala de amor. Sua profissão era escrever lindas e sentimentais cartas de pais para filhos, amantes, avós ausentes etc. Esse homem, que acaba de se separar de seu grande amor, está devastado pela perda e afirma que a perdeu por não ter falado com ela sobre seus sentimentos.
Neste justo momento de sua vida, compra a inteligência artificial OS1, um lançamento com quem pode interagir. A inteligência é um outro, outra, na verdade, e a voz quente e sexy de Scarlett Johansson.
O feminino encarnado na voz cativa e aprisiona, já que representa um objeto de desejo inalcançável e nem por isto menos amado. Um encontro perfeito, suporte da fantasia, porém desencarnado. A voz não tem corpo. O amor é virtual, realiza a fantasia, mas não pode oferecer corpo à fantasia. Talvez, por isso, perfeito.
De fato, ele ama a si mesmo naquela voz que não é ninguém. E a voz encarna dilemas existenciais como a falta, a falta do corpo para satisfazer esse amor, anseio de um encontro impossível, no qual a ausência de um corpo, de um corpo a corpo, ao contrário de dissipar o sentimento, fortalece o encontro como perfeito.
Um homem ama falando de amor e jamais poderá contornar a diferença irredutível, existências paralelas em mundos que apenas se tocam virtualmente.
Amar é dar o que não se tem, disse Lacan. Uma ficção inventada sobre pedaços de real, sobre o encontro com o outro (pode ser uma voz, uma imagem, uma fantasia), encontro sempre faltoso e cercado de uma ânsia desesperada de ser eternizado por ser contingente e fugaz. E não seria assim o amor? Uma ficção?
TeVê
TV paga
Estado de Minas: 30/03/2014
MOTOR Para os fãs de adrenalina e alta velocidade, o Telecine Pipoca exibe hoje dois filmes da franquia Velozes e furiosos, estrelada por Vin Diesel e Paul Walker. Às 18h, vai ao ar a sequência número 4, cujo cenário é Los Angeles; e às 20h, o longa mais recente, de número 6 (foto).
NOVA VIDA Com enredo concebido a partir do roteiro de Michael Bortman e Allison Burnett, baseado no artigo da revista Los Angeles Times Magazine, o drama O resgate de um campeão, com Josh Hartnett e Samuel L. Jackson, será exibido às 22h, no A&E. Repórter esportivo descobre que morador de rua era uma lenda do boxe, que todos pensavam estar morto.
Enlatados
Mariana Peixoto - mariana.peixoto@uai.com.br
Estado de Minas: 30/03/2014
MOTOR Para os fãs de adrenalina e alta velocidade, o Telecine Pipoca exibe hoje dois filmes da franquia Velozes e furiosos, estrelada por Vin Diesel e Paul Walker. Às 18h, vai ao ar a sequência número 4, cujo cenário é Los Angeles; e às 20h, o longa mais recente, de número 6 (foto).
NOVA VIDA Com enredo concebido a partir do roteiro de Michael Bortman e Allison Burnett, baseado no artigo da revista Los Angeles Times Magazine, o drama O resgate de um campeão, com Josh Hartnett e Samuel L. Jackson, será exibido às 22h, no A&E. Repórter esportivo descobre que morador de rua era uma lenda do boxe, que todos pensavam estar morto.
Enlatados
Mariana Peixoto - mariana.peixoto@uai.com.br
O retorno de Jack Bauer
Contagem regressiva para o retorno de Jack Bauer. A Fox lança em 6 de maio 24: Live another day, a minissérie (ou nona temporada) da história protagonizada por Kiefer Sutherland. Personagem-símbolo da era pós-11 de setembro, o agente do contraterrorismo “viveu” de 2002 a 2010. Também responsável pela recuperação da carreira de Sutherland, Bauer retorna à TV quatro ano depois dos fatos que fecharam a oitava temporada. Agora fugitivo da justiça, Bauer é localizado em Londres, onde entra em contato com Chloe (Mary Lynn Rajskub). A intenção é evitar um ataque terrorista que acabaria com o mundo que conhecemos. Para cobrir esse hiato de quatro anos, será lançada, no fiml de abril, a HQ 24: Underground, que vai explicar o que ocorreu com o agente quando esteve fora de ação.
Freak show – Com previsão de estreia em outubro, a quarta temporada de American horror story levará o nome de Freak show. Jessica Lange, mais uma vez, será a protagonista. Ela será uma imigrante alemã que gerencia um dos últimos shows de horrores dos EUA. O cenário será Jupiter, cidade da Flórida, na década de 1950. O novo ano marcará os retornos de Kathy Bates, Sarah Paulson, Evan Peters, Angela Bassett e Frances Conroy. Todos serão atrações de circo.
Bodas de prata – Comemorando seu 25º ano, Os Simpsons ganhou maratona na Fox. De 1º a 24 de abril, serão exibidos, sempre às 22h, os primeiros episódios de cada uma das 24 temporadas anteriores.
Fim – A Fox exibe terça, às 22h30, o último episódio da quarta temporada de The walking dead. Como o episódio final irá ao ar hoje nos EUA, não há muito o que adiantar. A sinopse diz que Rick e os outros começam a se reunir em Terminus e que descobrem que o que consideram um santuário não é exatamente o que parece.
Duplo sequestro – O +Globosat estreia terça, às 22h, a segunda temporada da série britânica Kidnap & ransom – Sequestros de Willard. No episódio inicial, o detetive Dominic King, que está na África do Sul, tem que resgatar a refém Naomi Shaffer. Quando acha que o caso está encerrado, a filha de Naomi é também sequestrada. Já na quarta, às 21h, o canal estreia o segundo ano de Puberty blues, sobre a vida sexual de adolescentes.
Caras & Bocas
Simone Castro - simone.castro@uai.com.br
Herdeira foi à luta
Ser filha de Sílvio Santos é sinônimo de boa vida garantida? Nada disso. Patrícia Abravanel (foto) cresceu ouvindo do pai a frase: “Deve-se viver com aquilo que se ganha”. Em entrevista à revista Forbes Brasil deste mês, a apresentadora afirma que nunca ganhou nada fácil e sempre lutou para ter o que queria. Foi assim que, subindo degrau por degrau, conquistou seu espaço no SBT, empresa criada por seu pai, estando à frente de mais um programa: Máquina da fama. Grávida do primeiro filho, um menino, fruto da relação de sete meses com o deputado federal Fábio Farias, ela defende com unhas e dentes os negócios da família. Patrícia revela indignação em relação à falência do Banco Panamericano e deixa claro que o SBT não está à venda. Ela expõe ainda o seu lado de empreendedora e, como garota-propaganda da Jequiti Cosméticos, vai se envolver, no fim do ano, com novo projeto: o lançamento, com seu nome, de marca de perfumes inspirados nas fragrâncias de que mais gosta. Com projeto de envelhecer na TV, algo assim como a americana Bárbara Walters, que ela cita, Patrícia é do tipo que arregaça as mangas e vai à luta. “Estou feliz com o que faço agora. Não ligo para a crítica. Quero ser um produto rentável para o SBT e não um peso.” E ser filha de Sílvio Santos, como é? “Quando eu era criança, achava que era um ônus. Hoje, encaro como um superbônus”, elogia.
VENENOS, QUEM DIRIA, PODEM CURAR DOENÇAS
O documentário Venenos que curam, que vai ao ar no dia 6, às 23h, no + Globosat (TV paga), mostra várias questões sobre toxinas e a esperança de revolucionar na cura de doenças. As toxinas inspiram vários estudos científicos e foi a complexidade em torno delas e as ações que promovem no corpo, especialmente no que diz respeito à dor, que resultaram no documentário. Entre os assuntos, as esperanças para o tratamento de doenças como Alzheimer e Parkinson.
ESPECIAL VIAÇÃO CIPÓ NA SERRA DO ROLA MOÇA
Neste domingo, às 9h, na TV Alterosa, o Viação Cipó vai para a Serra do Rola Moça, de onde vem a água da capital mineira. Confira uma visita aos mananciais de Belo Horizonte, região que precisa continuar preservada. A atração tem ainda um caminhão-museu que roda pelo país contando a história da luta pela terra, cachoeiras, matas, natureza, além da receita do cipó.
SUCESSORA DA PRÓXIMA
TRAMA DAS SEIS JÁ NO FORNO
Joia rara (Globo) despede-se do telespectador e Meu pedacinho de chão, a substituta, estreia em 7 de abril. Sua sucessora, Saber viver, nome provisório, é assinada por Rui Vilhena. Bianca Bin, que vive a Amelinha na atual trama das seis, está cotada para compor o elenco. A direção é de Ricardo Waddington.
SÉRIE PRÉ-HISTÓRIA EM MINAS GERAIS NA TELA
O Bem cultural exibe o quinto e último programa da série Pré-história em Minas Gerais, com o episódio A arte rupestre, que faz abordagem sobre os vestígios deixados pela ocupação humana pré-histórica no estado. São cemitérios paleoindígenas e, principalmente, os excepcionais exemplares de pintura rupestre, com desenhos e formas gráficas de diferentes tipos e tradições, existentes em diversos sítios arqueológicos registrados durante as gravações. Hoje, às 19h, na Rede Minas.
AMIGOS DO PAGODE NO AGITO DO RITMO BRASIL
Os integrantes do grupo Amigos do Pagode 90, que juntou três nomes do samba da década de 1990, prometem agitar o Ritmo Brasil deste domingo, às 18h15, na RedeTV! Salgadinho (ex-Katinguelê), Chrigor (ex-Exaltasamba) e Márcio Art (Art Popular), responsáveis por sucessos que marcaram época, como Recado à minha amada, Temporal e Telegrama, revelam com surgiu a ideia de formar o grupo. Eles relembram suas carreiras nas antigas bandas, comentam a loucura das fãs e a paixão pelo samba desde antes de serem famosos. E, claro, soltam a voz com o repertório do novo grupo.
CARINHA DE ANJO VAI ATIÇAR COMENDADOR
Maria Ísis é o nome da próxima personagem de Marina Ruy Barbosa, ninfeta que vai enlouquecer o comendador João Alfredo, vivido por Alexandre Nero, o protagonista da novela Falso brilhante, que entrará no ar depois de Em família (Globo). Na trama de Aguinaldo Silva, a garota será amante do comendador desde os 18 anos. Ela veio de uma família muito pobre, disposta a ganhar a vida como modelo no Rio de Janeiro. Aos 24 anos e com um jeitinho infantil, vai dar o golpe da barriga em João Alfredo. Depois, se envolverá com o filho mais novo dele. A última novela de Marina foi Amor à vida. A personagem dela morreu de câncer e se transformou em fantasma, numa espécie de punição do autor Walcyr Carrasco à atriz, que não quis raspar os lindos cabelos ruivos. Já Alexandre Nero deixou, na semana passada, a novela Além do horizonte (Globo), justamente para assumir o novo personagem. O vilão Hermes, seu personagem, morreu tragado em areia movediça. A estreia de Falso brilhante está prevista para julho.
Contagem regressiva para o retorno de Jack Bauer. A Fox lança em 6 de maio 24: Live another day, a minissérie (ou nona temporada) da história protagonizada por Kiefer Sutherland. Personagem-símbolo da era pós-11 de setembro, o agente do contraterrorismo “viveu” de 2002 a 2010. Também responsável pela recuperação da carreira de Sutherland, Bauer retorna à TV quatro ano depois dos fatos que fecharam a oitava temporada. Agora fugitivo da justiça, Bauer é localizado em Londres, onde entra em contato com Chloe (Mary Lynn Rajskub). A intenção é evitar um ataque terrorista que acabaria com o mundo que conhecemos. Para cobrir esse hiato de quatro anos, será lançada, no fiml de abril, a HQ 24: Underground, que vai explicar o que ocorreu com o agente quando esteve fora de ação.
Freak show – Com previsão de estreia em outubro, a quarta temporada de American horror story levará o nome de Freak show. Jessica Lange, mais uma vez, será a protagonista. Ela será uma imigrante alemã que gerencia um dos últimos shows de horrores dos EUA. O cenário será Jupiter, cidade da Flórida, na década de 1950. O novo ano marcará os retornos de Kathy Bates, Sarah Paulson, Evan Peters, Angela Bassett e Frances Conroy. Todos serão atrações de circo.
Bodas de prata – Comemorando seu 25º ano, Os Simpsons ganhou maratona na Fox. De 1º a 24 de abril, serão exibidos, sempre às 22h, os primeiros episódios de cada uma das 24 temporadas anteriores.
Fim – A Fox exibe terça, às 22h30, o último episódio da quarta temporada de The walking dead. Como o episódio final irá ao ar hoje nos EUA, não há muito o que adiantar. A sinopse diz que Rick e os outros começam a se reunir em Terminus e que descobrem que o que consideram um santuário não é exatamente o que parece.
Duplo sequestro – O +Globosat estreia terça, às 22h, a segunda temporada da série britânica Kidnap & ransom – Sequestros de Willard. No episódio inicial, o detetive Dominic King, que está na África do Sul, tem que resgatar a refém Naomi Shaffer. Quando acha que o caso está encerrado, a filha de Naomi é também sequestrada. Já na quarta, às 21h, o canal estreia o segundo ano de Puberty blues, sobre a vida sexual de adolescentes.
Caras & Bocas
Simone Castro - simone.castro@uai.com.br
Herdeira foi à luta
Ser filha de Sílvio Santos é sinônimo de boa vida garantida? Nada disso. Patrícia Abravanel (foto) cresceu ouvindo do pai a frase: “Deve-se viver com aquilo que se ganha”. Em entrevista à revista Forbes Brasil deste mês, a apresentadora afirma que nunca ganhou nada fácil e sempre lutou para ter o que queria. Foi assim que, subindo degrau por degrau, conquistou seu espaço no SBT, empresa criada por seu pai, estando à frente de mais um programa: Máquina da fama. Grávida do primeiro filho, um menino, fruto da relação de sete meses com o deputado federal Fábio Farias, ela defende com unhas e dentes os negócios da família. Patrícia revela indignação em relação à falência do Banco Panamericano e deixa claro que o SBT não está à venda. Ela expõe ainda o seu lado de empreendedora e, como garota-propaganda da Jequiti Cosméticos, vai se envolver, no fim do ano, com novo projeto: o lançamento, com seu nome, de marca de perfumes inspirados nas fragrâncias de que mais gosta. Com projeto de envelhecer na TV, algo assim como a americana Bárbara Walters, que ela cita, Patrícia é do tipo que arregaça as mangas e vai à luta. “Estou feliz com o que faço agora. Não ligo para a crítica. Quero ser um produto rentável para o SBT e não um peso.” E ser filha de Sílvio Santos, como é? “Quando eu era criança, achava que era um ônus. Hoje, encaro como um superbônus”, elogia.
VENENOS, QUEM DIRIA, PODEM CURAR DOENÇAS
O documentário Venenos que curam, que vai ao ar no dia 6, às 23h, no + Globosat (TV paga), mostra várias questões sobre toxinas e a esperança de revolucionar na cura de doenças. As toxinas inspiram vários estudos científicos e foi a complexidade em torno delas e as ações que promovem no corpo, especialmente no que diz respeito à dor, que resultaram no documentário. Entre os assuntos, as esperanças para o tratamento de doenças como Alzheimer e Parkinson.
ESPECIAL VIAÇÃO CIPÓ NA SERRA DO ROLA MOÇA
Neste domingo, às 9h, na TV Alterosa, o Viação Cipó vai para a Serra do Rola Moça, de onde vem a água da capital mineira. Confira uma visita aos mananciais de Belo Horizonte, região que precisa continuar preservada. A atração tem ainda um caminhão-museu que roda pelo país contando a história da luta pela terra, cachoeiras, matas, natureza, além da receita do cipó.
SUCESSORA DA PRÓXIMA
TRAMA DAS SEIS JÁ NO FORNO
Joia rara (Globo) despede-se do telespectador e Meu pedacinho de chão, a substituta, estreia em 7 de abril. Sua sucessora, Saber viver, nome provisório, é assinada por Rui Vilhena. Bianca Bin, que vive a Amelinha na atual trama das seis, está cotada para compor o elenco. A direção é de Ricardo Waddington.
SÉRIE PRÉ-HISTÓRIA EM MINAS GERAIS NA TELA
O Bem cultural exibe o quinto e último programa da série Pré-história em Minas Gerais, com o episódio A arte rupestre, que faz abordagem sobre os vestígios deixados pela ocupação humana pré-histórica no estado. São cemitérios paleoindígenas e, principalmente, os excepcionais exemplares de pintura rupestre, com desenhos e formas gráficas de diferentes tipos e tradições, existentes em diversos sítios arqueológicos registrados durante as gravações. Hoje, às 19h, na Rede Minas.
AMIGOS DO PAGODE NO AGITO DO RITMO BRASIL
Os integrantes do grupo Amigos do Pagode 90, que juntou três nomes do samba da década de 1990, prometem agitar o Ritmo Brasil deste domingo, às 18h15, na RedeTV! Salgadinho (ex-Katinguelê), Chrigor (ex-Exaltasamba) e Márcio Art (Art Popular), responsáveis por sucessos que marcaram época, como Recado à minha amada, Temporal e Telegrama, revelam com surgiu a ideia de formar o grupo. Eles relembram suas carreiras nas antigas bandas, comentam a loucura das fãs e a paixão pelo samba desde antes de serem famosos. E, claro, soltam a voz com o repertório do novo grupo.
CARINHA DE ANJO VAI ATIÇAR COMENDADOR
Maria Ísis é o nome da próxima personagem de Marina Ruy Barbosa, ninfeta que vai enlouquecer o comendador João Alfredo, vivido por Alexandre Nero, o protagonista da novela Falso brilhante, que entrará no ar depois de Em família (Globo). Na trama de Aguinaldo Silva, a garota será amante do comendador desde os 18 anos. Ela veio de uma família muito pobre, disposta a ganhar a vida como modelo no Rio de Janeiro. Aos 24 anos e com um jeitinho infantil, vai dar o golpe da barriga em João Alfredo. Depois, se envolverá com o filho mais novo dele. A última novela de Marina foi Amor à vida. A personagem dela morreu de câncer e se transformou em fantasma, numa espécie de punição do autor Walcyr Carrasco à atriz, que não quis raspar os lindos cabelos ruivos. Já Alexandre Nero deixou, na semana passada, a novela Além do horizonte (Globo), justamente para assumir o novo personagem. O vilão Hermes, seu personagem, morreu tragado em areia movediça. A estreia de Falso brilhante está prevista para julho.
CINE PE » O legado de Glauber
CINE PE »
O legado de Glauber
Estado de Minas: 30/03/2014
O baiano Glauber
Rocha (1939-1981), o ícone do cinema novo, ganhará homenagem no 18º Cine
PE – Festival do Audiovisual http://www.cine-pe.com.br/ , que será realizado de 26 de abril a 2 de
maio, no Recife. O evento vai lembrar os 50 anos do longa-metragem Deus e
o diabo na terra do sol, lançado às vésperas do golpe civil-militar de
1964.
O drama épico glauberiano chamou a atenção por sua linguagem cinematográfica essencialmente brasileira. O elenco reúne Maurício do Valle, Othon Bastos, Geraldo Del Rey e Yoná Magalhães, entre outros atores.
O festival pernambucano vai homenagear também duas figuras emblemáticas do cinema nacional: a atriz Laura Cardoso, de 85 anos, que tem 29 filmes no currículo, e o ator e diretor José Wilker, de 68, que participou de 41 produções.
Também será lembrado o cineasta e pesquisador pernambucano Fernando Spencer, que morreu no dia 14, vítima de câncer. Diretor de cerca de 30 filmes, ele era militante dedicado do Super 8 e comandou por 20 anos a cinemateca da Fundação Joaquim Nabuco.
O drama épico glauberiano chamou a atenção por sua linguagem cinematográfica essencialmente brasileira. O elenco reúne Maurício do Valle, Othon Bastos, Geraldo Del Rey e Yoná Magalhães, entre outros atores.
O festival pernambucano vai homenagear também duas figuras emblemáticas do cinema nacional: a atriz Laura Cardoso, de 85 anos, que tem 29 filmes no currículo, e o ator e diretor José Wilker, de 68, que participou de 41 produções.
Também será lembrado o cineasta e pesquisador pernambucano Fernando Spencer, que morreu no dia 14, vítima de câncer. Diretor de cerca de 30 filmes, ele era militante dedicado do Super 8 e comandou por 20 anos a cinemateca da Fundação Joaquim Nabuco.
SAÚDE / O PESO DO JALECO » Emergência: médicos em estado grave
SAÚDE / O PESO DO JALECO »
Emergência: médicos em estado grave
É crescente a percepção de que profissionais da saúde estão cada vez mais sofrendo de transtornos mentais e recorrendo a álcool e drogas e, em último caso, ao autoextermínio
É crescente a percepção de que profissionais da saúde estão cada vez mais sofrendo de transtornos mentais e recorrendo a álcool e drogas e, em último caso, ao autoextermínio
Luciane Evans
Estado de Minas: 30/03/2014
"Estamos quebrando um pacto de silêncio. Não se comenta o estado de saúde mental da categoria. Mas, ao expor esses problemas, temos a intenção de alertar, tantos os pacientes, quanto os médicos que passam por isso e não buscam ajuda", José Raimundo Lippi,psiquiatra, professor nas faculdades de medicina da UFMG e da USP |
Uso e abuso de drogas, seguidos por depressão, transtornos e, em casos extremos, suicídio. Essas consequências de uma mente conturbada, avassaladoras para a vida de qualquer ser humano, tem tido como alvo principal profissionais que dedicam a vida a cuidar dos outros: os médicos. Homens e mulheres de branco se tornaram pacientes em estado grave e preocupação nacional. Isso porque há estudos que mostram que a prevalência de transtornos mentais é quatro vezes maior na classe médica do que na população em geral. Diante do cenário, acendeu-se o alerta máximo para a saúde dos “doutores” e também para universitários da medicina, que dão indícios de caminhar pelo mesmo trajeto. Conhecidos por se considerarem ‘deuses’, por lidarem com a vida e a morte tão de perto, a maioria não procura ajuda, o que torna o quadro mais ameaçador. Para eles e para os pacientes.
Para abordar este tema, o Estado de Minas traz, hoje e amanhã, a reportagem O peso do jaleco, mostrando a realidade e relatos por trás do glamour de uma das profissões mais concorridas e admiradas no mundo. “Estamos quebrando um pacto de silêncio. Não se comenta o estado de saúde mental da categoria. Mas, ao expor esses problemas, temos a intenção de alertar, tantos os pacientes, quanto os médicos que passam por isso e não buscam ajuda”, diz o psiquiatra, professor das faculdades de medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade de São Paulo (USP).
Preocupado com o quadro, ele comenta que tanto os estudantes quanto os profissionais formados convivem com a “figura do machado”. “Nós queremos salvar a vida. Existe na classe o desejo universal da imortalidade. O que nos faz sentir idealizados, onipotentes. Frustramos quando a morte leva um paciente e somos endeusados quando o salvamos”, comenta Lippi, acrescentando que em volta de todo esse universo de sentimentos está uma profissão estressante. Para a realidade de muitos, a tarefa diária de lidar com dois, três empregos, jornadas de longas horas, plantões e as pressões diárias.
Segundo Raimundo Lippi, nos últimos 10 anos tem aumentado o número de médicos doentes. No entanto, não há muitos estudos recentes no país sobre essa situação. No ano passado, diante de uma percepção da própria classe sobre o problema, foi criada a primeira Comissão de Atenção à Saúde Mental do Médico, da Associação Brasileira de Psiquiatria, do qual Lippi é coordenador. Desde quarta-feira até este domingo, o assunto vem sendo discutido, pela primeira vez no Brasil, na I Jornada Brasileira de Saúde Mental dos Médicos, sediada em Nova Lima, na Grande Belo Horizonte.
A situação, que segundo as entidades envolvidas é velada, tem cumplicidade dos órgãos públicos. Pelo menos em Minas Gerais. Enquanto o Sindicato dos Médicos do estado aponta que a profissão é a que tem mais afastamentos por doenças, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) nega e, mesmo a pedido do EM, não divulga os números dos últimos anos. A PBH alega que há um levantamento preliminar que não pode ser divulgado por não ter um balanço fechado.
O sinal do crescimento está em dados do Conselho Regional de Medicina-MG, que informa que, desde 2006, 11 médicos foram afastados por motivo de saúde em Minas. O que mais chama a atenção é que nos anos de 2012 e 2013 foram maiores os números de afastamento, sendo quatro a cada ano.
ESTUDANTES NO MESMO CAMINHO Antes mesmo de se tornar “doutor”, estudantes de medicina já merecem atenção. De acordo com a dissertação de mestrado defendida em 2012 pelo psiquiatra e mestre em ciência da saúde pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Marco Túlio de Aquino, foi encontrada uma alta prevalência de transtornos mentais em estudantes do último período de medicina da universidade mineira.
Em uma mostra aleatória, 106 alunos responderam a um questionário de avaliação internacional que permitia a identificação dos transtornos. “Há uma incidência alta de todos os transtornos, exceto, a esquizofrenia”, comenta Aquino. Ele destaca que, dos 106 alunos, 47% tinham problema com uso e abuso de álcool. “Não quer dizer que haja uma dependência. Mas não é uso recreativo. É um consumo alto e em situação de risco para a saúde”, diz o médico. O consumo equivalia ao estudante beber ao menos três vezes por semana, em doses altas. “Há o abuso e, em algumas situações, sintomas de embriaguez elevados. Observamos que, muitas vezes, a bebida é usada para melhorar quadros psiquiátricos”, preocupa-se Marco Túlio, que acrescenta: “Dos 106 alunos que responderam o questionário, 43% apresentaram transtorno de ansiedade e depressão, sendo a maioria mulheres”, aponta.
Em um comparativo com a dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), o psiquiatra constatou a prevalência de transtornos mentais até quatro vezes maior entre médicos do que na população em geral, situação já comprovada em estudos internacionais. “A academia é um fator estressante, que deixa um estudante de medicina emocionalmente carregado. É uma escolha profissional concorrida, em que o universitário tem uma cobrança alta, tanto de si mesmo, quanto da sociedade”, comenta Marco Túlio de Aquino. Ele ressalta que o volume de informações no curso é muito grande, além da competitividade. “Há ainda, o contato com a morte e as doenças, que pesam ainda mais”.
EXTREMO Em 1968, foi feito um estudo em 62 escolas médicas norte-americanas e três canadenses. Concluiu-se que o suicídio era a segunda causa de morte entre os estudantes de medicina, perdendo apenas para os acidentes. Em 1980, devido ao número de suicídios na Faculdade de Medicina de São Paulo, foi criado o Grupo de Assistência Psicológica ao Aluno de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), o Grapal. “Felizmente, esse trabalho se estendeu pelo Brasil, cerca de 70% das universidades têm esse serviço. Ali, mostramos que antes de se tornar o ‘super Deus’, como os médicos se consideram, eles são suscetíveis a falhas e devem buscar ajuda”, comenta a psiquiatra Alexandrina Meleiro, doutora pela USP e membro da Comissão à Saúde Mental do Médico da Sociedade Brasileira de Psiquiatria.
Em 2004, a Faculdade de Medicina da UFMG criou o Núcleo de Apoio Psicopedagógico aos Estudantes de Medicina (Napem) e, segundo uma estudante da universidade, de 22 anos, e que não será identificada, trata-se de um serviço para qual a demanda é muito grande. “É um apoio excelente, mas em termos práticos a demanda é muito alta e os problemas cada vez mais graves”, observa. No 4º período do curso, a jovem reconhece que o estudo é pesado. “Há a expectativa e frustração de sermos perfeitos, além de uma competição ‘braba’ (SIC)”, diz. Ela destaca que no meio acadêmico já existe a incoerência, porque muitos não se cuidam. “Como vão atender um paciente e exigir dele cuidados se não fazem isso com eles mesmos?”, questiona. Entre os problemas que ela observa, a estudante destaca a anorexia, algo que segundo ela não é raro entre as alunas. “O fato de deixar de almoçar para estudar é um gatilho para o quadro. Os colegas também abdicam de todo o lazer em função dos estudos.” A jovem, que tenta se divertir para distrair a cabeça, revela que não são poucos os colegas que conhece que já pensaram em tirar a própria vida. “É um número relevante e assustador. Uma das válvulas de escape é o álcool e as drogas. Aqui, entra de novo a concorrência, mas para saber quem bebe mais. Em festa, tem sempre aqueles que exageram e extrapolam. Querem mostrar resistência.”
Em outubro do ano passado, uma estudante do primeiro período de medicina da UFMG se matou. Entre os colegas, ninguém sabe o real motivo, mas muitos apontam as cobranças que vêm desde o vestibular à uma depressão grave, que pode levar ao suicídio. “Não foi a primeira e sabemos que não será a última. Temos medo, mas a profissão que escolhemos exige de nós, às vezes, mais do que podemos suportar”, comenta um estudante da faculdade, que não quis se identificar.
DEPOIMENTOS
“No quinto período eu desisti da medicina. Nunca tive nenhuma tendência para a depressão, mas quando entrei para o curso, que era o meu sonho, desenvolvi o transtorno. Não tinha vontade para nada. Não posso culpar a profissão, mas a pressão é grande e a concorrência é ferrenha. Não era para mim”.
G. R. E., de Belo Horizonte
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“Estava no quinto período e não tinha tempo para mim. Era como vivesse uma vida que não era a minha. Não tinha lazer, não via filmes nem saia com os amigos. Até para comer, não tinha tempo. Queria ser o melhor da sala. Os meus pais esperavam isso de mim e eu também. Mas um dia, surtei. Quebrei tudo em casa e pensei em me matar. Já pensei nisso outras vezes. A medicina te afoga. Mas é uma escolha. Hoje sou residente e estou melhor.”
F.S., de Belo Horizonte
sábado, 29 de março de 2014
João Paulo - O século de Octavio
O século de Octavio
João Paulo
Estado de Minas: 29/03/2014
Um homem que assumiu na carne os destinos de seu país, da poesia e de seu tempo. Que escreveu alguns dos mais importantes poemas do século 20, que refletiu sobre a identidade latino-americana com método e profundidade pouco comuns, que ajudou o Ocidente a compreender a dinâmica cultural da Índia e do Japão. Um criador alimentado pela inteligência crítica, que refletiu sobre a poesia de forma poética e que percorreu com radicalidade – não sem contradições – os tortuosos caminhos da política. Que, ao fim da vida, revelou a dupla chama do amor e do erotismo. O dono de vida tão intensa e universal, o escritor e pensador mexicano Octavio Paz (1914-1998) faria 100 anos na segunda-feira.
Numa era de excessiva tendência à especialização, Paz foi um dos raros exemplos de humanista capaz de dedicar-se a todo o espectro de interesse humano. Dono de cultura ampla e universal, era ainda dotado de curiosidade que o levava a ir da estética à política, das questões morais aos mitos, das investigações da ciência aos dilemas da arte. Além da inteligência, era também tocado pela graça da criação, com uma obra poética que influenciou escritores muito além do México, chegando ao Brasil, com destaque para os irmãos Campos. Haroldo, que colaborou em várias publicações dirigidas por Paz, foi tradutor do poeta mexicano, editando no Brasil Transblanco, a partir do longo poema Blanco.
O que chama a atenção na obra de Octavio Paz, no entanto, é exatamente a capacidade de reunir tantos interesses sob um domínio comum, quase um método pessoal, que alimenta a reflexão de poesia e a criação lírica de inteligência. Há sempre um eu, um ponto de partida, um jeito pessoal, quase confessional, de se aproximar das pessoas, das ideias e do mundo. Paz não vê o mundo de fora. Isso ajuda a entender ainda sua vocação para a política, seu interesse nas questões de seu tempo e de seu país e, no sentido mais amplo, da América Latina como uma comunidade de destinos compartilhados a partir de um passado de violências execráveis.
Ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1990, de certa forma ele se tornou para o mundo um intérprete autorizado da consciência de seu país. De fato, entre as obras de Paz, a mais conhecida e influente, O labirinto da solidão, publicada em 1950, segue a linha dos livros de pesquisa da identidade nacional, com método e estilo que ainda hoje encantam e fazem pensar. Trata-se de um gênero fortemente ligado à América Latina e ao seu destino, tendo no Brasil exemplos como Casa grande e senzala, de Gilberto Freyre, e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Hollanda (Silviano Santiago escreveu um livro, As raízes e o labirinto da América Latina, em que analisa de forma comparativa e complementar os ensaios de Sérgio e Octavio).
O labirinto da solidão, que ganha nova edição pela Cosac Naify, tem como propósito compreender o mexicano. O que hoje parece meio deslocado no tempo – a literatura da busca da identidade – era talvez a mais profunda das questões postas aos latino-americanos, a meio do caminho entre as próprias raízes e a inserção num mundo do qual faziam parte sempre de forma subsidiária e enviesada. Octavio Paz quer pegar com a mão os motivos históricos e psicológicos que definem o homem de seu país. Sua mais importante matéria é a herança cultural, o laço particular que une o mexicano ao seu destino. Para isso, o ensaísta escolhe seu tipo ideal, o “pachuco”, o pária, o excluído, aquele que preserva na alma o que o colonialismo tentou extirpar.
Alimentado por mitos, narrativas simbólicas e interpretação inusitada e rica, o ensaio vai operando para desfazer as máscaras que toldam a percepção do que é ser mexicano. Logo no início do livro, Octavio Paz reconhece no mexicano um homem fechado, defeso, silencioso, que tem respeito e temor de certas palavras e expressões, entre elas as chulas e os xingamentos. Para o ensaísta, o México moderno padece de uma reserva em relação às suas origens violentas, sobretudo a violação de indígenas pelo conquistador. Filhos da Malinche (a amante de Cortés e símbolo das mulheres violentadas), os mexicanos seriam fruto da violência inominável contra seus mais profundos valores humanos. A saída foi resguardar-se atrás de uma máscara. O labirinto da solidão é um instrumento feito para arrancar máscaras, ainda que das feridas jorrem sangue.
A interpretação da história real e simbólica de seu país e de seus irmãos dá ao livro uma força de revelação intelectual e de redenção política. Cada momento da história mexicana tem a dupla face da submissão (das tradições, crenças e deuses) e da revolta (por meio das rupturas reais da Independência e da Revolução Mexicana e até, em fato posterior ao livro, da revolta estudantil do fim dos anos 1960). Se há um acento político libertário, ele não foi suficiente para preservar Octavio Paz dos ataques da esquerda, que o perseguiria até o fim da vida, sobretudo por sua defesa do Partido Revolucionário Institucional, o PRI, que atravessou o século no poder.
Homem revoltado A relação de Paz com a esquerda nunca foi fácil. Sem nunca ter sido comunista, num período de alinhamento de muitos intelectuais com o partido, Paz foi crítico do stalinismo, dirigiu revistas literárias que se batiam contra a censura ideológica e defendiam o pluralismo, e nunca aceitou o dilema que parecia deixar apenas uma resposta para a contradição entre fascismo e comunismo. Sua posição, nesse sentido, talvez se aproxime da de Albert Camus e de seu “homem revoltado”, também duramente atacada. Paz foi ainda crítico dos rumos da revolução cubana (e de sua perseguição aos escritores), o que acabou por carimbar para sempre o selo de reacionário em sua identidade política.
No entanto, além das ideias, Paz deu provas de sua defesa da liberdade em atos corajosos. Em 1968, por exemplo, quando era embaixador de seu país na Índia, ele romperia com o PRI e se afastaria do cargo em razão da violenta repressão aos estudantes em Tlateloco. Sua atitude, e a coragem em levá-la a todos os debates, mostrou uma coerência que ia além das estratégias meramente partidárias ou das definições ideológicas. Nos termos de seu livro mais célebre, a revolta estudantil apontou a derrubada de mais uma máscara da violência, desta vez amparada na retórica do partido no poder. Para se manter coerente com suas ideias, Paz rompeu com a conveniência de sua situação pessoal.
A política levaria o pensador a outros esforços de interpretação da mutante realidade de seu país, da América Latina e do mundo. Em O ogro filantrópico, reunião de ensaios sobre questões políticas, Octavio Paz, no texto que dá nome ao livro, analisa as proposta de reforma política em discussão no México no fim dos anos 1970. Uma lúcida visão do autoritarismo latino-americano, em sua incapacidade de avançar até os mais simples valores da modernidade política, traz observações sobre o papel e composição do Estado que parecem escritas hoje, para situações muito próximas da realidade brasileira: “Característica notável do Estado mexicano: apesar de ter sido agente principal da modernização, ele mesmo não conseguiu se modernizar inteiramente. Em muitos aspectos, sobretudo no trato com o público e na maneira de conduzir os assuntos, continua sendo patrimonialista”.
A análise política de Paz não se circunscreveu apenas aos temas mexicanos. Tanto O ogro filantrópico como Tempo nublado trazem ensaios e artigos sobre questões referentes aos Estados Unidos, União Soviética, Irã e Israel. Num exercício de análise histórica, que amplia o olhar além da conjuntura, o ensaísta trabalhou com temas como participação dos intelectuais na arena pública, a crítica ao terrorismo e o renascimento das culturas locais.
O ensaísta Octavio Paz deixou ainda livros preciosos sobre a Índia, país em que serviu como diplomata e cuja cultura conhecia em profundidade. Escreveu sobre religião, misticismo, filosofia e, de forma desimpedida, sobre o corpo e os prazeres sob a ótica oriental, com sua alquimia sexual e cortesia erótica. Foi também estudioso atento da cultura japonesa e, sobretudo, de sua poesia, trazendo para o Ocidente um novo horizonte lírico, que dialogava com seu conhecimento da tradição e das vanguardas.
Sem nunca deixar esgotar seu interesse pelos temas da poesia e da política, da beleza e da arte da convivência, dos imperativos da estética e das cobranças da ética, Octavio Paz se debruçou ainda em estudos de antropologia e etnologia, tendo escrito um pequeno e luminoso livro sobre a obra do estruturalista Claude Lévi-Strauss, O novo festim de Esopo. Tudo que é excessivamente formal e quase impenetrável na lógica dos mitos de Lévi-Strauss se reveste de um interesse humano próximo, na busca do lugar do homem no sistema da natureza.
Amor e erotismo Depois de lançar a obra que talvez seja sua mais profunda realização, Soror Juana Inês de la Cruz – As armadilhas da fé, sobre a religiosa e poeta barroca do século 17 mexicano, misto de biografia, ensaio histórico, reflexão filosófica e pesquisa literária, Octavio Paz resolve se dedicar ao maior e mais universal de todos os dilemas, o amor. Seu livro A dupla chama – Amor e erotismo, escrito já na altura dos 80 anos, traz de novo à cena a relação sempre presente de poesia e erotismo. Passeando pela história, mitos e pela própria existência, o poeta dá as mãos ao humanista para falar do amor com quem se pacifica das tribulações da vida. O fogo da paixão e do erotismo, com sua chama vermelha, revela a sustentação do brilho azul do amor. “Pelo amor, vislumbramos nesta vida, a outra.”
Em seu Dicionário amoroso da América Latina, o colega de Nobel, o peruano Mario Vargas Llosa, escreveu: “Paz viveu mais de 84 anos, mergulhado no turbilhão de seu tempo e devorado até o fim por uma curiosidade juvenil. Participou de todos os grandes debates históricos e culturais, movimentos estéticos ou revoluções artísticas, sempre se engajando e explicando suas escolhas em ensaios de estilo e lucidez brilhantes. Não foi um diletante nem uma simples testemunha, foi sempre atuante, apaixonado pelo que se passava ao seu redor, sem nunca temer estar na contracorrente e enfrentar a impopularidade”.
Paz é um dos maiores poetas do século 20. Foi também um de seus pensadores mais corajosos e honestos. Não se pode querer mais de um humanista: ser universal na mais pessoal das manifestações da alma e sincero no território onde a verdade é reformada a cada estação. Para Paz, poesia e política eram manifestações do homem em suas possibilidades e contradições.
O centenário é sempre uma provocação para um olhar prospectivo, para aquilo que vai permanecer além do tempo. Às vezes, no entanto, em vez de olhar o que fica de um homem, talvez seja melhor examinar como viveu, essa temporalidade que não permite mistificação. Octavio Paz foi poeta e pensador que enfrentou o labirinto da solidão com suas armas e que convida seus leitores a fazer o mesmo. Ainda que o labirinto não tenha saída.
João Paulo
Estado de Minas: 29/03/2014
O mexicano Octavio Paz faz parte dos grandes intérpretes da identidade latino-americana |
Um homem que assumiu na carne os destinos de seu país, da poesia e de seu tempo. Que escreveu alguns dos mais importantes poemas do século 20, que refletiu sobre a identidade latino-americana com método e profundidade pouco comuns, que ajudou o Ocidente a compreender a dinâmica cultural da Índia e do Japão. Um criador alimentado pela inteligência crítica, que refletiu sobre a poesia de forma poética e que percorreu com radicalidade – não sem contradições – os tortuosos caminhos da política. Que, ao fim da vida, revelou a dupla chama do amor e do erotismo. O dono de vida tão intensa e universal, o escritor e pensador mexicano Octavio Paz (1914-1998) faria 100 anos na segunda-feira.
Numa era de excessiva tendência à especialização, Paz foi um dos raros exemplos de humanista capaz de dedicar-se a todo o espectro de interesse humano. Dono de cultura ampla e universal, era ainda dotado de curiosidade que o levava a ir da estética à política, das questões morais aos mitos, das investigações da ciência aos dilemas da arte. Além da inteligência, era também tocado pela graça da criação, com uma obra poética que influenciou escritores muito além do México, chegando ao Brasil, com destaque para os irmãos Campos. Haroldo, que colaborou em várias publicações dirigidas por Paz, foi tradutor do poeta mexicano, editando no Brasil Transblanco, a partir do longo poema Blanco.
O que chama a atenção na obra de Octavio Paz, no entanto, é exatamente a capacidade de reunir tantos interesses sob um domínio comum, quase um método pessoal, que alimenta a reflexão de poesia e a criação lírica de inteligência. Há sempre um eu, um ponto de partida, um jeito pessoal, quase confessional, de se aproximar das pessoas, das ideias e do mundo. Paz não vê o mundo de fora. Isso ajuda a entender ainda sua vocação para a política, seu interesse nas questões de seu tempo e de seu país e, no sentido mais amplo, da América Latina como uma comunidade de destinos compartilhados a partir de um passado de violências execráveis.
Ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1990, de certa forma ele se tornou para o mundo um intérprete autorizado da consciência de seu país. De fato, entre as obras de Paz, a mais conhecida e influente, O labirinto da solidão, publicada em 1950, segue a linha dos livros de pesquisa da identidade nacional, com método e estilo que ainda hoje encantam e fazem pensar. Trata-se de um gênero fortemente ligado à América Latina e ao seu destino, tendo no Brasil exemplos como Casa grande e senzala, de Gilberto Freyre, e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Hollanda (Silviano Santiago escreveu um livro, As raízes e o labirinto da América Latina, em que analisa de forma comparativa e complementar os ensaios de Sérgio e Octavio).
O labirinto da solidão, que ganha nova edição pela Cosac Naify, tem como propósito compreender o mexicano. O que hoje parece meio deslocado no tempo – a literatura da busca da identidade – era talvez a mais profunda das questões postas aos latino-americanos, a meio do caminho entre as próprias raízes e a inserção num mundo do qual faziam parte sempre de forma subsidiária e enviesada. Octavio Paz quer pegar com a mão os motivos históricos e psicológicos que definem o homem de seu país. Sua mais importante matéria é a herança cultural, o laço particular que une o mexicano ao seu destino. Para isso, o ensaísta escolhe seu tipo ideal, o “pachuco”, o pária, o excluído, aquele que preserva na alma o que o colonialismo tentou extirpar.
Alimentado por mitos, narrativas simbólicas e interpretação inusitada e rica, o ensaio vai operando para desfazer as máscaras que toldam a percepção do que é ser mexicano. Logo no início do livro, Octavio Paz reconhece no mexicano um homem fechado, defeso, silencioso, que tem respeito e temor de certas palavras e expressões, entre elas as chulas e os xingamentos. Para o ensaísta, o México moderno padece de uma reserva em relação às suas origens violentas, sobretudo a violação de indígenas pelo conquistador. Filhos da Malinche (a amante de Cortés e símbolo das mulheres violentadas), os mexicanos seriam fruto da violência inominável contra seus mais profundos valores humanos. A saída foi resguardar-se atrás de uma máscara. O labirinto da solidão é um instrumento feito para arrancar máscaras, ainda que das feridas jorrem sangue.
A interpretação da história real e simbólica de seu país e de seus irmãos dá ao livro uma força de revelação intelectual e de redenção política. Cada momento da história mexicana tem a dupla face da submissão (das tradições, crenças e deuses) e da revolta (por meio das rupturas reais da Independência e da Revolução Mexicana e até, em fato posterior ao livro, da revolta estudantil do fim dos anos 1960). Se há um acento político libertário, ele não foi suficiente para preservar Octavio Paz dos ataques da esquerda, que o perseguiria até o fim da vida, sobretudo por sua defesa do Partido Revolucionário Institucional, o PRI, que atravessou o século no poder.
Homem revoltado A relação de Paz com a esquerda nunca foi fácil. Sem nunca ter sido comunista, num período de alinhamento de muitos intelectuais com o partido, Paz foi crítico do stalinismo, dirigiu revistas literárias que se batiam contra a censura ideológica e defendiam o pluralismo, e nunca aceitou o dilema que parecia deixar apenas uma resposta para a contradição entre fascismo e comunismo. Sua posição, nesse sentido, talvez se aproxime da de Albert Camus e de seu “homem revoltado”, também duramente atacada. Paz foi ainda crítico dos rumos da revolução cubana (e de sua perseguição aos escritores), o que acabou por carimbar para sempre o selo de reacionário em sua identidade política.
No entanto, além das ideias, Paz deu provas de sua defesa da liberdade em atos corajosos. Em 1968, por exemplo, quando era embaixador de seu país na Índia, ele romperia com o PRI e se afastaria do cargo em razão da violenta repressão aos estudantes em Tlateloco. Sua atitude, e a coragem em levá-la a todos os debates, mostrou uma coerência que ia além das estratégias meramente partidárias ou das definições ideológicas. Nos termos de seu livro mais célebre, a revolta estudantil apontou a derrubada de mais uma máscara da violência, desta vez amparada na retórica do partido no poder. Para se manter coerente com suas ideias, Paz rompeu com a conveniência de sua situação pessoal.
A política levaria o pensador a outros esforços de interpretação da mutante realidade de seu país, da América Latina e do mundo. Em O ogro filantrópico, reunião de ensaios sobre questões políticas, Octavio Paz, no texto que dá nome ao livro, analisa as proposta de reforma política em discussão no México no fim dos anos 1970. Uma lúcida visão do autoritarismo latino-americano, em sua incapacidade de avançar até os mais simples valores da modernidade política, traz observações sobre o papel e composição do Estado que parecem escritas hoje, para situações muito próximas da realidade brasileira: “Característica notável do Estado mexicano: apesar de ter sido agente principal da modernização, ele mesmo não conseguiu se modernizar inteiramente. Em muitos aspectos, sobretudo no trato com o público e na maneira de conduzir os assuntos, continua sendo patrimonialista”.
A análise política de Paz não se circunscreveu apenas aos temas mexicanos. Tanto O ogro filantrópico como Tempo nublado trazem ensaios e artigos sobre questões referentes aos Estados Unidos, União Soviética, Irã e Israel. Num exercício de análise histórica, que amplia o olhar além da conjuntura, o ensaísta trabalhou com temas como participação dos intelectuais na arena pública, a crítica ao terrorismo e o renascimento das culturas locais.
O ensaísta Octavio Paz deixou ainda livros preciosos sobre a Índia, país em que serviu como diplomata e cuja cultura conhecia em profundidade. Escreveu sobre religião, misticismo, filosofia e, de forma desimpedida, sobre o corpo e os prazeres sob a ótica oriental, com sua alquimia sexual e cortesia erótica. Foi também estudioso atento da cultura japonesa e, sobretudo, de sua poesia, trazendo para o Ocidente um novo horizonte lírico, que dialogava com seu conhecimento da tradição e das vanguardas.
Sem nunca deixar esgotar seu interesse pelos temas da poesia e da política, da beleza e da arte da convivência, dos imperativos da estética e das cobranças da ética, Octavio Paz se debruçou ainda em estudos de antropologia e etnologia, tendo escrito um pequeno e luminoso livro sobre a obra do estruturalista Claude Lévi-Strauss, O novo festim de Esopo. Tudo que é excessivamente formal e quase impenetrável na lógica dos mitos de Lévi-Strauss se reveste de um interesse humano próximo, na busca do lugar do homem no sistema da natureza.
Amor e erotismo Depois de lançar a obra que talvez seja sua mais profunda realização, Soror Juana Inês de la Cruz – As armadilhas da fé, sobre a religiosa e poeta barroca do século 17 mexicano, misto de biografia, ensaio histórico, reflexão filosófica e pesquisa literária, Octavio Paz resolve se dedicar ao maior e mais universal de todos os dilemas, o amor. Seu livro A dupla chama – Amor e erotismo, escrito já na altura dos 80 anos, traz de novo à cena a relação sempre presente de poesia e erotismo. Passeando pela história, mitos e pela própria existência, o poeta dá as mãos ao humanista para falar do amor com quem se pacifica das tribulações da vida. O fogo da paixão e do erotismo, com sua chama vermelha, revela a sustentação do brilho azul do amor. “Pelo amor, vislumbramos nesta vida, a outra.”
Em seu Dicionário amoroso da América Latina, o colega de Nobel, o peruano Mario Vargas Llosa, escreveu: “Paz viveu mais de 84 anos, mergulhado no turbilhão de seu tempo e devorado até o fim por uma curiosidade juvenil. Participou de todos os grandes debates históricos e culturais, movimentos estéticos ou revoluções artísticas, sempre se engajando e explicando suas escolhas em ensaios de estilo e lucidez brilhantes. Não foi um diletante nem uma simples testemunha, foi sempre atuante, apaixonado pelo que se passava ao seu redor, sem nunca temer estar na contracorrente e enfrentar a impopularidade”.
Paz é um dos maiores poetas do século 20. Foi também um de seus pensadores mais corajosos e honestos. Não se pode querer mais de um humanista: ser universal na mais pessoal das manifestações da alma e sincero no território onde a verdade é reformada a cada estação. Para Paz, poesia e política eram manifestações do homem em suas possibilidades e contradições.
O centenário é sempre uma provocação para um olhar prospectivo, para aquilo que vai permanecer além do tempo. Às vezes, no entanto, em vez de olhar o que fica de um homem, talvez seja melhor examinar como viveu, essa temporalidade que não permite mistificação. Octavio Paz foi poeta e pensador que enfrentou o labirinto da solidão com suas armas e que convida seus leitores a fazer o mesmo. Ainda que o labirinto não tenha saída.
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