domingo, 16 de março de 2014

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Viagem útil e inútil‏

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Viagem útil e inútil
Estado de Minas: 16/03/2014


Cena de Nebraska, filme dirigido por Alexander Payne (Sony Pictures/divulgação)
Cena de Nebraska, filme dirigido por Alexander Payne

Um velho de cabelos desgrenhados sai andando com dificuldade para buscar, num outro estado, o prêmio de US$ 1 milhão que julga ter ganho. O filho o recolhe nas ruas cheias de neve, tenta convencê-lo a voltar para casa. O velho torna a fugir em busca do prêmio. O filho resolve então acompanhar o pai nessa peripécia. A viagem se transforma num rencontro com pessoas da família, na revisão do próprio passado familiar do personagem e num diálogo com os mortos.

Mas o filme Nebraska é mais do que isso. Poderia dizer que é uma longa viagem pelo miolo dos EUA, mostrando a desolada paisagem da vida dos que moram no interior. Como diz a música do Raul Seixas, os personagens estão bebendo cerveja nos bares com a boca cheia de dentes esperando a morte chegar.

Mas a mim interessa outra trama que desentranho dessa estória: a viagem útil e inútil. Como pode uma viagem ser útil e inútil? Explico-me: no filme, o personagem constata que o documento que guardava não lhe dava direito ao prêmio. Outras pessoas, como ele, se enganaram. Não há prêmio algum. Enganaram-se mesquinhamente até aqueles que pensavam tirar vantagem do velho.

Lembrei-me de várias coisas correlatas. Primeiro, O velho e o mar: aquela novela de Hemingway na qual o velho pescador vai ao mar para buscar o enorme peixe. Pesca-o, mas o grande peixe é devorado por outros e o velho Santiago chega a seu porto apenas com o esqueleto. Analistas do texto de Hemingway dizem que isso é uma metáfora da vida, na verdade pescamos o nada, voltamos sempre com as mãos vazias.

Lembrei-me de que o tema de Nebraska (filme de Alexander Payne, descendente de gregos) se baseia na ideia da viagem, no sair em busca de algo e enfrentar a dubiedade do êxito e do fracasso. Outra aproximação se impõe: Moby Dick, novela de Herman Melville. Ou, se quiserem, a versão dessa estória no filme de John Huston que tem Gregory Peck como o capitão Ahab. O herói aplica toda a sua vida marinheira na caça a uma baleia gigantesca, que, afinal caçada, arrasta-o consigo para o fundo do mar.

Há quem veja aí também a metáfora da vida: êxito e fracasso misturados. Se em O velho e o mar o pescador (papel de Spencer Tracy no cinema) chega só com o esqueleto do peixe, no romance de Melville a pesca é um objetivo em si, derrotar o animal que nos fascina e nos derrota (em nossa vitória).

O tema da viagem se tornou importante desde Marco Polo. Nesse caso, a viagem era a revelação de outros mundos, riquezas e glórias. Dizem que Marco Polo inventou tudo aquilo. Se inventou, o fez muito bem, pois até hoje viajamos na sua viagem. Igualmente, viajantes que vieram à América em busca do El Dorado também buscavam US$ 1 milhão, o bilhete premiado. E assim por diante.

Pensem em Robson Crusoé. Foi buscar numa ilha o que a ilha em que vivia (a Inglaterra) não lhe dava. Isso tem algo a ver com a Ilha do Tesouro, no romance de Robert Louis Stevenson. Ou seja, o “prêmio” está sempre alhures, distante, numa ilha misteriosa, lá na longínqua e nevada Nebraska ou nos reinos fabulosos da China, como dizia o veneziano Marco Polo.

Mas podemos ainda estabelecer outro paralelo. Desta vez com a lenda universal da qual Paulo Coelho se apropriou, e essa apropriação lhe rendeu um verdadeiro tesouro. Refiro-me à estória do indivíduo que sonhou que tinha que achar um tesouro. Ele sai procurando tal riqueza pelo mundo até que, voltando derrotado para casa, descobre que o tesouro estava no seu quintal.

Nebraska passa por essas questões todas e adiciona algo. O velho que saiu em busca do prêmio constata que não havia prêmio algum a ser recebido. Apenas um boné com propaganda. Mas graças a essa viagem inútil/útil, ele, o filho e até mesmo sua família se conheceram melhor. E o velho (fracassado) volta vitorioso graças ao filho, que transitou com ele entre a realidade e o sonho. Assim, desfila na pequena cidade com seu carro novo e o boné. Segue impávido e feliz. Não ganhou o prêmio pretendido, ganhou algo mais, algo que é a transformação da derrota numa vitória possível.

Um comentário:

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