domingo, 16 de março de 2014

PERFIL » Devagar, chegou longe [Guido Mantega]

PERFIL » Devagar, chegou longe 

Ministro da Fazenda desde 2006, o italiano Guido Mantega está prestes a se tornar o que mais durou no cargo em período democrático no Brasil. Sua influência é crescente 
 
Paulo Silva Pinto
Estado de Minas: 16/03/2014





Brasília – GM. Para qualquer burocrata que viva na sopa de siglas da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, essas duas letras significam poder. Seja em um memorando, um e-mail, ou mesmo na sinalização interna dos edifícios. Querem dizer gabinete do ministro. Mas, pela onipresença e por ser sinônimo de mando, bem que poderiam representar Guido Mantega. Além da presidente Dilma Rousseff, ninguém tem mais influência no governo do que o ítalo-brasileiro que nasceu em Genova em 1949 e chegou a São Paulo com 3 anos. Isso não ocorre apenas porque ele controla o Ministério da Fazenda, o principal dos 39 que existem hoje. Suas decisões extrapolam os limites do cargo. Espalham-se por outras pastas, estatais, fundos de pensão e, por meio deles, empresas privadas.
No próximo dia 27, Mantega vai completar oito anos no cargo. Ultrapassará Pedro Malan como o que mais tempo sentou-se na cadeira em governos democráticos. Considerados também períodos de autoritarismo, perderá apenas para o gaúcho Artur de Souza Costa, titular da Fazenda entre 1934 e 1945, quando Getúlio Vargas era presidente. Entre 1939 e 1941, porém, por 26 meses, ele entregou o comando do ministério a um interino, Romero Pessoa, sem contar outras licenças mais curtas. No almoço com empresários na semana passada, após a reunião sobre a MP 627, o assunto veio à tona – e Mantega lembrou o período que Souza Costa permaneceu afastado do cargo. Na contagem líquida, ele é o recordista de todas as épocas.
Em termos de influência, só fica atrás de Antonio Delfim Netto, que ocupou o cargo entre 1969 e 1974, nos governos Arthur da Costa e Silva e Emilio Garrastazu Medici – no mandato de João Figueiredo, de 1979 a 1985, viria a comandar sucessivamente as pastas da Agricultura e Planejamento. “Mas Delfim era praticamente o presidente do Brasil”, compara o economista Paulo Sandroni, que já dividiu uma sala com Mantega na Fundação Getúlio Vargas (FGV), onde o atual titular da Fazenda ainda é professor.

Paradoxalmente, Mantega é visto por muita gente como alguém que se limita a abaixar a cabeça para o que determina Dilma. “Em qualquer governo, o ministro da Fazenda faz o que o presidente manda”, explica Delfim, instalado hoje na sua consultoria, a Ideias, no bairro paulistano do Pacaembu. A frase de Delfim sintetiza a essência de um poder forte exercido por delegação. Só o conquista quem atua em sintonia perfeita com o primeiro mandatário, sem receio de ser ofuscado.
Mantega está quase todo dia na agenda de Dilma, para tratar de variados assuntos. Socorro ao setor elétrico? Chama-se o ministro da Fazenda. Negociação de acordos comerciais com outros países? Idem. E assim vai, da política industrial à agrícola. Pode-se argumentar que são temas que têm viés fiscal. Mas em outras épocas, a área econômica do governo não era ouvida em tantos detalhes das decisões.

Trajetória Em 2006, Mantega era presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) quando foi chamado para substituir o então ministro Antonio Palocci. Progressivamente, o novo titular da Fazenda foi ganhando a confiança do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, apesar da longa convivência entre ambos, mantinha dúvidas sobre a capacidade do ministro de comandar a economia. No segundo mandato de Lula, a política econômica assumiu feições bem mais intervencionistas.

Quando Dilma tornou-se candidata, teve de deixar não só a Casa Civil, mas também a Presidência do Conselho da Petrobras. Passou o assento a Mantega. Quando eleita, especulava-se que o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, poderia virar ministro da Fazenda. Mantega não apenas foi confirmado no cargo, como continuou a concentrar poder. Foi dele a palavra final sobre a escolha de Alexandre Tombini para a presidência do Banco Central.

Se Dilma for reeleita, Mantega continua no cargo? Ele tem dito que não quer. Mas as apostas, na política e no mercado, convergem para o nome que, se confirmado, embutirá o endosso de Mantega: o atual presidente do BC.

Bem me quer, mal me quer

Mantega enfrenta a resistência entre banqueiros e até entre empresários. Uns veem injustiça, outros querem sua saída

Paulo Silva Pinto e Vicente Nunes


O então presidente Lula discursa na posse do economista como ministro da Fazenda, em 2006. Ele chegou ao cargo apesar da rejeição entre bancos (Iano Andrade/CB/D.A Press %u2013 28/3/06)
O então presidente Lula discursa na posse do economista como ministro da Fazenda, em 2006. Ele chegou ao cargo apesar da rejeição entre bancos



Brasília – No início de 2002, quando Luiz Inácio Lula da Silva estava prestes a disputar o quarto pleito presidencial, seu principal conselheiro econômico, Guido Mantega, fez uma palestra a investidores em Nova York, seguida de sessão de perguntas. Ressaltou o histórico de responsabilidade fiscal de prefeituras e governos estaduais comandados por petistas. Mas não empolgou a plateia.
Só em junho daquele ano, com a “Carta ao povo brasileiro”, escrita pelo cientista político André Singer e assinada por Lula, a desconfiança se dissipou. Mas o mercado financeiro insistia para que Lula, se eleito, não escolhesse Mantega ministro da Fazenda. Assim foi feito. Quando o primeiro operário chegou ao poder no Brasil, o comando da economia foi entregue ao médico Antonio Palocci.

Resistem, 12 anos depois, as diferenças entre Mantega e a banca, sobretudo a do exterior. No país, ele segue distante do presidente da maior instituição privada, Roberto Setúbal, do Itaú. Já com o principal executivo do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, há empatia. Não por outra razão, ele foi escolhido por Mantega o interlocutor no sistema financeiro.

Quem minimiza esses entraves lembra que a oposição de banqueiros e parte dos empresários não impediram Mantega de chegar ao Ministério da Fazenda em 2006 e lá permanecer até hoje, por tempo recorde. “Há injustiça no julgamento do Guido. Ele é um homem competente”, afirma o ex-ministro Delfim Netto.

Uma boa medida para a eficiência do ministro da Fazenda é o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) que se consegue. Em oito anos, Pedro Malan teve média de 2,36%. Palocci, com apenas três anos completos, fechou com 3,03%. Mantega fica no topo do pódio: até agora, fez 3,45%. Mas o primeiro quadriênio dele, com média de 3,55%, foi superior ao segundo, com 3,35%. No ano passado, ficou em meros 2,3%.

O público, porém, não se atém a essa simples conta. “Mantega não apita nada”, afirma um executivo com alto cargo no mercado financeiro que pediu para não ser identificado. Ele acrescenta que o ministro tem dificuldades para expressar corretamente o que pensa. “Não é algo insuperável. Ele deveria optar por frases mais curtas, sucintas.”

Em junho de 2012, quando analistas do banco Credit Suisse reduziram a previsão de crescimento do PIB brasileiro para 1,5%, ele desdenhou. “É uma piada. Vai ser muito mais do que isso”, afirmou à época. No fim do ano, mesmo a estimativa do banco suíço revelou-se excessivamente otimista: a expansão da economia brasileira não passou de 0,9%.

Outro executivo de banco, também adepto do anonimato, vê nos defeitos de comunicação do ministro algo mais sério do que a dificuldade para se expressar. “Ele fala coisas polêmicas. Dá a impressão de que a política monetária depende de aval do Palácio do Planalto”, exemplifica. Para o executivo, mais do que mera incontinência verbal, o problema é resultado de um viés equivocado de pensamento. “Este é um governo que acredita em intervenção. O Mantega se encaixa nisso”, diz.

País vulnerável Para complicar ainda mais as coisas, o Brasil foi colocado, no mês passado, em segundo lugar em uma lista de 15 países vulneráveis que a presidente do Federal Reserve (Fed), Janet Yellen, apresentou ao Congresso norte-americano. Delfim vê aí um exemplo das injustiças sofridas pelo ministro. Ele viu nisso uma resposta à crítica feita por Mantega em 2011, quando disse que a desvalorização do real era causada pela injeção de recursos do Fed na economia dos Estados Unidos.

“No fundo, é uma espécie de vingança. Quando o Guido disse que tinha uma guerra cambial, aquilo amolou demais o Fed. Porque era verdade. Na primeira oportunidade, resolveram tirar um sarro. Construíram um índice que leva em conta seis indicadores ponderados. Então disseram: onde o Brasil é pior, eu aumento o peso. Onde o país é bom, eu reduzo. Aquilo não tem o menor valor. Mas o mercado acredita”, afirma o ex-ministro. Uma amostra dos problemas de imagem que ele enfrenta no exterior é que, no fim de 2012, a revista britânica The Economist defendeu a sua saída. No mês passado, foi a vez de outra publicação do país, o jornal Financial Times. “A saída dele faria toda diferença”, diz um executivo com alto cargo em um banco.

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