ENTREVISTA/LYA LUFT »
Vida em três tempos
A escritora gaúcha lança, no mês que vem, O tempo é um rio que corre, no qual reúne textos em prosa e poemas com reflexões sobre a infância, a juventude e a maturidade
Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 16/03/2014
Chamado por
ela de “irmão mais novo” de O rio do meio e de Perdas e ganhos, a
escritora Lya Luft está com novo trabalho, O tempo é um rio que corre,
que chega às livrarias de todo o país no início de abril, pela Editora
Record. O livro é dividido em três partes: “Águas mansas”, na qual
aborda temas relacionadas à infância; “Maré alta”, em que fala dos
tempos da juventude; e “A embocadura”, voltada a assuntos ligados à
maturidade, a perdas, inquietações e amores. O tempo é um rio que corre
traz ainda poemas, que vão se intercalando aos capítulos em prosa. Lê-lo
é fazer uma bela viagem ao coração da própria escritora, que não se
poupou nem teve medo de revelar lembranças, algumas muito íntimas, mas
generosamente compartilhadas com seus leitores, que provavelmente irão
se identificar com muitas delas, como deve ser em trabalhos desse
gênero. Nascida no interior do Rio Grande do Sul, autora de romances,
livros de poesia e infantojuvenis, que lhe deram prêmios importantes,
Lya Luft vem a BH lançar o novo livro em 28 de abril, no Palácio das
Artes. Em entrevista ao Estado de Minas ela fala de suas memórias, dos
diferentes momentos de sua vida e de sua relação sempre indignada com a
política brasileira, sobre a qual não deposita o menor otimismo.
“Precisamos deixar de vez o lado ideológico e cuidar do povo de
verdade”, reivindica.
Na primeira parte de O tempo é um rio que corre, você volta com muita sensibilidade aos dias da infância. Como foi a experiência? Chegou a ser dolorido escrever sobre essa fase?
Tive uma infância feliz, amorosa, protegida, casa grande, jardim imenso, rede no terraço, numa cidadezinha tranquila rodeada de morros azuis. Minha imaginação a mil me dava trabalho: por toda parte via duendes, fadas, mas também monstros. Nada dolorido, não sou nostálgica, minhas raízes mais doces estão ali e tudo no fundo continua em mim, de forma muito positiva.
Estas lembranças da infância costumam voltar? Pensa muito nelas?
Não se sei se penso muito. Mas tudo isso está no meu livro Mar de dentro, onde narro memórias dessa fase, dos 2 anos e meio até os 12. Foi tudo muito mágico, onírico. Não penso nela, mas a infância está em mim como um fundamento luminoso, cheia de coisas engraçadas.
Em O tempo é um rio que corre você conta a história de quando te mandaram para o internato e da sensação de abandono, de não ser amada pelos seus pais. Como foi isso?
Foi uma sensação horrorosa de exílio, de injustiça, ou de ter cometido coisas muito graves para ser tão punida: aos 11 anos, quando fui para o internato, eu era uma meninota super inocente, minhas malcriações eram não gostar dos afazeres domésticos – embora minha mãe sempre tivesse duas empregadas, era de bom tom saber bordar, arrumar armários, essas coisas. Mas eu era rebelde, detestava ser controlada... tudo bobagens. A experiência do internato foi muito negativa.
Por aqueles dias você já vislumbrava que algum dia poderia ser escritora?
Nunca pensei nisso, nem quando jovem adulta. Sempre fui apaixonada por livros. Meu pai, advogado, tinha uma grande biblioteca, não só de direito, mas de literatura brasileira, portuguesa, francesa. Lia tudo que podia, uma confusão, ao mesmo tempo que devorava gibis, romances água com açúcar e teatro grego. Jovem adulta passei a escrever crônicas para jornais e traduzir, publicar crônicas e livros de poesia. Mas nunca me considerei escritora, achava – e continuo achando – isso coisa séria. Só com meu primeiro romance, As parceiras, lançado quando tinha 40 anos, foi que passei a sentir que afinal eu tinha nascido era para isso.
Infância, juventude e maturidade. Qual dessas fases da vida, no seu entender, é mais perturbadora?
Sem dúvida a adolescência é complicada. Não ser nem adulta nem criança; ter de obedecer a muitas regras (minha educação era severa), mas eu queria liberdade, ainda que para não fazer nada. Por ter todo esse lado de um ambiente intelectual em casa, lendo, por exemplo, coisas que minhas amigas e amigos nem sonhavam, havia certa solidão. Meu pai era meu parceiro nesse território, ele me formou em grande parte. E eu escondia isso dos outros, era a bagunceira da sala de aula... Por sorte, dos 15 aos 19 anos tive um namorado muito legal, alegre, parceiro, que me ajudou muito a não me sentir sozinha.
No livro você fala com muito carinho do Vicente, seu atual companheiro. O que encontrar esse homem significou para você?
Eu estava com 64 anos, realizada, tranquila, rodeada de amigos e família. Depois de ter ficado viúva duas vezes não pensava em ter uma nova relação. Mas eu e Vicente já estamos juntos há 11 anos e tem sido uma parceria importante, acho que para os dois. Estamos construindo isso e provavelmente vamos juntos até o fim da vida, de alguma forma crescendo juntos. Tivemos vidas muito diferentes em termos de origem e educação. Mas temos muito em comum: sensibilidade, amor à vida, amor aos livros, música, viagens. Nossa relação tem dado muito certo. Cuidamos um do outro, respeitando nossos espaços (ele tem a casa dele, onde também está seu escritório) e eu também tenho meu canto. Está bem.
Como você está vendo o Brasil atualmente. Dá ainda para ter alguma esperança?
O Brasil está num processo de deterioração; a política e os governos comandados pela ideologia andando de ré. Venerar Castro e Chávez? Ironizar e criticar o “imperialismo e capitalismo?”. Que coisa atrasada, meu Deus! Precisamos deixar de vez o lado ideológico e cuidar do povo de verdade, com mais escolas, saúde, moradia, dignidade sem bondades, ética rigorosa... Será ou seria um longo caminho de transformação. Não estou muito otimista.
O tempo é um rio que corre
. De Lya Luft
. Editora Record, 142 páginas
"Um pouco de bom humor faz bem, sobretudo com o passar do tempo. Nada pior que velhos chatos, nostálgicos, cobradores e ansiosos venerando a deusa juventude. É patético" |
Na primeira parte de O tempo é um rio que corre, você volta com muita sensibilidade aos dias da infância. Como foi a experiência? Chegou a ser dolorido escrever sobre essa fase?
Tive uma infância feliz, amorosa, protegida, casa grande, jardim imenso, rede no terraço, numa cidadezinha tranquila rodeada de morros azuis. Minha imaginação a mil me dava trabalho: por toda parte via duendes, fadas, mas também monstros. Nada dolorido, não sou nostálgica, minhas raízes mais doces estão ali e tudo no fundo continua em mim, de forma muito positiva.
Estas lembranças da infância costumam voltar? Pensa muito nelas?
Não se sei se penso muito. Mas tudo isso está no meu livro Mar de dentro, onde narro memórias dessa fase, dos 2 anos e meio até os 12. Foi tudo muito mágico, onírico. Não penso nela, mas a infância está em mim como um fundamento luminoso, cheia de coisas engraçadas.
Em O tempo é um rio que corre você conta a história de quando te mandaram para o internato e da sensação de abandono, de não ser amada pelos seus pais. Como foi isso?
Foi uma sensação horrorosa de exílio, de injustiça, ou de ter cometido coisas muito graves para ser tão punida: aos 11 anos, quando fui para o internato, eu era uma meninota super inocente, minhas malcriações eram não gostar dos afazeres domésticos – embora minha mãe sempre tivesse duas empregadas, era de bom tom saber bordar, arrumar armários, essas coisas. Mas eu era rebelde, detestava ser controlada... tudo bobagens. A experiência do internato foi muito negativa.
Por aqueles dias você já vislumbrava que algum dia poderia ser escritora?
Nunca pensei nisso, nem quando jovem adulta. Sempre fui apaixonada por livros. Meu pai, advogado, tinha uma grande biblioteca, não só de direito, mas de literatura brasileira, portuguesa, francesa. Lia tudo que podia, uma confusão, ao mesmo tempo que devorava gibis, romances água com açúcar e teatro grego. Jovem adulta passei a escrever crônicas para jornais e traduzir, publicar crônicas e livros de poesia. Mas nunca me considerei escritora, achava – e continuo achando – isso coisa séria. Só com meu primeiro romance, As parceiras, lançado quando tinha 40 anos, foi que passei a sentir que afinal eu tinha nascido era para isso.
Infância, juventude e maturidade. Qual dessas fases da vida, no seu entender, é mais perturbadora?
Sem dúvida a adolescência é complicada. Não ser nem adulta nem criança; ter de obedecer a muitas regras (minha educação era severa), mas eu queria liberdade, ainda que para não fazer nada. Por ter todo esse lado de um ambiente intelectual em casa, lendo, por exemplo, coisas que minhas amigas e amigos nem sonhavam, havia certa solidão. Meu pai era meu parceiro nesse território, ele me formou em grande parte. E eu escondia isso dos outros, era a bagunceira da sala de aula... Por sorte, dos 15 aos 19 anos tive um namorado muito legal, alegre, parceiro, que me ajudou muito a não me sentir sozinha.
No livro você fala com muito carinho do Vicente, seu atual companheiro. O que encontrar esse homem significou para você?
Eu estava com 64 anos, realizada, tranquila, rodeada de amigos e família. Depois de ter ficado viúva duas vezes não pensava em ter uma nova relação. Mas eu e Vicente já estamos juntos há 11 anos e tem sido uma parceria importante, acho que para os dois. Estamos construindo isso e provavelmente vamos juntos até o fim da vida, de alguma forma crescendo juntos. Tivemos vidas muito diferentes em termos de origem e educação. Mas temos muito em comum: sensibilidade, amor à vida, amor aos livros, música, viagens. Nossa relação tem dado muito certo. Cuidamos um do outro, respeitando nossos espaços (ele tem a casa dele, onde também está seu escritório) e eu também tenho meu canto. Está bem.
Como você está vendo o Brasil atualmente. Dá ainda para ter alguma esperança?
O Brasil está num processo de deterioração; a política e os governos comandados pela ideologia andando de ré. Venerar Castro e Chávez? Ironizar e criticar o “imperialismo e capitalismo?”. Que coisa atrasada, meu Deus! Precisamos deixar de vez o lado ideológico e cuidar do povo de verdade, com mais escolas, saúde, moradia, dignidade sem bondades, ética rigorosa... Será ou seria um longo caminho de transformação. Não estou muito otimista.
O tempo é um rio que corre
. De Lya Luft
. Editora Record, 142 páginas
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