quarta-feira, 5 de março de 2014

FERNANDO BRANT » O golpe‏

FERNANDO BRANT » O golpe
Estado de Minas: 05/03/2014





Tinha 17 anos e acompanhava com muito interesse a movimentação política. Lia jornais, ouvia rádio e vi, ao vivo, pela televisão, o comício do dia 13 de março, no Rio de Janeiro. Estudava no Colégio Estadual, instituição pública de ensino exemplar. Nos intervalos e nas salas de aula, as conversas sobre cultura e arte, o olhar sorrateiro para as meninas que subiam e desciam pela rampa dominavam o ambiente e foram o ponto de partida para o que sou hoje.

Passando a semana santa em Diamantina, recebia assustado os rumores de uma possível quartelada, enquanto dom Sigaud abençoava os frequentadores dos botequins da cidade. Voltamos para Belo Horizonte a tempo de acompanhar de casa os acontecimentos. Na Rádio Nacional, os amados artistas pregavam a legalidade. Na Rádio Inconfidência, destoando, animadores de auditório apoiavam a ação dos golpistas.

Triste, chorei e sofri com o resultado final. “Minhas lágrimas continuam justas”, escreveria alguns anos depois para o final do filme Jango, de Sílvio Tendler. Vinte e um anos depois dessa desgraça que se abateu sobre os brasileiros, teria meu momento de desforra quando, diretor artístico da rádio pública de Minas, com alegria e muito trabalho, junto com os radialistas e jornalistas, colocamos no ar, durante todo o dia, a festa da vitória no colégio eleitoral, que trazia de volta a esperança e a democracia. Como nem tudo é perfeito e a vida nos prega peças indesejáveis, acabamos tendo de engolir o sapo Sarney.

A cultura me alimentou durante esse período de repressão e escuridão. Com espetáculos poéticos que nos inflamavam, vindos do Rio, São Paulo ou nascidos aqui mesmo, o teatro carregava nossas baterias para que suportássemos os tempos que se anunciavam. Música, cinema e literatura eram um saboroso combustível para o quase menino que eu ainda era. Havia o trabalho, a faculdade, os amigos e as passeatas que percorriam as ruas da cidade em protesto.

Em 1968, quando vieram o AI-5 e o Decreto 477, o ato institucional contra a liberdade na educação, a coisa piorou. Senti isso de modo profundo quando voltei às aulas no início de 1969. Tudo era vazio e silêncio. Fomos levando nossas vidas na resistência pacífica, eu já escrevia canções nesta época, mas muitos daqueles jovens que beiravam os 20 anos acabaram empurrados para a luta clandestina, o que resultou em muita morte.

Tempos de desespero aqueles, que devem ser lembrados para que não mais ocorram. Ditaduras e ditadores, sob qualquer pretexto ou ideologia, merecem desprezo, repulsa e nojo.

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