Confissões em público
Socióloga investiga o que motiva as pessoas a contarem seus problemas íntimos
em programas de rádio e televisão. A vontade de ouvir a opinião de um especialista
e o desejo de receber atenção ou de sentir-se aprovado estão entre as razões
Vilhena Soares
Estado de Minas: 20/04/2014
Brasília – Ao
zapear pelos canais de televisão, não é raro o espectador se deparar com
homens e mulheres comuns discutindo, sem constrangimento, questões
íntimas diante da plateia e das câmeras. O que as leva a se expor dessa
maneira? Essa pergunta, que passa pela cabeça de muitos, foi feita
também pela socióloga da Universidade de São Paulo (USP) Maíra Muhringer
Volpe, que decidiu investigar a motivação dessas pessoas durante seu
doutorado. Durante o estudo, ela percebeu que a recompensa financeira
que algumas dessas atrações oferecem não é a única – nem mesmo a
principal – causa da participação. A vontade de ouvir a opinião de um
especialista, sentir-se aprovado por terceiros ou mesmo ter visibilidade
aparecem como razões mais mencionadas pelos entrevistados.
Maíra explica que a ideia para a pesquisa surgiu na época do mestrado, quando ela estudou a literatura de autoajuda. “Nessa pesquisa anterior, analisei como os especialistas ensinavam os pais a lidarem com os filhos por meio de colunas de jornais e revistas, livros, palestras e programas de televisão. Dessa forma, vi como a simplificação do discurso científico – veiculado ao grande público – ganhava força”, lembra. “No meu doutorado, fui buscar outros discursos”, explica.
Durante três anos, ela visitou os estúdios onde duas atrações televisivas desse tipo eram gravadas e o teatro que servia à produção de um programa de rádio semelhante. Maíra concluiu que, muito além da motivação financeira, os participantes buscavam ouvir opiniões sobre seus problemas pessoais. “O que eles recebiam para participar (na tevê) era uma quantia pequena. Percebi, com as entrevistas, que motivações mais fortes existiam. Muitas pessoas, por exemplo, queriam mostrar para terceiros como estavam bem em determinada situação, que nem estavam envolvidos no problema a ser discutido no palco. Também encontrei casos de participantes que aspiravam a uma carreira artística e achavam que aquela participação enriqueceria seu currículo”, conta.
Além dessas motivações, a pesquisadora relata que muitas pessoas tinham a necessidade de expor seus problemas aos psicólogos que fazem parte dos programas, pois acreditavam na legitimidade de seus comentários para ratificar posturas ou decisões tomadas. “Vi casos em que o convidado buscava ter seu comportamento aprovado não somente pelo psicólogo, mas também pela apresentadora. Por serem ícones, essas figuras têm grande legitimidade para quem busca orientação”, explica.
Diferenças Os programas de auditório que usam como mote principal problemas íntimos de pessoas comuns existem há algumas décadas e fazem sucesso também em outros países. No entanto, a socióloga encontrou traços particulares nas produções brasileiras. “Não exploro a fundo em minha pesquisa esses diferenciais. Contudo, pude notar que, em programas franceses do começo dos anos 1990, apesar de os temas serem semelhantes, o tratamento era mais psicologizado, a conversa tinha mais espaço, e a participação do psicólogo era mais longa. No Brasil, a criação de intrigas pesa mais”, destaca.
A autora do estudo vê também diferenças entre os programas de televisão e o de rádio que analisou. “Os convidados na tevê são mostrados como ‘barraqueiros’, pessoas que não sabem conversar, ‘estouradas’, ‘folgadas’. No programa de rádio, existe uma maior legitimação social para as pessoas falarem de si e de seus problemas”, analisa.
Para Adriana Wagner, psicóloga e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a pesquisa de Maíra Volpe aborda um tema rico, que leva a reflexões importantes sobre o comportamento humano. “O trabalho é muito interessante, pois revela aspectos da vida íntima das pessoas que a mídia explora e manipula, sob uma ética muito questionável, pois, segundo a pesquisa, muitas pessoas estão ali por necessidades econômicas e de reconhecimento social”, destaca.
Adriana acrescenta que o trabalho traz dados importantes sobre os bastidores desses programas. “As causas (que levam alguém a participar) não são aquilo que aparece, mas, principalmente, aquilo que não aparece na televisão. O trabalho revela facetas do comportamento humano, mas, sobretudo, denuncia o que se tem feito com o sofrimento das pessoas na dita ‘era moderna’. Há uma mercantilização e banalização da intimidade e do sofrimento”, completa.
A psicóloga Maraci Santana observa que existe hoje uma vontade maior de debater problemas com especialistas. “Durante muitos anos, as pessoas achavam que seus problemas só poderiam ser resolvidos em casa. Nessas situações, a pessoa que comandava, por poder aquisitivo ou por hierarquia, sempre vencia. Agora, isso já muda. Elas querem a opinião de um especialista, de um mediador. Essa motivação podemos enxergar também nesses programas”, avalia. Ela acredita que essas atrações na tevê e no rádio possam também servir como uma alavanca e um apoio para quem não tem coragem de se expressar. “Muitas vezes, há barreiras dentro de casa, como no caso da homossexualidade. Assim, o apoio de um público e a visão de fora pode ser de grande importância.”
Maíra explica que a ideia para a pesquisa surgiu na época do mestrado, quando ela estudou a literatura de autoajuda. “Nessa pesquisa anterior, analisei como os especialistas ensinavam os pais a lidarem com os filhos por meio de colunas de jornais e revistas, livros, palestras e programas de televisão. Dessa forma, vi como a simplificação do discurso científico – veiculado ao grande público – ganhava força”, lembra. “No meu doutorado, fui buscar outros discursos”, explica.
Durante três anos, ela visitou os estúdios onde duas atrações televisivas desse tipo eram gravadas e o teatro que servia à produção de um programa de rádio semelhante. Maíra concluiu que, muito além da motivação financeira, os participantes buscavam ouvir opiniões sobre seus problemas pessoais. “O que eles recebiam para participar (na tevê) era uma quantia pequena. Percebi, com as entrevistas, que motivações mais fortes existiam. Muitas pessoas, por exemplo, queriam mostrar para terceiros como estavam bem em determinada situação, que nem estavam envolvidos no problema a ser discutido no palco. Também encontrei casos de participantes que aspiravam a uma carreira artística e achavam que aquela participação enriqueceria seu currículo”, conta.
Além dessas motivações, a pesquisadora relata que muitas pessoas tinham a necessidade de expor seus problemas aos psicólogos que fazem parte dos programas, pois acreditavam na legitimidade de seus comentários para ratificar posturas ou decisões tomadas. “Vi casos em que o convidado buscava ter seu comportamento aprovado não somente pelo psicólogo, mas também pela apresentadora. Por serem ícones, essas figuras têm grande legitimidade para quem busca orientação”, explica.
Diferenças Os programas de auditório que usam como mote principal problemas íntimos de pessoas comuns existem há algumas décadas e fazem sucesso também em outros países. No entanto, a socióloga encontrou traços particulares nas produções brasileiras. “Não exploro a fundo em minha pesquisa esses diferenciais. Contudo, pude notar que, em programas franceses do começo dos anos 1990, apesar de os temas serem semelhantes, o tratamento era mais psicologizado, a conversa tinha mais espaço, e a participação do psicólogo era mais longa. No Brasil, a criação de intrigas pesa mais”, destaca.
A autora do estudo vê também diferenças entre os programas de televisão e o de rádio que analisou. “Os convidados na tevê são mostrados como ‘barraqueiros’, pessoas que não sabem conversar, ‘estouradas’, ‘folgadas’. No programa de rádio, existe uma maior legitimação social para as pessoas falarem de si e de seus problemas”, analisa.
Para Adriana Wagner, psicóloga e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a pesquisa de Maíra Volpe aborda um tema rico, que leva a reflexões importantes sobre o comportamento humano. “O trabalho é muito interessante, pois revela aspectos da vida íntima das pessoas que a mídia explora e manipula, sob uma ética muito questionável, pois, segundo a pesquisa, muitas pessoas estão ali por necessidades econômicas e de reconhecimento social”, destaca.
Adriana acrescenta que o trabalho traz dados importantes sobre os bastidores desses programas. “As causas (que levam alguém a participar) não são aquilo que aparece, mas, principalmente, aquilo que não aparece na televisão. O trabalho revela facetas do comportamento humano, mas, sobretudo, denuncia o que se tem feito com o sofrimento das pessoas na dita ‘era moderna’. Há uma mercantilização e banalização da intimidade e do sofrimento”, completa.
A psicóloga Maraci Santana observa que existe hoje uma vontade maior de debater problemas com especialistas. “Durante muitos anos, as pessoas achavam que seus problemas só poderiam ser resolvidos em casa. Nessas situações, a pessoa que comandava, por poder aquisitivo ou por hierarquia, sempre vencia. Agora, isso já muda. Elas querem a opinião de um especialista, de um mediador. Essa motivação podemos enxergar também nesses programas”, avalia. Ela acredita que essas atrações na tevê e no rádio possam também servir como uma alavanca e um apoio para quem não tem coragem de se expressar. “Muitas vezes, há barreiras dentro de casa, como no caso da homossexualidade. Assim, o apoio de um público e a visão de fora pode ser de grande importância.”
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