Zero Hora - 20/04/2014
Os dois namorados estavam dentro do carro, à noite, estacionados em
frente ao prédio da excelentíssima, discutindo a relação. Discutindo
mesmo, aos berros, brigando. Em meio a algum pra mim chega!, surgiram
dois meliantes armados e interromperam aquele bate-boca. Transferiram os
namorados para o banco de trás e saíram em disparada com eles:
sequestro relâmpago. Rodaram a cidade durante 50 minutos, fizeram saques
em caixas eletrônicos, até que os levaram para um lugar ermo, no meio
do mato.
Duas coronhadas, uma em cada um, rostos sangrando, mas era pouco:
despiram os dois, deixando-os apenas com a roupa de baixo, e os
amarraram em troncos de árvores. Não houve agressão sexual, mas não se
pode dizer que foi um passeio no bosque. Em plena madrugada, abandonaram
o casal imobilizado e seguiram com o carro do rapaz rumo à impunidade
garantida.
Restou o silêncio. Assustados, os dois tentaram, tentaram de novo, e
conseguiram, finalmente, se desamarrar. Livres, sozinhos, sem saber
onde estavam, olharam um para o outro e tiveram um ataque de riso. Ele a
abraçou fortemente e só conseguiu dizer duas palavras: “Casa comigo”.
Aconteceu mesmo. Quem me contou, olho no olho, foi a protagonista
feminina da história. Eu não conseguiria imaginar pedido de casamento
mais romântico. Sem vinho, sem luz de velas e sem anel de brilhantes –
um pedido movido simplesmente pela emergência da vida, pela busca de uma
felicidade genuína, pela supressão da razão em detrimento da emoção
verdadeira.
Estavam para morrer, os dois. Foram unidos pelo mesmo pensamento
desde que foram surpreendidos por dois estranhos armados: acabou. Não
tem mais por que discutir a relação. Não tem mais relação. Não tem mais
manhã seguinte. Não tem mais futuro. Acabou. Que perda de tempo. Para
que brigar? Para que se estressar com ciúmes, com queixas, com mágoas?
Acabou.
E então descobrem que não acabou. Desamarram-se, estão nus por fora e
por dentro, despidos de qualquer racionalidade, apenas aliviados com o
desfecho da aventura e absolutamente tomados pela potência do que é
essencial na vida. O amor.
Casa comigo.
Estão casados há 10 anos. Não sei se plenamente felizes. É provável
que os motivos dos ciúmes e das queixas e de tudo aquilo que explodiu
naquela discussão dentro do carro antes do sequestro tenha se repetido
outras vezes. A realidade impõe os seus caprichos. Obriga a gente a
pensar e manter a sanidade. Maldita sanidade.
Mas houve um momento em que eles não pensaram. Só sentiram. Sentiram
tudo. Sentiram sem amarras. Sentiram soltos. Sentiram livres. Pura
emoção. E a emoção se impôs: casa comigo. Tiveram os piores padrinhos do
mundo: a violência e o medo. Mas que beijo deve ter sido dado ali no
meio do nada.
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