sexta-feira, 9 de maio de 2014

Eduardo Almeida Reis - Heranças‏

Uma propriedade de 500 hectares dividida por 10 filhos resulta em diversos sítios com área média de 50 hectares, de água e acesso problemáticos
 

Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 09/05/2014





Na roça há heranças muito divertidas. Fui vizinho de uma fazenda herdada por cinco filhos, já de certa idade, com suas mulheres e famílias. Casa colonial muito bonita, de dois andares, 450 hectares de terras de boa qualidade, se bem que amorreadas, usina hidrelétrica própria de 10 kWA no rio que corta a propriedade. Numa fazenda, usina própria de 10 kWA é muito útil.

Digamos que os cinco herdeiros fossem da família Silva, que ainda tenho amigos entre os brigões. Dividiram a casa por cinco, deixando os corredores e a imensa mesa de jantar como partes comuns. Construíram anexo entijolado, comprido e pavoroso, coberto de laje, com seis cozinhas enfileiradas: uma “da fazenda” e mais cinco, lado a lado, com os respectivos armários de mantimentos, uma para cada família.

Antiga máquina de café, prédio de época, funcionava como estábulo. Cada herdeiro tinha suas vacas e tirava um leitinho mandado para a cooperativa em latões separados. Pormenor curioso: nas partes comuns da casa, corredores e escadas, apesar da hidrelétrica própria, não havia luz. Nenhum dos herdeiros era “bobo” de comprar lâmpadas para iluminar a circulação de irmãos, cunhados e sobrinhos.

Mas a sala de jantar tinha lâmpadas, presumo que rateadas entre as cinco famílias, que usavam a mesa imensa para fazer suas refeições e proporcionavam às visitas espetáculo inesquecível, uma espécie de guerra de doces e salgados.

Explico. Não me lembro como era o banheiro da imensa casa, se é que havia. Volto à construção pavorosa, onde fizeram seis cozinhas, para lhes contar que cada uma das famílias caprichava nos doces, salgados, bolinhos, empadas, pães e biscoitos para consumo próprio. Contudo, quando havia visitas – e tive oportunidade de visitá-las duas vezes – as cinco famílias bombardeavam o visitante com os seus quitutes, numa guerra para ver qual das mulheres sabia cozinhar melhor.

Em 1972, os cinco venderam a fazenda por US$ 120 mil. Era bom dinheiro, muito mais do que os atuais R$ 276 mil, mas ainda assim não deixava ninguém rico. Cada família recebeu US$ 24 mil. Tenho uma referência para os US$ 120 mil em 1972: era o saldo médio, no BB, da conta pessoal de um jovem advogado amigo meu. O rapaz andava “bem de vida”, trocava de carro importado quatro vezes por mês, era rico para padrões de nossa turma. Ainda assim, não era dinheiro do outro mundo e foi o total dividido pelos cinco herdeiros quituteiros.

Em Minas, as heranças servem para lotear fazendas. Uma propriedade de 500 hectares dividida por 10 filhos resulta em diversos sítios com área média de 50 hectares, de água e acesso problemáticos. Uma segunda fornada de herdeiros inviabiliza tudo, surgem casas modestíssimas das quais os irmãos, a distâncias razoáveis, se veem e se odeiam.

O mundo é uma bola

9 de maio: faltam 236 dias para acabar o ano. Em 1386 foi assinada a Aliança Luso-Britânica entre Portugal e Inglaterra, a mais antiga aliança diplomática ainda em vigor. Queixam-se os portugueses de que a aliança foi sempre mais proveitosa para os ingleses, de maior poder econômico e político, se bem que no período posterior aos descobrimentos Portugal tenha sido potência internacional de peso. Hoje, a aliança praticamente não é invocada, ainda que se mantenha. Ao longo da história, contudo, teve consequências importantes quando Portugal se pôs diante das tropas napoleônicas, recusando o Bloqueio Continental incompatível com os termos do pacto assinado em 1386.

Em 1605, Miguel de Cervantes y Saavedra publica a primeira parte de Don Quijote de La Mancha. A segunda parte foi publicada em 1615. Cervantes morreu em 1616, no mesmo dia em que Shakespeare esticou as botas. Figuras solares das línguas castelhana e inglesa, é pouco provável que um tenha tido notícia do outro e vice-versa ao contrário. Hoje, se uma celebridade joga vôlei em Ipanema, você fica sabendo na hora.

Em 1766, John Byron regressa de uma viagem de circum-navegação. Byron comandou a fragata Dolphin, de 1764 a 1766, em busca de novos continentes. Em setembro de 1764 aportou no Rio de Janeiro, onde, em vez de visitar uma favela pacificada ou tomar um drinque em Ipanema, constatou que as nossas fortificações estavam deterioradas. Assim como aconteceria com James Cook, os tripulantes não tiveram licença para desembarcar e ficaram na embarcação. Em homenagem ao navegador, o ponto mais oriental da Austrália chama-se Cabo Byron.

Em 1901, a Austrália instala em Melbourne o seu primeiro parlamento. A primeira reunião do parlamento australiano em Canberra seria realizada em 1927, também no dia 9 de maio. Sou capaz de apostar que na Austrália o parlamento se compõe de gente alfabetizada e decente.

Em 1950 foi apresentada uma proposta conhecida como Declaração de Schuman, considerada o começo daquela que é hoje a União Europeia. Em 1960, autorizada pelo governo a venda de anticoncepcionais nos Estados Unidos. Em 1982, inaugurado em São Paulo o Terminal Rodoviário Tietê, o maior da América Latina e o segundo maior do mundo. Hoje, em Esperantina, Piauí, é o Dia do Orgasmo.

Ruminanças

“Rir de tudo que é original, odiá-lo, zombar dele e exterminá-lo se possível” (Flaubert, 1821-1880).

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