domingo, 1 de junho de 2014

As hidrelétricas e a conta de luz - Sérgio Malta

Estado de Minas: 01/06/2014 04:00



O setor elétrico brasileiro vem enfrentando desde outubro de 2012 uma das piores crises hidrológicas dos últimos 60 anos, crise que se prolonga até os dias atuais e pode ser medida por duas variáveis: volume de chuvas e nível dos reservatórios. Em relação às chuvas, o setor elétrico brasileiro faz um acompanhamento sistemático desde 1932, permitindo a construção do que se denomina tecnicamente por série histórica das afluências: quantidade de chuvas que ocorreram em todas as bacias e rios que têm aproveitamentos hidroelétricos.

A quantidade das chuvas medida é transformada em quantidade de energia elétrica que pode ser gerada. Assim, com base nesses dados pode-se comparar o quanto choveu em um determinado período com a média da série histórica. Essa comparação é importante para medir o impacto das chuvas sobre o volume das águas dos reservatórios. Os reservatórios têm um papel estratégico no setor elétrico, dado que eles representam um estoque de energia elétrica que pode ser usado ao longo do ano para atender os momentos em que chove menos.

A gravidade da crise hidrológica no primeiro trimestre de 2014 pode ser medida pelo fato de que nas duas mais importantes regiões elétricas do país – Sudeste e Nordeste – choveu respectivamente 52% e 43% em relação à média histórica. E como o calor bateu recordes de temperatura, o consumo de energia elétrica também bateu recordes, em função do uso dos aparelhos de ar condicionado. Como resultado dessa situação anormal e crítica, todas as usinas termelétricas de que o setor dispõe estão sendo acionadas a plena carga. Como resultado da crise hidrológica, há um aumento substancial no custo da energia elétrica consumida, dado que as usinas termelétricas para operarem precisam de gás natural, óleo combustível ou diesel, que são insumos muito mais caros do que a água dos reservatórios. Como as termelétricas estão sendo operadas desde outubro de 2012, a conta dos combustíveis assumiu proporções bilionárias, provocando forte desequilíbrio financeiro nas distribuidoras, pois elas têm que pagar adiantado o custo extra das termelétricas.

As tarifas das distribuidoras são reajustadas uma vez por ano, quando são estimados os gastos da compra de energia elétrica de diferentes fontes, sempre priorizando as mais baratas. Como previsões de tempo e de chuva são variáveis muito incertas, as previsões feitas ficaram bem acima do que está ocorrendo efetivamente. As distribuidoras são um importante segmento da cadeia produtiva, já que é por meio delas que se inicia o fluxo de pagamento financeiro de toda a cadeia produtiva do setor. Como a crise hidrológica está provocando um forte desequilíbrio financeiro das distribuidoras, colocando em risco todo o setor, o governo, entendendo corretamente a gravidade da situação, adiantou em 2013 recursos do Tesouro Nacional para as distribuidoras pagarem as contas, criando um crédito junto aos consumidores, que terão que pagar esses valores em prestações pelos próximos cinco anos.

Para 2014, com o agravamento da crise hidrológica, o governo teve que buscar outra solução para suportar os pesados gastos das termelétricas, dado que o uso de recursos do Tesouro comprometia o superávit primário, variável macroeconômica estratégica. A solução foi obter empréstimo junto aos principais bancos do sistema financeiro através da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), repassando às distribuidoras mensalmente os recursos necessários para cobrir as despesas extraordinárias. Esse empréstimo será pago pelos consumidores nos próximos três anos.

A decisão do governo de adotar esses procedimentos financeiros inovadores deve-se ao impacto que um verdadeiro “tarifaço” iria provocar sobre as atividades produtivas e o poder aquisitivo das famílias, diretamente, via aumento da energia elétrica e, pior, indiretamente, pelo aumento da inflação. Esse momento crítico que o setor elétrico está vivendo indica a necessidade de o governo rever sua política de expansão da capacidade instalada, pois a decisão de construir somente usinas hidrelétricas sem reservatórios e contratar usinas termelétricas que operam com combustíveis muito caros precisa ser revista rapidamente. O consumo de energia elétrica no Brasil deve crescer a taxas significativas nos próximos anos e, portanto, é hora de se pensar seriamente em retomar projetos de hidrelétricas com reservatórios plurianuais e examinar a construção de usinas nucleares.

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