Sempre fico insegura na hora de intitular o que escrevo. Meus poemas nunca tiveram título. Nos livros, é a última coisa que escolho (em meio a dúvidas infinitas). E os das colunas refletem a minha preguiça: deveria me esforçar mais para atrair a atenção do leitor, mas depois de já ter me dedicado o suficiente na elaboração do texto, o título é praticamente um resumo do assunto tratado, sem nenhuma acrobacia literária ou jornalística.
Isso explica o fato de eu admirar a simplicidade do título de inúmeras telas expostas nos museus do mundo. São praticamente legendas: Vista de Paris do Apartamento de Theo é o nome do quadro em que Van Gogh mostra os telhados que seu irmão, Theo, vislumbrava todos os dias, ou Campo de Trigo com Cotovia, onde o mesmo Van Gogh, com suas pinceladas geniais, mostra o quê? Um campo de trigo sendo sobrevoado por uma cotovia. Nenhuma charada, nenhuma metáfora, nenhuma gracinha. Van Gogh pintou a si mesmo usando um chapéu de feltro: qual o nome da tela? Autorretrato com chapéu de Feltro. Para que inventar?
É como se a obra dissesse: acredite no que você está vendo. Jovem Camponesa com uma Enxada (Jules Breton), Casa ao Lado da Ferrovia (Edward Hopper), Criança Brincando com um Caminhão (Picasso). Não há dúvida, você está vendo uma camponesa, uma casa, uma criança. E a partir daí, está liberado para descobrir que aquela camponesa é especial, com seu dedo apoiado na face, pensativa em meio ao descanso da lida. E que aquela casa não é uma casa qualquer, mas um ícone da solidão rural diante do crescente progresso. E que aquela criança brincando com um caminhão não é um menino, e sim uma menina, e que os traços decorativos atrás dela não fazem parte de um papel de parede: representam um jardim.
“O título está ali apenas para nos pegar
pela mão e nos levar para dentro — de um
quadro, de um texto ou até da vida de alguém”
O nome que damos às coisas é apenas um identificador sem maior importância. O que importa é nosso olhar e nosso foco: tudo é único. Cada coisa, cada pessoa, cada gesto, cada segundo é rico de significados e irreproduzível.
Mulher Deitada Lendo. Pelo menos uns 279 artistas poderão pintar um quadro com esse título e veremos 279 representações individuais sobre o mesmo tema. Até mesmo um traço horizontal com um asterisco na ponta pode significar uma mulher deitada lendo.
O título está ali apenas para nos pegar pela mão e nos levar para dentro – de um quadro, de um texto ou até da vida de alguém. Não por acaso, é a primeira coisa que perguntamos diante de um desconhecido: qual o seu nome? E a partir dali aquela Maria Fernanda ou aquele João Paulo terão nos dado a senha para criarmos uma história da qual faremos parte também.
Você pode me ver agora? Uma mulher escrevendo enquanto toma chá de maçã. Sim, é de maçã. Como não é uma tela, e sim uma página de jornal, não pude me alongar. Mas a partir desse título simplório você pulou para o lado de cá.
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