EM DIA COM A PSICANáLISE »
Quem somos nós?
Regina Teixeira da Costa
Estado de Minas: 27/07/2014
Regina Teixeira da Costa
Estado de Minas: 27/07/2014
“Há um tempo em que é
preciso abandonar as roupas usadas,/ que já têm a forma do nosso
corpo,/ e esquecer os nossos caminhos,/ que nos levam sempre aos mesmos
lugares./ É o tempo da travessia:/ e, se não ousarmos fazê-la,/ teremos
ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.” (Fernando Pessoa)
E será que não vivemos à margem de nós mesmos sempre? Como saber se nossas escolhas e decisões são mesmo feitas de acordo com nosso desejo mais íntimo, se não somos apenas joguetes impulsionados por um cérebro cujas reações físico-químicas comandam mais do que jamais suspeitamos?
Essa é a certeza dos fisicalistas que acreditam que o cérebro comanda totalmente o comportamento. E muitos médicos e tantas pessoas acreditam nisso. Para estes, o livre-arbítrio é pura balela. O livro de Eduardo Giannetti, A ilusão da alma. Biografia de uma ideia fixa (Companhia das Letras, 2010), expõe a discussão da relação mente-cérebro. Ele sobreviveu a um tumor cerebral e relata como se tornou um fisicalista numa narrativa cativante.
O livro traz exemplos de alterações de comportamento e do surgimento de certas taras e bizarrices em paciente com tumores cerebrais que, extirpados, devolvem o doente a seu estado de equilíbrio. Mas será que isso prova que somos apenas resultado de processos cerebrais?
Na psicanálise também não acreditamos em livre-arbítrio. Não por sermos fisicalistas, mas porque acreditamos ser dirigidos por uma ficção inconsciente da qual nada sabemos. Vivemos alienados sobre nós mesmos.
Somos dotados de um inconsciente e pouco sabemos sobre o que nos move. Nossas escolhas são feitas fora da consciência. Podemos viver ignorando o próprio desejo e nossa verdade mais íntima. As análises nos surpreendem e reposicionam.
Nosso romance familiar é o cenário em que estamos mergulhados e o interpretamos conforme nossa visão infantil. Deduzimos nossa posição subjetiva do que vivemos em relação a nossos pais. Como disse Giannetti, o intelecto odeia vácuos, precisamos de explicações e as criamos.
Nem sempre como sujeitos. Crianças estão assujeitadas ao outro e alienadas do desejo desse outro. E nessa alienação permanecemos sem nem sequer suspeitar. Mais tarde, os sintomas apontarão o descentramento radical entre nosso eu e o sujeito do inconsciente que nos habita.
A crença no que somos vem da nossa criação frente à angústia do real. Um real que é ido. É real porque ocorreu e nunca antes ou futuramente. Fazemos a ficção de nossa vida e ela é muito mais uma “fixão”, com x, porque nos obtura num sentido cego, tudo estará contaminado por ela. Então, podemos dizer que temos livre-arbítrio?
Não! Passamos a vida acreditando nas nossas fantasias infantis, das quais nem sempre nos damos conta conscientemente, até que façamos uma análise a partir do mal-estar que advém dessa posição alienada.
Porque o mal-estar vem do sintoma, que nos leva à pergunta sobre quem somos e o que queremos. Por que me sinto mal? O que ocorre comigo? A divisão subjetiva é inegável: consciente e inconsciente. Eu e o que ignoro de mim.
O filme Cria cuervos, de 1976, dirigido por Carlos Saura, mostra as reflexões de uma mulher triste, depressiva. Quando criança, deseja livrar-se do padrasto para ter a atenção exclusiva da mãe. Um dia, numa limpeza na casa, a mãe lhe dá um envelope com um pó branco e diz: “Cuidado, joga fora que isso é veneno”.
Claro, a criança guardou e, ao levar um copo de água para o padrasto, dissolveu a substância na água. Era bicarbonato. Mas ela acreditava ser veneno. O padrasto morreu naquela noite de um infarto, deixando a criança para sempre culpada e melancólica por um crime inconfessável.
Como conclusão do processo analítico, encontramos novas posições possíveis se deixamos cair as “fixões” para, como sujeito, conhecer um pouco mais sobre o desejo, e isso nos faz crer que não começamos e terminamos apenas em reações bioquímicas. Eu recomendo. O filme, o livro e análise.
E será que não vivemos à margem de nós mesmos sempre? Como saber se nossas escolhas e decisões são mesmo feitas de acordo com nosso desejo mais íntimo, se não somos apenas joguetes impulsionados por um cérebro cujas reações físico-químicas comandam mais do que jamais suspeitamos?
Essa é a certeza dos fisicalistas que acreditam que o cérebro comanda totalmente o comportamento. E muitos médicos e tantas pessoas acreditam nisso. Para estes, o livre-arbítrio é pura balela. O livro de Eduardo Giannetti, A ilusão da alma. Biografia de uma ideia fixa (Companhia das Letras, 2010), expõe a discussão da relação mente-cérebro. Ele sobreviveu a um tumor cerebral e relata como se tornou um fisicalista numa narrativa cativante.
O livro traz exemplos de alterações de comportamento e do surgimento de certas taras e bizarrices em paciente com tumores cerebrais que, extirpados, devolvem o doente a seu estado de equilíbrio. Mas será que isso prova que somos apenas resultado de processos cerebrais?
Na psicanálise também não acreditamos em livre-arbítrio. Não por sermos fisicalistas, mas porque acreditamos ser dirigidos por uma ficção inconsciente da qual nada sabemos. Vivemos alienados sobre nós mesmos.
Somos dotados de um inconsciente e pouco sabemos sobre o que nos move. Nossas escolhas são feitas fora da consciência. Podemos viver ignorando o próprio desejo e nossa verdade mais íntima. As análises nos surpreendem e reposicionam.
Nosso romance familiar é o cenário em que estamos mergulhados e o interpretamos conforme nossa visão infantil. Deduzimos nossa posição subjetiva do que vivemos em relação a nossos pais. Como disse Giannetti, o intelecto odeia vácuos, precisamos de explicações e as criamos.
Nem sempre como sujeitos. Crianças estão assujeitadas ao outro e alienadas do desejo desse outro. E nessa alienação permanecemos sem nem sequer suspeitar. Mais tarde, os sintomas apontarão o descentramento radical entre nosso eu e o sujeito do inconsciente que nos habita.
A crença no que somos vem da nossa criação frente à angústia do real. Um real que é ido. É real porque ocorreu e nunca antes ou futuramente. Fazemos a ficção de nossa vida e ela é muito mais uma “fixão”, com x, porque nos obtura num sentido cego, tudo estará contaminado por ela. Então, podemos dizer que temos livre-arbítrio?
Não! Passamos a vida acreditando nas nossas fantasias infantis, das quais nem sempre nos damos conta conscientemente, até que façamos uma análise a partir do mal-estar que advém dessa posição alienada.
Porque o mal-estar vem do sintoma, que nos leva à pergunta sobre quem somos e o que queremos. Por que me sinto mal? O que ocorre comigo? A divisão subjetiva é inegável: consciente e inconsciente. Eu e o que ignoro de mim.
O filme Cria cuervos, de 1976, dirigido por Carlos Saura, mostra as reflexões de uma mulher triste, depressiva. Quando criança, deseja livrar-se do padrasto para ter a atenção exclusiva da mãe. Um dia, numa limpeza na casa, a mãe lhe dá um envelope com um pó branco e diz: “Cuidado, joga fora que isso é veneno”.
Claro, a criança guardou e, ao levar um copo de água para o padrasto, dissolveu a substância na água. Era bicarbonato. Mas ela acreditava ser veneno. O padrasto morreu naquela noite de um infarto, deixando a criança para sempre culpada e melancólica por um crime inconfessável.
Como conclusão do processo analítico, encontramos novas posições possíveis se deixamos cair as “fixões” para, como sujeito, conhecer um pouco mais sobre o desejo, e isso nos faz crer que não começamos e terminamos apenas em reações bioquímicas. Eu recomendo. O filme, o livro e análise.
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