Zero Hora 27/07/2014
Eu estava na cidade dela, não na minha, e sendo visita acatava as
sugestões de tudo: onde almoçar, o que ver, o que fazer. Não que eu
fosse uma estrangeira naquele lugar, pelo contrário, era uma das
capitais em que mais estava quando não estava em Porto Alegre, seguia
meus próprios rituais quando andava sozinha por suas alamedas, já tinha
preferências sedimentadas, mas desta vez caminhava ao lado de uma amiga
nova e nativa, e que, com um entusiasmo de anfitriã, apontava o que eu
deveria enxergar com os olhos dela, não com os meus.
Foi então que passamos por uma loja de calçada, uma butique com uma
atmosfera oriental, que ela apresentou como seu local preferido para
comprar túnicas, pantalonas, roupas exóticas e coloridas. “É a tua cara,
Martha, vamos entrar.” Entramos feito duas arqueólogas em busca de
alguma raridade, até que ela garimpou uma blusa entre tantas, linda de
fato. “Experimenta!” Obediente, fui para o provador e vesti a blusa que
era três vezes o meu tamanho e custava três vezes mais do que meu
orçamento permitia. “Vou levar”, anunciei.
Minha nova amiga ficou alegre e segura com a comprovação do quanto
já me conhecia. “Tinha certeza de que você iria amar essa loja.” Aquela
loja que ela julgava a minha cara, e que até era, ainda que “cara” fosse
palavra incompatível com meus sonhos de consumo.
Isso foi quando? Uns seis anos atrás, talvez sete, talvez oito.
Depois disso, ficamos mais e mais amigas, mas nunca usei a blusa.
Inúmeras vezes a coloquei, tirei, coloquei de novo, tentei combinar com
calça, com saia, experimentei por cima do biquíni, até pensei em usar
para dormir, aí lembrei do preço, não, para dormir não. Recolocava no
armário e a deixava pendurada no cabide, aguardando a oportunidade que
toda mulher acredita que virá, mas que para aquela blusa não veio.
Esta semana, arrumando gavetas, separando peças para doação, peguei a
blusa e pensei: “Chegou tua hora”. Não era a primeira vez que me
preparava para dar adeus a ela, mas relutava feito um amor que a gente
sabe que não serve, mas que se ilude que um dia, por milagre, se
transformará no nosso número. Só que as coisas não mudam apenas porque
queremos que mudem. A linda blusa morou em minha casa por um tempo
demasiado devido a minha fé e romantismo, mas havia chegado o momento de
seguir o seu destino.
Dobrei-a com carinho e a coloquei numa sacola junto a camisetas
gastas e a jaquetas puídas. Misturei a blusa virgem junto a peças
veteranas, ela que também já não aparentava ser muito nova, ainda que
sem uso. E lá se foi ela, intocada, sem meu cheiro. A blusa que comprei
apenas para vestir uma amizade ainda nua.
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