Zero Hora - 30/07/2014
Não sei se é de família ou hábito apenas da minha mãe, só sei que, entre
nós, qualquer preciosidade é chamada de joia. Pergunto para minha mãe
sobre um filme ou sobre um lugar que ela conheceu, e se ela responde que
é bonito é porque é bonito, se responde que é interessante é porque é
interessante, mas quando ela diz “é uma joia”, logo me sento e me
disponho a ouvir os detalhes. E ela não diz joia referindo-se àquela
gíria que não se usa mais. Se ela diz que é uma joia, é algo especial,
em que se deve prestar atenção. E se ela diz: “É uma pequena joia”, aí é
porque a coisa é grandiosa mesmo. Em casa sempre rezamos pela cartilha
do “menos é mais”, preferindo as pequenas joias em detrimento das
ostentosas. Um discreto ponto de luz, um brilhante comedido, algo que
reina sem pompa, o clássico que não se pavoneia, a elegância que não é
extravagante: isso.
Quem já leu o italiano Alessandro Baricco sabe que ele se adapta bem
à descrição de valor que fiz acima. Já havia lido dois ótimos livros
dele e recentemente estive com o terceiro em mãos, que se chama Mr.
Gwin. Um livro com um nome próprio como título é sempre um enigma. Quem
seria Mr. Gwin? O que faz? Qual o seu conflito? Para que time torce? Por
que devo parar minha vida rotineira e apressada para dedicar algumas
horas a esse fulano?
Mr. Gwin é realmente um fulano até que se abra a primeira página,
mas Alessandro Baricco é autor respeitado. Então, mais em consideração
ao prestígio do autor do que àquele ilustre Mr. Gwin desconhecido, abri o
livro.
Quando terminei, pensei nela. Já sabia como recomendá-lo: mãe, é uma pequena joia.
Autêntico, poético, magistralmente bem escrito. Curto, sintético,
nenhuma palavra falta, nenhuma palavra sobra. Original sem ser
exibicionista, contido sem ser humilde.
Uma história meio estranha, mas daquelas estranhezas que se
infiltram na alma, que fazem a gente perder a insistência de buscar
realidades comprovadas: a troco de quê devemos acreditar apenas naquilo
que já vimos antes? Qualquer história é uma história, e é a ela que o
livro presta reverência, mais do que aos personagens, ainda que eles
brilhem também.
É uma pequena joia porque é pequena no tamanho, mas comove por sua
literatura tão bem lapidada. Porque não é um livro como tantos, tem uma
singularidade que o destaca. Ou talvez seja uma pequena joia apenas
porque gostei dele, mesmo que ninguém mais goste – aquilo de que
gostamos é sempre significativo a despeito do que pensem os outros.
Pode ser que você não encontre nada de relevante em Mr. Gwin, caso
aventure-se a lê-lo. O que para mim foi percebido como uma pequena joia
talvez lhe pareça uma grande porcaria. Assim é a vida, povoada por
opiniões diversas. Mas que ao menos essa conversa toda tenha feito você
questionar o que significa uma pequena joia em seu próprio conceito.
Porque, entre tantas bugigangas que nos cercam, temos o dever de eleger
algumas raridades.
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