Carolina Braga
Estado de Minas: 25/07/2014
O policial Jogo de xadrez, com Priscila Fantin, teve mais público em festivais internacionais do que no Brasil |
Quando se observam os números da bilheteria do cinema nacional, as comédias são soberanas. Mas, ao contrário do que pode parecer, mesmo que o grande público sinalize para isso, esse não é o tipo de filme dominante na produção nacional. Num cenário dominado pelo drama, a cada dia cresce a presença de filmes de suspense, policiais, aventuras e até terror. Os dados surpreendem.
Entre janeiro e julho deste ano, conforme dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine), estrearam no circuito comercial do país 38 obras de ficção. Destas, 18 são dramas em combinações com romance, suspense, aventura e esporte. A maior bilheteria pertence à comédia S.O.S Mulheres ao mar, de Cris D’Amato, uma das 10 que chegaram ao público no primeiro semestre. A melhor média de público por sala, no entanto, é de Hoje eu quero voltar sozinho, o drama com pitadas de romance e humor, dirigido por Daniel Ribeiro.
Entre os 10 filmes nacionais mais vistos em 2014, seis são comédias, que costumam chegar a um número maior de salas. Os outros quatro são Alemão, de José Eduardo Belmonte, um drama policial sobre a invasão ao Morro do Alemão, no Rio de Janeiro; Getúlio, de João Jardim, drama histórico sobre os últimos dias do ex-presidente Getúlio Vargas; e outros dois dramas com romances entre pessoas do mesmo sexo, Hoje eu quero voltar sozinho e Praia do Futuro.
“Sempre tivemos filmes de suspense ou policiais, mas era uma coisa mais esporádica. Agora, observamos uma tendência maior em apostar em novos gêneros, longas que inclusive flertam com elementos que estão nas cartilhas do thriller, do terror”, observa Fernando Coimbra, diretor de O lobo atrás da porta. O filme, protagonizado por Leandra Leal e Milhen Cortaz, é um dos quatro títulos de suspense que estrearam este semestre.
Coimbra ressalta que quando fala em aposta não se refere propriamente à esfera criativa, mas também a outras peças da cadeia cinematográfica que interferem diretamente no que chega ao público. “Queria fazer o filme (O lobo atrás da porta) assim desde o começo. Acho que está tendo uma aposta maior dos distribuidores ou dos produtores, que até então estavam mais focados na comédia e nas biografias de pessoas famosas, que eram garantia de bilheteria”, acredita. Embora esse cenário esteja se transformando, a mudança é lenta.
Prestes a estrear a primeira comédia da carreira, Vestido pra casar, com Leandro Hassum e Fernanda Rodrigues, o diretor Gerson Sanginitto já viveu os dois lados da indústria. “Você visita os distribuidores, apresenta cinco projetos e se um deles for comédia é o que vão querer. É o momento da comédia brilhar, mas o cinema brasileiro já tem outra cara. Há uma nova geração de diretores muito bons e vários gêneros que ainda não foram testados aqui. O público tem que dar força para começar a melhorar a indústria do cinema no Brasil como um todo. Se não for assim, não teremos indústria, mas algumas tendências”, analisa.
Por enquanto, quem se arrisca no cinema de gênero ainda precisa contar com uma boa estratégia de distribuição. O lobo atrás da porta, de Fernando Coimbra, por exemplo, certamente saiu prejudicado nessa negociação. Em Belo Horizonte, o filme não chegou a ficar três semanas em cartaz no Cineart Cidade. “Houve a escolha por lançar um pouco antes da Copa, que, teoricamente, teria menos lançamentos, mas foi o contrário. Entramos espremidos pelo Malévola, o filme do Tom Cruise (No limite do amanhã), e o X-Men”, explica Coimbra.
A produtora busca agora alternativas para colocar o filme no mercado em outros meios. Até o final do ano será lançado em DVD e Blu-ray. Como se trata de uma coprodução com a HBO, também deve entrar na grade do canal pago. Há, ainda, negociações para incluí-lo no catálogo do iTunes. “Tem-se que fazer alguma coisa para que as pessoas possam ver”, pondera o diretor.
Fernando Coimbra, diretor de O lobo atrás da porta |
Horário horroroso
Ser visto é o mínimo que qualquer cineasta espera. O que pode ser curioso é que, às vezes, a valorização das investidas nacionais em gêneros consagrados por Hollywood é mais explícita no exterior. Jogo de xadrez, do diretor Luís Antônio Pereira, é o único policial produzido aqui e que passou pelas telas nacionais. Entrou em cartaz em apenas 10 salas e atraiu um público de 521 espectadores. “Acredito que é aquela coisa: o pessoal acaba jogando no seguro. Deram-nos horários horrorosos. Tinha muita gente querendo ver em BH e não consegui fazer com que o filme chegasse aí”, reclama.
Com Priscila Fantin como protagonista, a produção explora a corrupção política e crimes de colarinho branco. “Tento contar histórias que tenham cunho universal. Poderia contar a mesma coisa na Ásia, na África e até a Suécia passou por isso”, comenta o diretor. Embora tenha alcançado números tímidos por aqui, Jogo de xadrez foi o único brasileiro a ser exibido em festivais realizados em Nova York e Los Angeles e se prepara para evento do gênero em Xangai. “A gente vê que essa vertente é mundial e que o pessoal gosta. Comédia é muito regional e muito difícil pegar outros públicos, a não ser os americanos, que já estão consolidados”, diz Luís Antônio.
A universalidade também é ingrediente da animação O menino e o mundo. Detalhe: por mais que seja um desenho, trata-se de um drama. O filme independente do diretor Alê Abreu soma mais de 27 mil espectadores desde a estreia, em janeiro. Neste período, foi exibido em mais de 30 festivais nacionais e internacionais e tem distribuição garantida em 20 países. Está marcada para outubro a estreia na França e, em janeiro, nos Estados Unidos, com campanha focada no Oscar. Não é exagero achar que desta vez as chances do Brasil são reais.
“O que me animou a fazer um novo projeto e seguir em frente foi essa carreira bacana no exterior. Tinha desistido de continuar. Antes parecia pouco para três anos e meio de trabalho”, afirma Alê. O poder de O menino e o mundo foi sendo descoberto à medida que foi se encontrando com os espectadores. “Não é um filme de animação tradicional. Já sabia que seria muito difícil romper essa barreira do mercado de cinema. Ele acabou nos surpreendendo.”
José Mojica Marins e o cineasta capixaba Rodrigo Aragão: terror feito à unha |
Terror sofre preconceito
“Com toda a nossa cultura do folclore e do realismo fantástico, nosso cinema ainda não investe no gênero”, desabafa o cineasta capixaba Rodrigo Aragão. Defensor do terror, segundo ele um “gênero extremamente nobre, que precisa de muita criatividade para ser feito porque tem que envolver o público com um tipo de emoção que não se consegue nos outros tipos de filmes”, já tem quatro longas no currículo. Nenhum deles bem distribuído no Brasil.
As produções já estiveram em cartaz por algumas semanas em Tóquio. Passaram por telas da Holanda, México e Alemanha. Por aqui, mesmo sem êxito em telas comerciais, resiste na realização de longas que, infelizmente, sabe que não serão tão conhecidos. A história de Aragão é bastante particular. Além da paixão pelo terror, ele, que é considerado o sucessor de José Mojica Marins, o Zé do Caixão, mantém toda a produção em Guarapari, no Espírito Santo.
Mais que o gargalo da distribuição, Rodrigo afirma que no caso do terror os cineastas ainda precisam vencer o preconceito dos produtores e até das leis de incentivo à cultura, que raramente contemplam esse tipo de projeto. Se não há distribuição, ele mesmo cuida disso, já que comercializa os próprios filmes pela internet. “É mais caro, muito mais trabalhoso, demanda uma quantidade de esforço absurdo, mas na verdade a gente se diverte muito”, reconhece.
Nas telas
18 dramas
10 comédias
4 suspenses
2 aventuras
2 infantojuvenis
1 policial
1 terror
Filmes de ficção que estrearam entre janeiro e julho. Fonte: Ancine
Maior público
. S. O. S. Mulheres ao Mar – 1,7 milhão
. Os homens são de Marte... E é para lá que eu vou – 1,6 milhão
. Muita calma nessa hora 2 – 1,4 milhão
. Alemão – 955 mil
. Confissões de adolescente – O filme – 816 mil
. Copa de elite – 636 mil
. Getúlio – 503 mil
. Hoje eu quero voltar sozinho – 195 mil
. Júlio sumiu – 179 mil
. Praia do Futuro – 128 mil
Média de espectador por sala
. Hoje eu quero voltar sozinho – 5.157
. S. O. S. Mulheres ao mar – 3.896
. Os homens são de Marte... E é para lá que eu vou – 3.460
. Muita calma nessa hora 2 – 3.387
. Getúlio – 2.843
. Alemão – 2.595
. Copa de elite – 2.385
. O menino e o mundo – 2.208
. Confissões de adolescente – O filme – 2.078
. Praia do Futuro – 1.128
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