quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Ainda causando rebu

Ainda causando rebu Obra do dramaturgo e autor de novelas Bráulio Pedroso, que morreu em 1990 aos 59 anos, conquista interesse da nova geração. Escritor ajudou a modernizar a TV com suas tramas


Ana Clara Brant
Estado de Minas: 13/08/2014



 (Arte/Janey Costa)


“Um dia, uma novela que dure apenas um dia. Onde a situação passe de um personagem para outro numa corrente interminável.” As frases fazem parte de um caderno datado de fevereiro de 1971, chamado “Anotações para futuras histórias ou para histórias que nunca serão escritas”, que pertencia ao dramaturgo paulista Bráulio Pedroso (1931-1990). A ideia acima seria o início do processo de criação de O rebu, escrita três anos depois, como acredita um dos filhos do autor, o médico João Manoel Pedroso, de 49 anos, que guarda a relíquia. “Foi um momento de inspiração dele que acabou se concretizando em 1974 e se tornou um marco da TV brasileira. Ele mesmo achava que era a sua melhor novela e a mais difícil que escreveu. Não é à toa que ela continua tão contemporânea na nova versão. O rebu de 1974 era uma ideia extremamente moderna para a ficção. Até então, nunca tinha sido feito nada parecido e até hoje continua atual”, analisa.

Bráulio Pedroso mudou a história da teledramaturgia nacional. Não era fã de televisão e nunca tinha visto e muito menos escrito uma novela na vida. Em 1968, foi recomendado para Cassiano Gabus Mendes e Lima Duarte por sua amiga, a atriz Cacilda Becker, para trabalhar na extinta TV Tupi. O folhetim era nada mais nada menos do que Beto Rockfeller. Muitos críticos defendem que a produção marcou o antes e o depois das telenovelas brasileiras. “Assisti a alguns trechos do Beto Rockfeller quando criança, de Amizade colorida e do próprio O rebu para a nossa adaptação e sempre vi o Bráulio como um cara muito inquieto, ousado, moderno, que nunca ficou na sua zona de conforto e que tinha uma linguagem à frente do seu tempo. Ele já era assim no teatro e trouxe isso para a televisão”, constata o diretor da nova versão de O rebu, José Luiz Villamarim.

João Pedroso lembra de um episódio curioso envolvendo o pai. Quando ele foi convidado para escrever Beto Rockfeller, tinha acabado de sofrer um acidente de carro e teve que ser engessado do pescoço para baixo. Por causa disso, não tinha como datilografar os capítulos. A solução encontrada foi narrar a história que ia surgindo na cabeça, enquanto um funcionário recém-contratado, Paulo Ubiratan – então com 16 anos e que depois iria se tornar um dos mais prestigiados diretores do país – ia datilografando. “Uma das principais características do papai é que ele nunca gostou de fazer coisas iguais. O que deu certo em Beto... ele não repetiu e, no caso dessa obra especificamente, ele trouxe como novidades o merchandising e o público masculino. Em O rebu, a história se passava num só dia; em Super plá, ele fazia referências a super-heróis e alucinógenos. Ele sempre ousou”, analisa João Pedroso.

O público que não teve oportunidade de conhecer a criação de Bráulio Pedroso está sentindo um gostinho agora com a readaptação de um dos seus maiores sucessos, O rebu, exibida pela TV Globo, escrita por George Moura e Sérgio Goldenberg e dirigida por José Luiz Villamarim, o mesmo trio que assinou as séries O canto da Sereia (2013) e Amores roubados (2014). Os três tiveram acesso a dois capítulos apenas da primeira versão – até porque boa parte do restante foi consumida por um incêndio – e os autores leram todos os 112 capítulos da novela original. “Fizemos um fichamento para entender a lógica dos personagens e como Bráulio Pedroso contava aquela história. Foi uma experiência fascinante, pois eram scripts que estavam arquivados em microfilmes, escritos na máquina de datilografia, com correções a caneta. Uma realidade pré-computador. É incrível como ele conseguiu escrever uma novela inteira, com esse grau de continuidade, com tão poucos recursos”, observa George Moura.

Para ele, o que Bráulio trouxe de novidade para a teledramaturgia foi um retrato mais complexo e irônico da sociedade brasileira, sobretudo da elite, e um arrojo formal de como contar uma história. “Imagine que a versão original de O rebu é de 1974, muito antes dos seriados americanos como 24 horas e Lost, e já tinha uma estrutura de três linhas narrativas: o tempo da noite da festa, o dia seguinte, quando se dá a investigação policial, e os flashbacks, quando entendemos melhor, que são aqueles personagens e quais os motivos poderiam ter para matar a vítima, encontrada boiando na piscina”, analisa.

Crônica


Sérgio Goldenberg defende que Bráulio era um cronista, assim como boa parte dos autores de teatro dos anos 1960, e trouxe isso para as produções da TV. Também diretor e roteirista, ele conta que a equipe manteve muitas características da história principal nessa adaptação de 2014, como a festa, o antes e o depois, o crime, o corpo boiando na piscina, os encontros inusitados e alguns nomes de personagens, como Carlos e Lídia Braga e Maria Angélica. “Uma das principais mudanças foi sugerida pelo Villamarim. Em vez do Conrad Mahler ele pensou numa mulher, Ângela Mahler, já que estamos vivendo em tempos em que as mulheres ocupam cargos de liderança. Há também uma homenagem ao próprio Bráulio, já que o delegado, personagem do Marcos Palmeira, se chama Nuno Pedroso, e o nome completo do dramaturgo era Bráulio Nuno de Almeida Pedroso”, revela.

Já Villamarim destaca que a essência da trama foi mantida, mas houve uma acelerada na história e alguns toques de modernidade, como o uso das redes sociais. “A gente radicaliza em algumas coisas. Aumentamos os flashbacks, tem novos personagens, temos muitas idas e vindas. Esquentamos mais ainda a coisa e acho que daí se explica o tanto de gente que nem vê novela e que está assistindo a O rebu, principalmente o público jovem”, repara.

João Manoel Pedroso lembra que toda a família está muito feliz com o tratamento que deram ao novo O rebu, o que para ele não deixa de ser uma homenagem ao pai. Sem falar que o público que não conhecia a obra de Bráulio também está tendo a oportunidade de saber quem ele foi. “Acho que é um momento de resgate de sua obra. E é um movimento autêntico, que tem uma legitimidade muito maior. E essa equipe pegou um texto inovador e inovou mais ainda”, elogia.

Obra preservada

Praticamente todo o acervo de Bráulio Pedroso pertence hoje à Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, doado pela família do autor quando se completaram 10 anos de sua morte, em 2000. “Houve uma homenagem na época, organizada por nós e por alguns amigos, e entregamos tudo que tínhamos – textos de teatro, novelas, filmes, alguns cadernos de anotações e até a máquina de escrever. Só um dos cadernos ainda está comigo, que é justamente o que tinha a ideia original de O rebu”, revela o filho de Bráulio, João Pedroso. Há a intenção de relançar três publicações de peças de teatro escritas pelo dramaturgo, que nunca foram reeditadas. “Apesar de papai ter morrido muito cedo, com apenas 59 anos, ele produziu muito. Deixou um legado de mais de 30 peças, cerca de 15 novelas e vários casos especiais”, resume João.

Contador de histórias

Nascido em São Paulo em 30 de abril de 1931, aos 15 anos Bráulio Pedroso ganhou da família uma câmera e começou a fazer filmes experimentais. Em seguida, passou a atuar como assistente de direção, montador e crítico de cinema. Por causa de um problema de locomoção e de uma doença inflamatória crônica, espondilite anquilosante, que acomete articulações da coluna vertebral, abandonou os filmes e foi ser diretor da página de arte do jornal O Estado de S. Paulo. Escreveu para o teatro e chegou a ganhar o Prêmio Molière com O fardão, mas ficou marcado como um dos autores mais ousados da teledramaturgia. Deixou obras marcantes, como as novelas Beto Rockfeller, O cafona, O bofe, O rebu e Feijão maravilha. Morreu, em 1990, aos 59 anos, vítima de fratura nas vértebras cervicais, causada por uma queda no banheiro de sua casa.

Realidade em dois tempos

Ana Clara Brant

George Moura, José Luiz Villamarim e Sérgio Goldenberg: sem medo de experimentar

 (Estevam Avellar/Divulgação)
George Moura, José Luiz Villamarim e Sérgio Goldenberg: sem medo de experimentar


O trio formado pelos autores George Moura e Sérgio Goldenberg e pelo diretor José Luiz Villamarim, com a contribuição da belíssima fotografia de Walter Carvalho, vem revolucionando, assim como Bráulio Pedroso, a linguagem da televisão brasileira. Eles nem finalizaram O rebu, terceiro trabalho da equipe, que termina em 12 de setembro, e já estão de olho em uma quarta empreitada. “É uma parceria que tem muita afinidade, um casamento que vem dando certo. O legal é que são histórias bem distintas e a gente vem fazendo coisas diferentes em cada uma delas. É sempre um desafio e isso é muito bom. A gente estava precisando mesmo dar essa sacudida na teledramaturgia”, ressalta Villamarim.

Sérgio Goldenberg comenta que O rebu é uma trama muito intrincada e que eles tiveram que se preparar bem para escrever. Ele revela que os eventos mostrados no começo têm muito a ver com o que será apresentado no fim e que a cada capítulo a novela sempre vai surpreender. “Agora que o espectador já conhece um pouco da história de cada personagem, a trama vai se deslocar mais para o presente, para o dia seguinte ao da festa, e vamos ter vários pontos de vista e uma série de conflitos”, anuncia.

Os atores ainda estão gravando e, ao contrário das novelas convencionais, O rebu não é uma obra aberta. Toda a equipe da produção tem a preocupação de não vazar a informação de quem matou Bruno Ferraz, personagem de Daniel de Oliveira, que foi encontrado morto no início do folhetim. “Ainda estamos escrevendo os capítulos finais. De fato, trabalhamos com vários suspeitos e isso pode ser mudado até o último momento. Façam suas apostas. O bolão entre os telespectadores e na internet está bombando”, completa George.

 João Pedroso, filho de Bráulio, torce para que a assassina seja Ângela Mahler, papel de Patrícia Pillar, mesmo que, teoricamente, repita o criminoso da primeira versão, Conrad Mahler, interpretado por Ziembinski. “Acho que o fato de ela ter matado seria surpreendente mesmo assim. Ângela é muito fria, tem um quê de psicopata, de misteriosa. Acho que seria bacana um personagem forte como ela ser o assassino. Mas, para falar a verdade, todos são suspeitos e têm ótimos motivos para matar e isso que é a grande graça dessa novela”, diz.

três perguntas para...

George Moura
Roteirista

Quais as dificuldades em lidar com os dois tempos em que se passa a trama de O rebu?

É um delicioso quebra-cabeça, que está nos dando muito trabalho. O fundamental é deixar clara e intrigante para o telespectador essa maneira particular de contar uma história. No início, as pessoas acostumadas com novelas, que têm um narrativa mais cronológica, estranharam.

Como você vê o gênero novela atualmente? Ele está em crise, como muita gente diz?

Não vejo crise no gênero. Acho que a televisão aberta está passando por uma nova organização diante da diversidade de plataformas e conteúdos. A concorrência e a velocidade do mundo se acirram dia a dia. Mas, no Brasil, a novela tem vida longa.

Você nunca escreveu uma novela tradicional. Tem vontade?

Tenho um fascínio por narrativas curtas e fechadas. Talvez isso se dê por um método de escrita particular: escrevo e reescrevo muitas vezes em busca do tom preciso. Numa novela tradicional, isso se torna impossível, devido ao volume de capítulos. Acho que ficaria muito frustrado em escrever de outra maneira. Para ser franco, talvez, eu nem saiba fazê-lo. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário