Novo disco da
cantora Mônica Salmaso resgata antigas parcerias de Paulo César Pinheiro
com Guinga. Poesia, melodia e harmonia sofisticadas revelam o que a MPB
tem de melhor
Ana Clara Brant
Estado de Minas: 15/08/2014Mônica Salmaso lança Corpo de baile, cujo repertório reúne algumas canções guardadas por 40 anos |
É impossível ficar indiferente à bela voz de Mônica Salmaso, seja num bate-papo descontraído por telefone ou, principalmente, no disco que ela acaba de lançar, Corpo de baile (Biscoito Fino). Com 14 preciosidades, fruto da parceria de Guinga com Paulo César Pinheiro, o CD começou a ser gestado há uma década. “Sabia que essas composições existiam, mas estavam guardadas. Ouvi a maioria delas naquela época e, ao longo do tempo, foram surgindo outras. Não estava pronta para encará-las há 10 anos, mas hoje sim. É como se estivesse me preparando esses anos todos para gravar esse repertório, mesmo sem saber disso. Foi um desafio”, afirma a cantora.
Boa parte das faixas é inédita, inclusive a que dá nome ao CD. Algumas surgiram há 40 anos. Outras são desconhecidas do grande público. A única exceção é Bolero de Satã, que Elis Regina gravou no disco Essa mulher. “Corpo de baile é um nome bem brasileiro, resume muito essa coisa de Brasil que o trabalho tem”, salienta.
Um dos destaques do novo trabalho é a gama variada de colaboradores. Mônica convidou nomes de peso para assinar os arranjos: Dori Caymmi, Tiago Costa, Nailor Proveta, Luca Raele, Nelson Ayres, Paulo Aragão e o marido, Teco Cardoso, responsável pela produção e pela direção musical.
Cor “As canções têm densidade musical, poética, melódica e harmônica. Achei que precisava colorir o repertório, esse baile de cores, com diferentes arranjadores para que uma faixa não pesasse sobre a outra. Discutimos minuciosamente cada música. Foi um trabalho a várias mãos, com muita antecedência, como se eles vestissem um arranjo em mim”, explica.
Satisfeita com as críticas elogiosas a Corpo de baile, a cantora está feliz com o que ouviu de Guinga e Paulo César Pinheiro. Mônica conta que os dois se emocionaram com o CD. “Esse projeto foi feito com o maior dos caprichos, com muito amor pela música. A força que esse disco tem, ainda mais com canções guardadas há 40 anos, é para emocionar mesmo”, destaca.
MPB pobre Em recente entrevista, Mônica Salmaso provocou alvoroço ao afirmar que a MPB “está pobre e nivelada por baixo”. Caetano Veloso chegou a declarar: “Entendo Mônica, uma cantora tão dotada e dedicada. Mas não tendo a pensar assim. De Guinga a Ivete Sangalo, de Valesca Popozuda a Thiago Amud, há todo um leque de possibilidades. Sou tropicalista. Se se nivela ‘por baixo’, tenho culpa no cartório. Ainda estou celebrando os fenômenos da axé music (meu favorito), da invasão do litoral pelo sertanejo e do baile funk, que em geral são vistos como meios de nivelar por baixo. Mas não posso viver sem Mônica.”
Para a cantora, a diferença de posições é normal. “Cada um tem o seu ponto de vista. Foi legal Caetano reconhecer o meu lado e eu entendo o lado dele. Adorei o final, quando ele diz que não pode viver sem mim”, comenta ela, rindo. “Obrigada, Caetano”, enfatiza.
Mônica Salmaso, que não frequenta as redes sociais, recebeu muitos comentários a apoiando e a criticando. A cantora diz que muita gente não compreendeu suas declarações. “Não generalizei. Desde o começo, minha carreira foi independente da grande indústria fonográfica. Nunca tive música em trilha de novela, por exemplo. Quando me referi à pobreza da MPB, falei da pobreza da produção musical em larga escala, que não valoriza o que a música tem de melhor. Tem um monte de coisas bonitas e legais, gente que está começando. Mas, infelizmente, muitos não compreenderam o que eu disse”, conclui.
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Corpo de baile foi capaz de “juntar” dois compositores que não se falam há mais de 20 anos. No livro A letra brasileira de Paulo César Pinheiro – Uma jornada musical!, a pesquisadora Conceição Campos explica a ruptura. Em 1991, em entrevista ao jornalista João Máximo, Guinga disse: “Cometi um erro ao acreditar que, sendo parceiro de um letrista consagrado, tudo aconteceria naturalmente. Mas não. Paulinho tinha a carreira dele e custei a perceber que precisava ter a minha própria. Ele era um parceiro com outra cabeça. Por exemplo, achava minhas músicas difíceis, herméticas, nada populares. Não acreditava nelas. É mais ou menos como ficar 21 anos num emprego e o patrão não te dar o mínimo valor. Um dia, você muda de emprego e novo patrão te acha o maior”.Chateado com essas declarações, Pinheiro considerou encerradas a amizade e a parceria. Entretanto, apesar de ex-amigos, um elogia o trabalho musical do outro. E ambos ficaram satisfeitos com o disco de Mônica Salmaso.
Clássico instantâneo - Kiko Ferreira
Quando Mônica Salmaso cita Zizi Possi e Nana Caymmi como referências, facilita o trabalho do ouvinte e dos resenhistas. Como Zizi, ela dialoga com os músicos, aprende com eles, participa do arranjo com um tipo de intimidade que antes era atribuído apenas a Alaíde Costa. Talvez, Rosa Passos. Por outro lado, quem identifica seu grave sem pressa, sua atitude quase solene na lida com melodias, harmonias e letras, pode se lembrar do clima do dueto de Nana Caymmi e Milton Nascimento em Sentinela – ao mesmo tempo sólido e místico, emocionado e etéreo, sangue e alma. Vísceras líricas expostas com elegância e densidade.
Não é difícil classificar seu 10º disco, Corpo de baile, como o melhor da carreira. Aqui o excepcional corpo de arranjadores, formado por Dori Caymmi, Nailor Proveta, Luca Raele, Nelson Ayres, Teco Cardoso (também produtor), Tiago Costa e Paulo Aragão, estrutura o instrumental para aproveitar o potencial e a maturidade da cantora. Os músicos seguem partituras e intenções com habilidade e paixão necessárias. Como elemento principal, a voz de Mônica alia técnica e disponibilidade para defender notas e palavras como fossem suas filhas prediletas e inseparáveis.
O repertório é, antes de tudo, revelador. São 14 canções compostas pela dupla Guinga e Paulo César Pinheiro entre as décadas de 1970 e 1980. O jovem Guinga, então na casa dos 20 anos, dividido entre a odontologia e a música, já revelava a veia atemporal que a maioria conhece a partir de seu disco de estreia, Simples e absurdo (1991), e da frutífera parceria com Aldir Blanc. Com exceção do clássico Bolero de Satã, que Elis Regina gravou no disco Essa mulher, em célebre dueto com Cauby Peixoto, o restante é conhecido de shows ou gravações pouco divulgadas. Cinco canções são inéditas – resultado do garimpo feito nas gavetas de antigos cassetes na casa de Pinheiro. Obras de quase juventude, mas com sustância de quem tem maior vivência.
Dono de um estilo clássico, que fez parte da crítica compará-lo a Tom Jobim e Sérgio Mendes e dizer que ele seria uma mistura de Cole Porter e Villa-Lobos, Guinga está bem representado nesta seleção com valsas (Nonsense, Corpo de baile), marcha (Rancho das sete cores), fado (Navegante), modinha (Sedutora), choro- canção (Fim dos tempos) e toada (Curimã).
Já as letras de Paulo César Pinheiro, um dos maiores da história recente da MPB, soam épicas e fazem justiça à sua experiência e habilidade técnica. Destaque para Fim dos tempos (“nossos rastros/ largam lastros/ soltam todos”), Bolero de Satã (“você me deixou como o fim da manhã”) e Nonsense (“acorda/ e no torpor se lança/ e no ar/ quer ver seu corpo/ que morre/ voar”). Pena que a dupla esteja separada.
O disco conta com participações preciosas, como o Quinteto Sujeito a Guincho, de clarinetas, e o acordeom de Toninho Ferragutti. Traz ainda Marlui Miranda, com longa tradição de música ligada aos índios. Ela participa da faixa Curimã contando uma história de pescaria dos suruís gapgires e aparece em foto com cabelo curto, à la Romeu, que contrasta com sua tradicional imagem de longa cabeleira.
CORPO DE BAILE
De Mônica Salmaso
Biscoito Fino
Preço sugerido: R$ 31,90
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