domingo, 1 de março de 2015

Você é o Rio - Martha Medeiros

O Globo 01/03/2015

“Uma cidade rejuvenesce com o passar do tempo, se renova, se manterá viva até os mil anos — e irá além. Quais as rugas de uma metrópole?”

      


 Alguns anos atrás, uma rede de supermercados colocou no ar um comercial em que dizia que a melhor vista de Porto Alegre era a da janelinha do avião, quando estamos voltando para casa. Eu, que viajo um bocado por aí, afirmo: a melhor vista de Porto Alegre é mesmo a da janelinha do avião quando estou voltando para casa.

Não tenho a capacidade de ler a mente alheia, mas posso apostar que esta sensação de pertencimento é igual à dos capixabas ao aterrissarem em Vitória, à dos mineiros ao avistarem Belo Horizonte, à dos paulistas ao sobrevoarem São Paulo e à dos cariocas ao chegarem ao Rio de Janeiro. Porque a cidade da gente é isso, um lar. Nem precisamos de chave, a porta está sempre encostada, esperando por nós.

Hoje é aniversário do Rio e dia 26 de março será o de Porto Alegre, dois lugares que dominam o meu afeto. No entanto, não dou a menor importância para quantos anos estas cidades têm. Não muda nada: 243, 378, 450? Que diferença faz, se elas são imortais? Para uma pessoa é diferente, um ano a mais é um ano a menos, mas uma cidade rejuvenesce com o passar do tempo, se renova, se moderniza, sem falar que ela sobrevive a seus habitantes, se manterá viva até os mil anos — e irá além. Quais são as rugas de uma metrópole?


Por mais que os problemas se intensifiquem (poluição, violência, trânsito), nossa cidade natal se torna automaticamente imunizada pela familiaridade. Conhecer suas ruas, seus horários de pico, suas tribos, seu clima, tudo isso nos pacifica, nos envolve num conforto preguiçoso, permite uma entrega sem esforço. Porto Alegre cumpre com os porto- alegrenses o que o Rio cumpre com os cariocas: a promessa do reconhecimento pleno e a segurança de que as críticas de seus moradores, por mais contundentes, nunca serão confundidas com desprezo.


É um amor comodista, amor de casamento longo, amor de chinelo usado, de lado certo no colchão, de sempre a mesma xícara no café da manhã: mantendo- se tudo como sempre foi, serve.
Não gosto de discursos, de hinos e muito menos de celebrar o inanimado. Uma cidade, o que é? Um conjunto de bairros com várias avenidas e inúmeros prédios : tudo muito concreto. E também ár vores, praças, parques, morros, praias, mas, ainda assim, é um lugar. Não é uma pessoa.
A quem se irá cumprimentar, a quem abraçar, com quem festejar, quem é o dono desta festa? O aniversariante, na verdade, é aquele que permitiu ter seu espírito moldado pelo espaço que o cerca. Porque qualquer cidade no mundo é apenas onde a gente está, mas a nossa cidade é aquela onde a gente é. Parabéns, portanto, pra você.      

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