terça-feira, 23 de outubro de 2012

Poder público não consegue perceber grandeza do Masp



ENTREVISTA - TEIXEIRA COELHO

CURADOR DIZ QUE MUSEU ESTÁ ABANDONADO PELO EXECUTIVO FEDERAL; GOVERNO DO ESTADO ESTUDA AGORA PARCERIA COM A INSTITUIÇÃO



FABIO CYPRIANO

CRÍTICO DA FOLHA

O Museu de Arte de São Paulo (Masp) está abandonado pelos poderes públicos, especialmente o federal, afirma Teixeira Coelho, curador da instituição. "Não há no poder público uma disposição para perceber a grandeza do Masp", diz ele.
Com o mais importante acervo do hemisfério sul, o museu saiu da crise institucional, que culminou com o corte de eletricidade, em 2006, mas não tem fôlego para implementar exposições de artistas brasileiros contemporâneos que considera fundamentais.
Com a bilheteria e o apoio de R$ 1,2 milhão do governo municipal, o Masp obtém verba para se manter apenas por quatro dos 12 meses do ano -seu orçamento é de R$ 12 milhões. Os outros oito meses do ano dependem de doações e patrocínios.
Isso, para Coelho, representa a falta de política dos governos para instituições culturais.
Ele crítica também que, a dois anos da Copa, o governo federal não tenha dado início a um projeto cultural, nos moldes do que Londres organizou durante a Olimpíada.
"O Masp continua blindado. Como seu acervo é tombado, nós pedimos assento em seu conselho, junto com os governos estadual e municipal, mas eles não respondem. É preciso abrir sua administração e não ficar apenas pedindo dinheiro", disse àFolha José do Nascimento Júnior, diretor do Ibram (Instituto Brasileiro de Museus), vinculado ao Ministério da Cultura.
Quanto à Copa, Nascimento Júnior diz que o governo elaborou um projeto de R$ 250 milhões, mas está buscando verba.
"A ministra Marta Suplicy encontrou-se com o ministro do Esporte [Aldo Rebelo] nessa semana para tratar disso."
Em suas críticas aos governos, Teixeira Coelho poupa Marcelo Araujo, o secretário de Cultura do Estado de São Paulo: "Tenho boas expectativas sobre sua gestão. Ele é uma pessoa da área, que sabe o que é necessário".
Araujo concorda que o Estado precisa dar apoio ao Masp. "Estamos realizando um processo de aproximação com o Masp para compor parcerias", afirma o secretário.
Para Coelho, parte das dificuldades enfrentadas pelo museu tem a ver com o preconceito em relação ao centralismo da gestão Júlio Neves (1994-2008), que extinguiu a figura do curador.
"Existe uma coisa chamada hábito cultural, que faz com que não se mude o modo de pensar uma coisa", diz.
Leia abaixo trechos da entrevista que o curador concedeu àFolha.
Folha - Estamos a dois anos de um megaevento na cidade, que é a Copa do Mundo. Em Londres, por conta da Olimpíada, a Tate inaugurou uma nova ala. O Masp pretende fazer algo?
Teixeira Coelho - Um dos primeiros eventos da Olimpíada de Londres de que tive conhecimento foi um concerto de música clássica que eu ouvi pelo rádio, meses antes de ela começar.
E foi um evento anunciado como parte da Olimpíada. Os ingleses cuidaram disso.
As pessoas vêm para as cidades ver dois ou três jogos de futebol, mas fazem também turismo. E buscam cultura.
Quais são os planos do governo brasileiro para a Copa?
Estamos a dois anos e nada foi programado.
Sozinho, o Masp não pode fazer mais do que já faz.
O Masp não foi procurado?
Nada. E eu não sou de ficar aqui sentado esperando. Quando busquei o governo para discutir caminhos de cooperação, me disseram: "Na semana que vem, agora não posso, agora vou viajar...". Se existe um Ministério da Cultura, são eles que deveriam nos procurar.
Então não existe uma política federal para as instituições culturais?
Não. Claro que se você falar com o Ibram, eles vão dizer que possuem uma política e o Masp precisa aderir ao sistema nacional de museus. Mas, se você trocar em miúdos, nós nunca fomos capazes de ver nada de concreto.
Mas e os editais que eles promovem?
São editais de valores baixos, que pouco representam para o Masp. Eu aprendi que é preciso tratar desigualmente os desiguais.
Isso não é tão antidemocrático como parece, pois significa tratar com mais intensidade os desprotegidos e com menos intensidade os mais favorecidos.
Isso significa também que determinadas instituições, por sua importância, precisam ser tratadas de forma adequada. Não se trata o Masp como um pequeno museu de memória do interior.
O atual governo tem priorizado o apoio a projetos do Norte e Nordeste. Você concorda com essa política?
Essa é uma questão importante de política cultural. Se você vai na rua Florêncio de Abreu, em São Paulo, lá existe ferragem. Na rua da Consolação, produtos de iluminação. O que quero dizer com isso?
Existe em cultura algo que diz respeito à concentração. Na universidade isso é chamado massa crítica.
Concentrando, você pode irradiar. No Brasil, antes de haver concentração, chega um monte de apressadinhos que querem descentralizar.
Isso foi um efeito perverso da Lei Rouanet. Desconcentrou, pulverizou, e as instituições foram rebaixadas a um nível de tábula rasa. Algumas privadas se fortaleceram, mas as públicas não.
Não foi só o Masp quem sofreu. O MAC também. O pensamento tem sido "o Masp que se vire sozinho, ele é elitista, tem boas obras". Mas ele não se vira sozinho. O Louvre ainda recebe 30% de verbas do Estado, se não me engano.
Quanto o Masp consegue de bilheteria?
É um grande tema. Da bilheteria, 66% não pagam nada: idosos e crianças. Em qualquer lugar avançado do mundo, idoso às vezes tem redução de 10%.
Assim, 33% dos que entram no Masp pagam alguma coisa, e o preço do ingresso está congelado há seis anos. Então, é quase nada.
O que isso representa de fato?
Com 800 mil visitantes por ano, a bilheteria paga cerca de dois meses de manutenção do museu.
Assim, a Prefeitura de São Paulo, que repassa por ano, por conta de um decreto, cerca de R$ 1,2 milhão, paga um mês e meio, dois meses de manutenção do museu.
E os quase oito meses, já que o orçamento do Masp está em R$ 12 milhões? Quem paga essa soma? A verba vem de doações e patrocínios.
Com as questões do passado recente do museu, como a centralização do ex-presidente Júlio Neves, você acha que o Masp sofre preconceito?
Sim. Existe uma coisa chamada hábito cultural, que faz com que não se mude o modo de pensar uma coisa.
Certas coisas grudam e vão ficar. Se todo mundo tivesse mente aberta, seria possível mudar de opinião a respeito das coisas. Eu sabia de tudo isso quando entrei no Masp.
Por que aceitei?
Ou você fica na arquibancada xingando o juiz, e eu cansei de xingar, ou pega a camisa e vai jogar.
Eu escrevi em vários lugares, inclusive na Folha, que o problema do Masp era que ele não tinha curador.
Possivelmente por isso fui convidado. E o que eu podia responder? Seria muito acadêmico não aceitar, eu não sou acadêmico a esse ponto.
Mas, se a elite intelectual ainda descrê do Masp, a população o torna ainda um dos museus mais visitados. É meio esquizofrênico, não?
Parafraseando um político famoso, o público do museu quer ver arte e não está interessando em questões que interessam a outros.
NA INTERNET
Leia a íntegra da entrevista com Teixeira Coelho
folha.com/no1173114



FRASES
"Quando busquei o governo para discutir caminhos de cooperação, me disseram: "Na semana que vem, agora não posso, agora vou viajar...". Se existe um Ministério da Cultura, são eles que deviam nos procurar"
"Não foi só o Masp quem sofreu, o MAC também. O pensamento tem sido "o Masp que se vire sozinho, ele é elitista, tem boas obras". Mas ele não se vira sozinho. O Louvre ainda recebe 30% de verbas do Estado, se não me engano"



RAIO-X - TEIXEIRA COELHO

VIDA
Nasceu em Bauru, São Paulo, em 1944. Formou-se em direito em 1971. É professor da USP
MUSEUS
Foi diretor do MAC (Museu de Arte Contemporânea) entre 1998 e 2002. É curador do Masp desde 2006
LIVROS
É autor de diversos títulos, entre eles o romance "História Natural da Ditadura"

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