domingo, 11 de novembro de 2012

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Conversando no shopping‏


Estado de Minas: 11/11/2012 
Estava no shopping Diamond Mall, em Belo Horizonte, quando uma senhora pediu licença e se assentou à minha mesa. Ora, estava eu exatamente pensando na BH de meu tempo, numa pensão na Avenida Álvares Cabral, da qual quase fui expulso por me assentar para almoçar à mesa de uma senhora que não conhecia. Meu gesto era um atrevimento, naquele tempo.

Pois estava eu ali considerando o que era a BH de ontem e a BH de hoje. Já havia, de manhã, enfrentado um trânsito infernal e à noite iria enfrentá-lo de novo, indo à PUC Minas para uma conferência sobre minha experiência como ensaísta e crítico. Vivo repetindo para os motoristas que sou do tempo em que havia bondes e árvores na Avenida Afonso Pena e a cidade tinha – acreditem! – 650 mil habitantes.

Pois estava eu ali naquele shopping me lembrando daquela BH de Drummond (vinha de uma entrevista sobre Drummond no programa Arte no ar, de Thelmo Lins), estava ali recordando a BH de Fernando Sabino (que dizia saber a ordem das casas nas devidas ruas), estava mergulhado na BH que conheci, quando o Maletta e o Bucheco significavam uma revolução sexual, e aparece essa senhora, que era também daquele tempo, na cidade que só existe na memória.

Pois ela se assentou naturalmente e, depois do silêncio inicial, perguntei-lhe de onde era. Era de Virginópolis (procurem no Google e o no GPS) e a conversa foi se interiorizando. Advogada, estudara aqui nos anos 60 e, tanto quanto eu, frequentava o bandejão da Faculdade de Direito. Perguntei-lhe pelo mítico Alberto Deodato, que eu encontrava na Livraria Itatiaia, e caímos na BH de 40 ou 50 anos atrás, antes de o prefeito Jorge Carone mandar derrubar as majestosas árvores que davam um toque silvestre e tranquilo à Afonso Pena.

No entanto, voltando ao estabanado presente, olhei uma vez mais o shopping onde estávamos, fervilhando de gente e com lojas de marcas internacionais. Que contraste com a rupestre A Camponesa, aonde se ia para paquerar e tomar ingênuos sucos. Lembrei-me que um dia uma morena portentosa se aproximou de mim... Eu solteiro e desajeitado, me armei todo, mas a bela queria simplesmente me vender uma tômbola de carros. 

Como imaginar que aquele campo do Atlético daria lugar a esse templo da pós-modernidade!

Naquele tempo, porteiro não deixava moça, nem irmã, subir ao apartamento de rapazes. Eram guardiães da moral mineira. Por isso, as moças iam pressurosamente passar as férias no Rio... E que férias!

Era assim: moça de família, até os anos 50, não andava de calça comprida na Avenida Afonso Pena. Só as cariocas e prostitutas. Minha interlocutora contou-me a revolução que foi, quando na agência do banco onde trabalhava, apareceu de jeans. Os próprios colegas ficaram em polvorosa e quem a defendeu foi o gerente. 

Olho em torno e vejo como as pessoas estão vestidas hoje. Estão seminuas. Nos aeroportos então é um deus nos acuda. O certo é viajar de sandálias e de bermudas. Temos que conviver com o cheiro e o dedão do pé alheio. E as mulheres de shortinho, shortíssimos. 

Não, não estou reclamando, me entendam, estou constatando.

De repente, a conversa que estava tendo com minha fortuita interlocutora esbarra no preconceito de certos professores contra as raras alunas no curso de direito. Alguns até judiavam delas. Já na primeira aula, jogavam na cara delas que estavam ali caçando marido.

Não resisti indagar àquela senhora de Virginópolis sobre uma história que sempre pensei fosse uma lenda urbana. Ela confirmou que era verdade, e me contou: um professor de direito criminal narrava com fartura de detalhes o tamanho do pênis de um estuprador, quando uma aluna, achando que ele estava fazendo aquilo desmesuradamente, retirou-se da sala. Mas no caminho da porta ainda teve que ouvir do mestre: “Minha filha, deixa eu lhe dar o endereço do estuprador...”.


>>  www.affonsoromano.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário