Bruna Sensêve
Estado de Minas: 23/11/2012
Desde que vinis, fitas cassete e até mesmo CDs viraram objetos de colecionadores, o número de músicas em um acervo pessoal foi absurdamente multiplicado. Hoje, a discografia de um artista consagrado cabe no bolso e pode ser obtida em poucos minutos de download. Com esse avanço tecnológico, nova necessidade surgiu: uma forma inteligente de montar listas de reprodução. A tarefa de visualizar todas as possibilidades, lembrar-se da sonoridade de cada música e combinar esses fatores com o objetivo final de uma playlist tornou-se uma função mais próxima ao processamento rápido de um computador que dos indecisos e vacilantes cérebros humanos. Para ajudar nessa tarefa, pesquisadores da Universidade de Coimbra, em Portugal, estão desenvolvendo o MOODetector, projeto que, apesar de não estar finalizado, já foi premiado.
O software — cujo nome é formado pela junção das palavras inglesas mood (humor) e detector (mesmo significado em português) — permite catalogar músicas de acordo com os sentimentos que elas transmitem. Na prática, ele permitirá o rastreamento de obras em longas listas de acordo com o perfil desejado. O invento poderá ser útil tanto para o usuário comum quanto para empresas, como uma loja de departamentos.
“A possibilidade de realizar pesquisas baseadas em conteúdo cria oportunidades também nas indústrias de publicidade ou games. Na produção cinematográfica, por exemplo, seria mais fácil procurar músicas de acordo com uma cena que se pretende criar, instigando medo, revolta, alegria ou outro tipo de emoção no espectador”, afirma o líder da pesquisa, Rui Pedro Paiva, professor do Departamento de Engenharia de Computação da Universidade de Coimbra. Na indústria dos videogames e na publicidade, o uso seria semelhante, com a possibilidade de procurar músicas para aplicar em momentos específicos de forma a aumentar a tensão e marcar um momento de felicidade ou de revolta.
Protótipos Para facilitar a vida do usuário, contudo, o grupo tem tido muito trabalho. As pesquisas, os cálculos e os testes para gerar o algoritmo perfeito foram iniciados em 2010 e continuam. Até o momento, dois protótipos foram desenvolvidos. O primeiro baseia-se em modelos de emoções contínuos, ou seja, nele, as emoções são vistas como pontos de um plano bidimensional posicionados em dois eixos: a valência e a ativação. A valência está relacionada com o tipo de emoção: positiva ou negativa. Uma música alegre tem valência positiva, enquanto uma melancólica, negativa. A ativação refere-se à energia presente na música: canções calmas têm baixa ativação, e as vibrantes, altas.
Paiva salienta que o modelo, na verdade, acaba sendo tridimensional. Existe um terceiro fator designado habitualmente por dominância de potência que está também associado ao tipo de emoção. Por exemplo, medo e agressividade correspondem a uma valência negativa e uma ativação positiva. No entanto, ambos podem ser distinguidos pela dominância: o medo está associado à passividade (dominância negativa), e a agressividade à atividade (dominância positiva). “No entanto, atendendo a complexidade que um modelo tridimensional acarreta para visualização e pesquisa de música, optamos por simplificar e utilizar a versão bidimensional, que é suficiente na maioria dos casos, tal como defendem vários especialistas em psicologia musical.”
O segundo protótipo, que deve ser integrado ao primeiro, baseia-se em modelos de emoção nomeados discretos. Nele, as músicas são classificadas com base em adjetivos: alegre, triste, melancólica, excitante. Foi com esse modelo que o algoritmo alcançou o melhor resultado no concurso Mirex, no qual diversos softwares são testados quanto à precisão que conseguem atingir ao relacionar uma música e um sentimento. Apesar do sucesso no concurso, a precisão de 68% alcançada pelo dispositivo mostra que ainda existe um longo caminho a ser percorrido.
Os desenvolvedores consideram a utilização do sistema bastante intuitiva. Primeiro, é necessário importar as canções para a biblioteca do aplicativo. A partir daí, o processo de classificação emocional ocorre automaticamente. “À medida que as músicas vão sendo classificadas, elas são adicionadas à biblioteca e colocadas no plano bidimensional. A partir do momento que há músicas na biblioteca e no plano, o usuário pode selecionar a sua playlist com base no conteúdo emocional desejado”, explica Paiva.
Cultura Fernando Gomes, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) especializado em inteligência artificial, explica que o sistema lembra o usado hoje para detectar a clonagem de telefones celulares e cartões de crédito. Perfis de uso desses equipamentos são traçados especificamente para cada usuário, da mesma forma que as músicas respeitam uma certa padronagem para se relacionar com determinado sentimento. No caso dos celulares e dos cartões, se o uso fugir ao que normalmente é registrado no perfil, a empresa contata seu cliente. “Essa metodologia não é muito nova e já está em uso. O grande diferencial é ser aplicado para a categorização de músicas”, avalia o brasileiro, que não participa do desenvolvimento do MOODetector.
Na opinião de Nazareno Andrade, professor do Departamento de Sistemas de Computação da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), dois pontos ainda precisam ser considerados pelos pesquisadores de Coimbra. Em primeiro lugar, não foi abordado em todos os estudos de desenvolvimento desse tipo de sistema como lidar com a heterogeneidade das músicas em diferentes países.
“Normalmente, eles lidam com o pop americano e com o público estadunidense. Essa classificação claramente depende do contexto cultural das pessoas. Talvez a melancolia do samba possa soar menos triste para o brasileiro do que para um estrangeiro”, aponta.
Outro fator é a análise das letras das músicas. Na internet, é possível encontrar diversos bancos de dados de letras de canções e muitos desenvolvedores já trabalham com a possibilidade de categorizar músicas pelo conteúdo de suas letras, mas, segundo Nazareno, ainda não foi possível chegar perto de resultados consistentes. “Há pesquisas tentando usar isso para entender o humor e o sentimento. O processamento de linguagem natural é promissor, como aquele que usamos para fazer busca em documentos. Seria possível achar uma combinação de palavras que façam uma música ser triste, romântica ou raivosa.”
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