Folha visita filmagens de "Serra Pelada", superprodução brasileira de Heitor Dhalia com trama movida a tiros, ouro e sangue
Gabo Morales/Folhapress | ||
A atriz Sophie Charlotte nas filmagens de "Serra Pelada", de Heitor Dhalia |
Três cães vira-latas passeiam sem a menor preocupação. Não há ninguém para espantá-los da Barbearia Galante ou do Galpão dos Bamburrados, termo que batiza os mineradores mais abastados do garimpo.
Nem para expulsá-los do açougue. Parece estranho que os filés pendurados ali não atraiam os cães.
É que os animais, claro, sabem que nada daquilo é real.
Estamos no set de filmagens de "Serra Pelada", maior esperança do cinema brasileiro em ter um novo blockbuster de ação em 2013.
A cidade cenográfica, erguida em um terreno cedido por uma empresa de construção de aterros sanitários, é de um realismo chocante.
Mineradores sujos deitam em redes armadas em dezenas de barracas. Moscas disputam espaço com câmeras. Só faltam arbustos secos rodando ao vento para o clima de Velho Oeste ficar perfeito.
A produção quase se perdeu nesta busca pelo real. Com orçamento de R$ 10 milhões e direção de Heitor Dhalia ("À Deriva"), o longa seria rodado no interior do Pará.
A ideia era a de levantar a vila fictícia ao lado de uma ex-cava de mineração, perto da verdadeira Serra Pelada, maior garimpo a céu aberto do mundo nos anos 1980.
O cenário do filme, no entanto, acabou sendo erguido nos arredores de Paulínia, a 120 km de São Paulo.
'Serra Pelada' narra amizade e ganância
Em busca de realismo, Heitor Dhalia criou cidade cenográfica e zona de garimpo no interior de São Paulo
Juliano Cazarré e Júlio Andrade assumem os papéis principais após mudanças e adiamento nas filmagens
Em junho passado, a 15 dias do início das filmagens de "Serra Pelada" no Pará, Heitor Dhalia e a produtora Tatiana Quintella receberam a notícia de que a Companhia Vale do Rio Doce não cederia o terreno previsto para servir de cenário e o governo do Pará não apoiaria o longa.
A alternativa local era um terreno de mineração a cerca de 150 km de Belém. "Não tínhamos onde dormir nem a segurança necessária. Se a gente fosse para o Pará, seria um caminho sem volta", lembra Quintella.
Assim, as filmagens de "Serra Pelada", que deve ter a estreia mundial no próximo Festival de Cannes, foram adiadas para este mês e transferidas para São Paulo.
Os prejuízos foram mínimos, mas a agenda dos protagonistas Wagner Moura e Daniel de Oliveira, que fariam os dois amigos que rumam ao garimpo no início dos anos 1980, estava comprometida.
Enquanto Oliveira foi substituído por Júlio Andrade ("Gonzaga - De Pai pra Filho"), o ator de "Tropa de Elite", que também é produtor de "Serra Pelada", passou a bola para Juliano Cazarré e ficou como o vilão do filme, que exigia menos dias no set.
"Foi a equação ideal, porque pude fazer um papel importante e não deixei um projeto em que estou envolvido há três anos", diz Moura.
Quando a Folha entrou na cidade cenográfica em Paulínia, Cazarré e Andrade já estavam confortáveis com seus personagens. Eles já haviam filmado duas semanas na Serra Pelada de mentira, recriada em Mogi das Cruzes, distante 60 km de São Paulo.
O primeiro interpreta Juliano, um sujeito que vê no garimpo a solução para seus problemas financeiros.
O segundo é Joaquim, professor de português que segue o amigo para o Pará em busca de dinheiro para sustentar a mulher grávida (Eline Porto) em São Paulo.
No "formigueiro", os dois começam a entrar em conflito à medida que encontram ouro e ganham poder naquela terra sem lei.
"Ninguém paga 2%, só a gente. Por mim, seria 1%, mas o professor aqui é comunista", discursa o personagem de Juliano a um bando de garimpeiros em uma cena.
Nessa ascensão da dupla na região, Dhalia cria seu "épico intimista" com sequências de ação e referências que vão de "Scarface" a westerns -Sophie Charlotte, por exemplo, vive a prostituta "criada" pelo coronel de Matheus Nachtergaele, mas que se apaixona por Juliano.
"É faroeste misturado com filme de gângster", exalta o diretor. "Evitamos nos preocupar muito com os eventos históricos. É um filme que traz a verdade, mas é um filme."
TARANTINO E MARIAS
No intervalo de uma cena em que Cazarré confrontava a personagem de Sophie, vestida de noiva e toda ensanguentada, impossível não se lembrar de Tarantino.
Ele canta "Bang Bang (My Baby Shot Me Down)", cuja versão de Nancy Sinatra ficou famosa na trilha sonora do filme "Kill Bill".
"Tarantino brinca mais com gênero, enquanto 'Serra Pelada' é mais dramático. Mas não aplaco a violência", garante Dhalia. "Lembro de 'Sangue Negro' pela obsessão do personagem com o ouro", diz Cazarré.
"Serra Pelada" terá um elemento original ao trazer à tona as "Marias", apelido dos homossexuais que fazem as vezes de mulheres na vila dos garimpeiros. "É um tema nunca tratado neste estilo de filme. Eles têm boas cenas de ação e vingança", diz o cineasta. "Nada supera a realidade."
Wagner Moura vira vilão para poder se dedicar a papel de Fellini
DO ENVIADO A PAULÍNIA (SP)Quando o diretor Heitor Dhalia e a produtora Tatiana Quintella tomaram a decisão de adiar as filmagens de "Serra Pelada" e transferi-las do Pará para São Paulo, Wagner Moura, protagonista e produtor do filme, temeu pelo pior."Foi muito difícil para mim, porque achava que não filmar no Pará significava não fazer mais o longa. Mas eu não estava tão a par dos meandros dos custos quanto Heitor e Tatiana", explica Moura por telefone.
"Foi um erro de logística nosso, mas, quando cortamos as filmagens no Pará, enxugamos também o roteiro. Tiramos uma criança que seria a ligação entre os personagens e cortamos locações."
Moura deixou de lado o papel principal de Juliano porque já entrou na preparação para viver o diretor Federico Fellini na produção americana "Fellini Black and White", de Henry Bromell, um dos produtores da série "Homeland".
"Eu estou fazendo aulas de italiano para filmar Fellini em janeiro. Eu não poderia chegar a Los Angeles com o sotaque dos americanos de 'Bastardos Inglórios'", brinca o ator, que contratou uma professora particular para aprender a língua e, depois, interpretar o famoso cineasta em inglês.
Como não poderia filmar com tanta frequência por causa de "Fellini", o ator encontrou uma saída: "Eu sentia desde o início que o longa precisava de um antagonista mais forte, além da cobiça pelo ouro. Foi quando inventei Lindo Rico". O personagem será o vilão da trama.
Mesmo cedendo o protagonista para o amigo Juliano Cazarré, Wagner Moura ainda tinha a opção de adiar "Serra Pelada", mas preferiu deixar o filme seguir o curso.
"A equipe estava engatilhada. Tenho um amor por esse projeto e não queria prejudicá-lo mais", diz. "Juliano é um grande ator e acho que precisa de um personagem assim como eu tive em 'Tropa'", conta Moura.
Mas será que "Serra Pelada" tem chances de alcançar números parecidos com os da série do Capitão Nascimento?
"O filme tem a chance de ser um blockbuster que destoa das comédias", confia o ator, que estreia em Hollywood em agosto de 2013 com
"Elysium", do diretor Neill Blomkamp, de "Distrito 9".
"Quero produzir longas com conteúdo e valor de mercado. É difícil de balancear, porque tem um pensamento antigo de que filme de arte precisa ser cabeça", reclama.
"Mas 'Elysium' e 'Serra' podem mostrar que esse equilíbrio é possível."
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