terça-feira, 27 de novembro de 2012

Clique fatal - Denise Fraga


VIDA REAL
DENISE FRAGA - denise-fraga@uol.com.br
Clique fatal
Vejo as pessoas em momentos preciosos tingindo suas alegrias com esse desespero de postá-las
Quando nasceram meus filhos, eu costumava dizer que todas as mães deveriam sair da maternidade com seus bebês nos braços e um superpoder de brinde: a câmera-piscadela.
Seria um aparato, um chip qualquer acoplado ao olho, que, numa piscadela, eternizaria em fotos o milagre vertiginoso que é ver uma criança evoluir ao seu lado.
Compramos nossa primeira câmera digital para garantir liberdade de cliques à tentativa de congelar a vida que corria em alta velocidade.
Foi quando começou minha síndrome. Cada foto que eu tirava dos pequenos me renovava a esperança por outra ainda melhor.
Diante de tanta exuberância, modelos brilhantes e inquietos, eu lutava na ilusão de poder capturar a plenitude. Resultado: milhares de fotos aprisionadas em um computador à espera de seleção. Algumas imagens incríveis, mas, agulhas no palheiro, raramente vistas.
Com o tempo, eu fui me acalmando. Fiz uma lei própria de me permitir no máximo dois cliques por tema e aceitei que o trabalho de seleção ficará adiado para a minha aposentadoria.
Hoje, meus filhos têm 15 e 13 anos, o superpoder da câmera-piscadela não é mais um sonho e já rola solto no mercado. Não é exatamente um aparato acoplado ao olho, mas temos nossos cliques disponíveis na ponta dos dedos. Nossos celulares e smartphones garantem vida eterna aos nossos melhores momentos e aumentam nossa angústia por capturá-los.
É incrível o número de gente fotografando por aí. No outro dia fui a um casamento e parecia que os noivos tinham contratado uns 20 fotógrafos. O evento Facebook ainda catalisa essa ansiedade coletiva, pessoas na busca de suas biografias perfeitas. Não fotografou, não viveu.
Vejo pessoas em momentos preciosos tingindo suas alegrias com o desespero de postá-las; me identifico, lembrando-me de meus bebês que me deixavam angustiada por não conseguir capturar a alegria que sentia em percebê-los. Porque é simplesmente impossível. Uma foto é uma frustração em si. Mata-se um pouco o que se clica.
Amo fotografar, mas confesso que ando com certa gastura dos cliques. Porque uma pessoa é muito mais do que a melhor foto que se possa fazer dela. Cercados de imagens por todos os lados, vamos nos acostumando a ver a vida através dos cliques e à cada vez mais rara sensação de plenitude. Talvez estejamos vivendo todo esse excesso para finalmente aprender com os índios que as câmeras nos eternizam, mas também nos roubam a alma.

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