terça-feira, 27 de novembro de 2012

Penas e galinhas - Marcelo Coelho


QUESTÕES DE ORDEM
MARCELO COELHO ccoelhofsp@uol.com.br
Penas e galinhas
Até a galinha roubada sabe que, no mensalão, os réus negavam o crime; No máximo, "confessaram" caixa dois
O ladrão de galinhas é pego, de madrugada, com algumas aves debaixo do braço. Não nega o ato cometido. "Peguei as galinhas, mas fui apenas passear com elas."
O juiz não acredita na história; condena o ladrão. Surge o advogado: pede que a pena seja mais branda. "Há um atenuante! O réu, afinal, confessou o crime..."
Difícil algum juiz que engolisse a tese do advogado. O ministro Marco Aurélio Mello aceitou, entretanto, raciocínio semelhante na sessão de ontem do STF.
Dois réus do mensalão, Bispo Rodrigues e Valdemar Costa Neto, vieram pedir uma pena menor por terem "confessado" o recebimento de propinas.
Nem Ricardo Lewandowski entrou, digamos, nessa "roubada".
É certo que a lei permite a diminuição da pena nesses casos, explicou Lewandowski. Mas isso quando a confissão é feita de modo a ajudar as autoridades no processo investigativo.
Ainda mais: como lembraram Joaquim Barbosa e Cármen Lúcia, os réus não confessaram "crime" nenhum. Confessaram, sim, o recebimento de dinheiro. Mas nunca admitiram que aquilo era corrupção.
Foi o momento em que Marco Aurélio Mello apresentou sua firula. O texto da lei fala, efetivamente, em confessar "o crime". Mas um réu, como leigo, não têm obrigação de dizer qual "o crime" que cometeu. Vai lá saber se foi caixa dois, peculato, concussão...
A lei deveria ser entendida de outro modo. O réu tem apenas de confessar a ação que cometeu. Às autoridades compete dizer em que tipo de crime aquilo se enquadra.
Mas até a galinha roubada do galinheiro sabe perfeitamente que, no caso do mensalão, os réus, ao contrário de confessar, negavam terminantemente o crime. No máximo, "confessaram" o uso de caixa dois, um crime menor. Será que existe crime de "sequestro de galinhas" para livrar alguém da acusação de furto?
De resto, a defesa de Valdemar Costa Neto batia na tecla de que todo o dinheiro recebido era apenas consequência de um "acordo político" entre o seu partido, o PL, e o PT. Que confissão seria esta?
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Passado o susto das penas altíssimas contra Marcos Valério, José Dirceu e os banqueiros, a sessão de ontem foi menos astronômica em termos de condenações.
O crime de corrupção passiva, por si mesmo, não rende muitos anos de cadeia. Ainda mais quando se considera a versão mais antiga da lei, que até novembro de 2003 previa só um ano de prisão como pena mínima.
Vale a lei antiga no caso dos mensaleiros? Para a maioria dos ministros, sim. É verdade que muitos recebimentos de propina se estenderam por 2004 adentro, mas o crime se comete, afinal, quando o deputado "aceita" o oferecimento de dinheiro, não quando o recebe.
Com isso, algumas penas ficaram baixas. José Borba, do PMDB, saiu-se com apenas dois anos e meio.
Celso de Mello abriu, então, seu saquinho de maldades. A pena de prisão pode ser convertida em penas alternativas. Em geral, disse ele, determina-se apenas a "prestação de serviços à comunidade".
Ideia banalizada, disse Celso de Mello. "Uma vergonha", apoiou Joaquim Barbosa.
Celso de Mello lembrou outra possibilidade, capaz de trazer o desejável "componente aflitivo" ao condenado: a interdição do fim de semana. Durante cinco horas diárias, todo sábado e domingo, o condenado teria de se apresentar à instituição correcional, para ouvir palestras, sentadinho ali.
Mas isso é uma verdadeira pena alternativa ou é restrição de liberdade também? A pergunta foi feita por Marco Aurélio de Mello.
Faltou perguntar se as palestras seriam proferidas pelo próprio Celso de Mello. Em matéria de castigo, não seria pouco.

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