sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Entre o sagrado e o profano - RASHEED ABOU-ALSAMH

O Globo - 16/11/2012




Em Meca, construíram   


hotel de luxo e shopping.   

Derrubaram uma casa   

onde o profeta Maomé   

morou e ergueram um   

banheiro público em cima








O conflito entre os que querem  

preservar o passado e  
aqueles que querem derrubar  
tudo o que há de velho,  
para construir coisa novas, é uma situação  
familiar em todas as culturas.  
Na Arábia Saudita tem causado controvérsia  
nas duas cidades mais sagradas  
do Islã: Meca e Medina.


Com o crescimento populacional  

em países islâmicos, e expansão correspondente  
de poder econômico, o  
número de peregrinos tem crescido a  
cada ano, saturando ao máximo a capacidade  
da Caaba, em Meca, que  
contém o cubo negro em qual direção  
todos os muçulmanos rezam diariamente,  
e da mesquita do profeta Maomé  
em Medina.


Neste ano quatro milhões de peregrinos  

muçulmanos fizeram o Haj para  
Meca, e sem dúvida um grande número  
deles também deu uma esticada  
a Medina para rezar na mesquita  
do profeta Maomé. Em Meca, o governo  
saudita já fez várias expansões da  
Caaba ao longo das décadas, a última  
delas viu vários morros na cidade literalmente  
demolidos para dar mais espaço  
à expansão.


Lembro de uma controvérsia sobre  

um desses morros que ia ser demolido.  
Em cima dele tinha uma fortaleza  
velha, construída pelos turcos quando  
os otomanos controlavam a província  
de Hejaz, no Oeste da Arábia, 
onde se encontram Meca e Medina.  
Comentei com meu pai, dizendo que  
eu achava isso lamentável, e que deveriam  
preservar esses edifícios do  
passado.


A resposta dele me surpreendeu:  

“Por que manter essas coisas que só  
trazem lembranças ruins? Nós não 
sentimos falta dos otomanos.”

E, talvez, seja um pouco desse sentimento  

de querer esquecer o passado  
pobre da Arábia Saudita (antes de  
o petróleo ser descoberto pelos americanos,  
nos anos 1930, era um país  
muito pobre e atrasado) que esteja na  
raiz das atitudes dos governantes atuais.  
Mesmo assim parece que os dirigentes  
políticos e religiosos sauditas  
têm se esforçado para apagar quaisquer  
vestígios do passado em Meca e  
Medina.


Em grande parte, é por causa do ramo  

Wahabita do Islã, que a maioria  
dos sauditas segue. É uma versão austera  
em que o aniversario de Maomé  
não é celebrado; onde os mortos são  
enterrados em sepulturas anônimas,  
e onde qualquer interpretação de  
conceitos religiosos fora do comum é  
denunciada como inovação proibida.


Em Meca, já demoliram a maioria  

das antigas casas e lojas que ficavam  
ao redor da Caaba. Em seu lugar 
construíram um complexo gigante  

contendo um hotel e apartamentos  
de luxo, além de um enorme shopping  
com o café Starbucks e a loja de  
roupas H&M, entre outros. Muitas  
pessoas ficaram horrorizadas com esse  
avanço do mundo material às portas  
de um lugar tão sagrado. “Como  
podem botar isso ali?”, perguntam, escandalizados.  
Mas o profano e o sagrado  
sempre se encontram lado a lado  
nesse mundo nosso, e eu entendo  
a vontade de um peregrino querer rezar  
e meditar na Caaba para se sentir  
mais perto de Deus, e depois querer  
beber um Caramelo Macchiato no  
Starbucks ao lado.


O dr. Sami Angawi é um arquiteto e  

intelectual saudita que tem lutado  
por anos pela preservação dos locais  
religiosos em Meca e Medina, infelizmente  
sem muito sucesso. Anos atrás,  
ele era o diretor do Centro de Pesquisa  
do Haj, uma organização do governo,  
que estuda o Haj e sugere métodos  
de aprimorar a experiência dos  
peregrinos. É ali onde seu interesse  
nos lugares históricos, que estavam  
sendo derrubados e apagados, foi  
despertado. O governo acabou não  
gostando das preocupações dele, e  
logo foi demitido do cargo.  
Angawi foi o primeiro a fazer soar o  
alarme, quando uma casa onde o profeta  
Maomé tinha morado, em Meca,  
foi derrubada, e um banheiro público  
construído em cima. O Instituto do  
Golfo, em Washington, estima que  
95% dos prédios com mil anos de idade  
já foram demolidos nas duas cidades.


Em Medina, o governo está planejando  

uma expansão gigantesca da  
mesquita do profeta Maomé, com sua 
famosa cúpula verde. De uma capacidade  

de 600.000, a expansão vai dar  
espaço para 1,6 milhão de fiéis. Na rota  
da expansão, estão três mesquitas  
históricas, duas delas dedicadas aos  
companheiros de Maomé, Abu Bakr e  
Omar. O governo saudita até agora  
não declarou se vai preservar essas  
estruturas que datam do sétimo século.  
Mas, com 12 milhões de peregrinos  
(esse número inclui aqueles que  
vão durante o ano todo para fazer o  
Umrah, ou pequena peregrinação) visitando  
Meca e Medina todo ano, não  
é surpreendente que o governo saudita  
tente acomodar muitos da maneira  
mais confortável possível. Expandir  
os dois lugares sagrados foi o único  
jeito possível de fazer isso.


É triste ver que prédios históricos  

estão sendo derrubados para isso. Será  
que esse é o preço que devemos  
pagar para o progresso? Eu acho que  
não. Os governantes poderiam expandir,  

sim, Meca e Medina, mas tomando 





o cuidado de preservar prédios  
de valor histórico, e em algum casos  incluí-los nas construções novas.
 
Lembrar do passado ajuda a construir  
um futuro diferente

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