RUY CASTRO
Um passado para vender
RIO DE JANEIRO - Peças de memorabilia americana irão a leilão domingo na casa Bonhams, em Los Angeles. Entre os lotes em disputa, estarão um chapéu-coco e bengala usados por Chaplin; um sax alto que pertenceu ao jazzista Charlie Parker; uma cadeira de vime egressa do Rick's Café no filme "Casablanca"; o original de uma tira do personagem Charlie Brown, por Charles Schulz; uma carta de John Lennon a Yoko Ono, com um desenho por Lennon dos dois nus etc. Nenhum lance inicial abaixo de cinco dígitos em dólar.Quando leio isso, pergunto-me por que não temos parecido. Imagino um leilão no Rio com a cartola e o smoking de lamê usados por Carmen e Aurora Miranda no filme "Alô, Alô, Carnaval"; uma flauta de Pixinguinha; um isqueiro de Orson Welles, com seu monograma, perdido (ou afanado) quando ele veio filmar "It's All True" no Brasil; o facão de Corisco (Othon Bastos) em "Deus e o Diabo na Terra do Sol"; o original de uma aventura de Lourolino e Remendado pelo desenhista Joselito em "Vida Infantil"; uma carta de amor por Nelson Rodrigues etc.
Mas sejamos modestos. Por que não, pelo menos, um leilão que oferecesse um "bobs" de cabelo de Celly Campello no tempo de "Banho de Lua"; uma chuteira de Valdemar Carabina, beque do Palmeiras; ou o manuscrito de "Meu Pé de Laranja-Lima", por José Mauro de Vasconcelos?
Pelo mesmo motivo que esses nomes só têm hoje algum eco entre os maiores de 60 anos, e olhe lá -porque nossa memória é alérgica a nomes, objetos ou papéis velhos.
Diz-se que isso é coisa de país jovem, sem um passado para o qual olhar. Mas os EUA são tão ou mais jovens que o Brasil. A diferença é que, para eles, o passado não é só para provocar suspiros em macróbios. Serve também para ser vendido de novo, e quantas vezes houver gente para comprá-lo.
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