Minha vida em neon
Artista Tracey Emin abre seu ateliê em Londres à Folha e fala sobre sua 1ª mostra no Brasil, na nova White Cube, em SP
Ben Stansall - 16.mai.11/AFP |
Tracey Emin posa para retrato diante de suas obras na Hayward Gallery, em Londres |
De cara para a porta do ateliê, um retrato de Tracey Emin recebe quem entra com a careta que virou marca registrada da artista britânica. "Esse quadro nós chamamos de 'a chefe'", diz ela. "No Natal, a gente acende umas luzinhas coloridas em volta dele."
Não há dúvida sobre quem manda no pedaço, e não existe parede de seu ateliê no East End londrino, a quadras do mercado de Spitalfields, sem o seu rosto ou seu corpo nu estampado em fotografias.
Emin, como ela mesma se classifica, é "imensa". Nome que despontou junto de Damien Hirst e os chamados jovens artistas britânicos na década de 1990, a artista é hoje uma das mais poderosas no circuito global -pelo preço das obras e prestígio entre críticos- e fará em dezembro a primeira individual no Brasil, abrindo o endereço paulistano da galeria White Cube.
"Tem artistas com personalidades gigantes, que engolem o trabalho, e tem aqueles medianos, irreconhecíveis", define Emin. "Eu faço parte do primeiro time, sou reconhecível, com uma personalidade enorme. As pessoas me veem na rua e sabem que eu sou 'aquela artista'".
Essa artista, aliás, fez fama e fortuna expondo a própria miséria. Sua obra se funde à história pessoal -Emin, 49, retrata em desenhos, instalações em neon, esculturas, bordados, fotografias e vídeos as desventuras de ter sido estuprada aos 13 e os abortos que fez até agora.
Sua infância e adolescência em Margate, "uma cidadezinha litorânea abandonada na costa da Inglaterra, onde não havia nada para fazer a não ser se misturar à decadência generalizada, trepar, brigar e gastar a vida", contrasta agora com sua posição de celebridade milionária.
Numa rara entrevista, Emin topou receber a Folha em seu ateliê em Londres. Ela e seus oito assistentes -entre arquivistas, assessores de imprensa, costureiros e montadores- ocupam um prédio inteiro. Por trás da fachada vitoriana, são três andares e o subsolo, onde Emin mandou construir uma piscina.
Mesmo imersa no luxo, ela mantém a casca grossa de quando vivia num quartinho em cima de um KFC com todos os pertences amontoados -uma cafeteira elétrica e saquinhos de sopa instantânea.
Emin, que já disse ter "mais testosterona no pé direito do que muitos homens têm no corpo todo", corta o entrevistador, rebate perguntas e reage a alguns comentários esgarçando a pele queimada de sol em caretas assustadoras.
MALDIÇÃO
"Não sei por que, mas as pessoas têm medo de mim", diz Emin. "Fui a uma cartomante em Nova York, e ela disse que eu tinha sido amaldiçoada, mas que a maldição já está quase passando."
Ela diz que não precisa sofrer para traduzir em obras de arte a sensação de fracasso no amor. "Sou inteligente o suficiente para saber que não preciso sentir dor para fazer o trabalho", diz. "Na verdade, gostaria de estar apaixonada e ser feliz, mas as pessoas não entendem isso."
Lembrando Van Gogh, que retratava o próprio quarto, Emin diz que não faz uma obra sobre si mesma e nega que seja uma artista introspectiva. "É o oposto disso", diz. "Você precisa estar fora de si para ver o que faz, senão a obra fica míope, pequena."
De fato, ela constrói sua obra misturando sua vida real a uma ficção calculada. Suas frases pinçadas de escritos pessoais febris viram aforismos universais quando bordadas em colchas de retalhos ou impressas em neon.
"Não podem ser frases rasas, precisam ser abertas, ter duplos sentidos", diz Emin. "Não pode ser algo como 'você me faz feliz'. É bem melhor algo como 'pensei que você pudesse me deixar feliz'."
Em São Paulo, Emin vai mostrar uma série de novos neons, entre eles um que diz "não acredito no amor, mas acredito em você". Também estarão na mostra desenhos de pegada expressionista, que costumam retratar a própria artista se masturbando.
Seu trabalho, não por acaso, sublinha essa vontade ensimesmada. Ela, que já disse preferir se masturbar a "partir o coração de alguém", parece anunciar orgulhosa que controla o próprio prazer.
"Tenho visões de uma figura isolada, sozinha", conta Emin. "Já tentei desenhar outras pessoas, mas isso só me fez enxergar mais o meu isolamento. Quando me desenho, eu não me olho no espelho. Fico muito perto do papel e quase não fica espaço entre mim e o desenho."
Essa clareza de visão, porém, demorou a surgir. Emin conta que depois do primeiro aborto, um "sacrifício" do qual diz não se arrepender, passou anos sem trabalhar.
"Parei de acreditar em arte, pensava que isso tudo era só um pedaço de plástico", lembra. "Mas depois a arte acabou voltando, voltou de um jeito forte e bom. E tem sido cada vez mais forte."
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