quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O caminho das pedras ( Felipe Tichauer) - Eduardo Tristão Girão‏

Dono de estúdio nos Estados Unidos, o engenheiro de som paulistano Felipe Tichauer defende a música brasileira no mercado internacional. Em 2013 ele vai montar uma filial em São Paulo 

Eduardo Tristão Girão
Estado de Minas: 28/11/2012 
Na Red Traxx Music, em Miami, Tichauer se encarrega das várias etapas da produção de um disco


Por vezes o sucesso acontece pela junção de talento e sorte. Para o paulistano Felipe Tichauer, de 32 anos, não foi diferente. Indeciso na hora do vestibular, o músico amador descobriu o curso de engenharia de som numa universidade dos Estados Unidos e resolveu pagar para ver. Arranjou emprego com o produtor musical Rudy Pérez e, por acaso, teve como primeiro trabalho a gravação de Mi reflejo (2000), disco de estreia em espanhol da cantora Christina Aguilera que acabou ganhando um Grammy Latino. Cinco anos depois, abriu seu próprio estúdio, o Red Traxx Music, em Miami, tornando-se requisitado inclusive por brasileiros.

“A equipe do Rudy era pequena e cresci rápido por necessidade”, conta Tichauer. “Fizemos quase 60 discos em dois anos. Foi minha verdadeira escola em gravação e da indústria musical. Trabalhava de 15 a 18 horas por dia todos os dias e pude acompanhar todas as fases de produção de um disco. Sou muito grato por essa experiência. A partir disso virei freelancer. Fui para Los Angeles trabalhar com o produtor de rock Michael Beinhorn, que trabalhou com Red Hot Chili Peppers, Korn e Soundgarden. Voltando para Miami, montei meu estúdio, já que percebi que a tendência dos engenheiros era ter estúdio próprio.”

Fidelidade A ideia de cobrar do cliente por hora de trabalho nunca agradou a Tichauer. “O projeto fica pronto quando estamos todos felizes e não quando a hora do estúdio acabou. O cliente fica mais tranquilo e o produto final se beneficia disso. Quando o disco chega pra mim é como se eu tivesse recebido o sonho do artista nas minhas mãos”, justifica. Dessa forma, Tichauer conseguiu fidelizar nomes importantes e, consequentemente, ser indicado por eles para terceiros. Atualmente, 80% do seu trabalho são dedicados à masterização, sendo o restante mixagem, composição e produção.

Não foi fácil entrar no mercado norte-americano, lembra Felipe Tichauer. “A maior dificuldade para estrangeiros nesse mercado é o visto de trabalho. Acredito que o brasileiro tem musicalidade nata, que ajuda muito. A maior diferença é como os norte-americanos trabalham, a ética de estúdio etc.. Por serem muito competitivos, o segredo é ralar muito mesmo, e sempre estar com uma energia positiva, pois as pessoas vão te dar oportunidade. A sua obrigação é estar pronto quando ela aparecer.”

O esforço rendeu frutos: o paulistano está construindo um estúdio desenhado especialmente para masterização em Miami e, ano que vem, vai inaugurar outro em São Paulo, em parceria com o engenheiro de som Gustavo Lenza e o músico Chico Salem. “O estúdio brasileiro será voltado mais para a mixagem de música em estéreo e surround”, adianta. Isso certamente facilitará o contato entre Felipe e os artistas brasileiros que frequentemente o procuram para masterizar seus discos.

Entre os muitos nomes nacionais que Tichauer tem no currículo, ele aponta Arnaldo Antunes, Céu, Curumin, Rodrigo Campos, Gabi Amarantos, Alexandre Pires, Mallu Magalhães, Anelis Assumpção, Gui Amabis, Márcia Castro, Karina Buhr, Eddie, BNegão e a belo-horizontina Laura Lopes, que lançou seu bom disco de estreia semana passada. “A nova geração tem a tarefa dificílima de repor os nossos grandes nomes dos últimos 50 anos, pois realmente conseguiram se manter relevantes até hoje. Hoje há muita gente talentosa e de diferentes tribos”, avalia.

Grammy Somando os trabalhos que assinou para artistas internacionais como Rod Stewart, José Feliciano, Michael Bolton, Grover Washington Jr. e Diana Ross, Felipe Tichauer participou de 19 projetos indicados ao Grammy e ao Grammy Latino. Hoje, ele participa do comitê brasileiro do segundo, analisando os trabalhos inscritos para categorizá-los corretamente. “O Grammy Latino é dominado atualmente pelos artistas de língua espanhola”, admite. “O Brasil ainda é marginal e a comunidade brasileira não tem força dos hispânicos.”

E Tichauer completa: “Brigo muito pela maior exposição dos artistas brasileiros na cerimônia, que é televisionada, mas é uma questão complicada, pois os anunciantes de TV e quem controla a transmissão do evento acha que se aparecer alguém cantando em português eles vão perder ibope. Eu até entendo o receio, mas discordo. A música brasileira é muito respeitada por aqui e já aconteceu numa das primeiras edições de o Djavan ser aplaudido de pé por cantar só com violão logo após a apresentação da Shakira, que tinha pirotecnia e bailarinos”.


três perguntas para...

Felipe Tichauer engenheiro de som
Como explicar para um leigo a influência que a masterização pode ter sobre um disco?
Minha função é proporcionar equilíbrio tonal e de volume em um disco ou faixa. O objetivo final é que esse material soe bem em diferentes equipamentos de som. É também a última etapa antes do disco ir para a fábrica de duplicação. Adicionamos os códigos necessários, trabalhamos o espaçamento entre as faixas e conferimos se não existe nenhum erro na matriz. Escutamos o som numa sala acusticamente equilibrada, onde podemos corrigir qualquer imperfeição do processo de mixagem.

O contato direto com os artistas faz falta na masterização, uma vez que muitos fazem isso à distância?
Claro que é mais legal ter esse contato físico, mas eu até prefiro que o cliente escute o meu trabalho num ambiente em que ele esteja acostumado, pois terá melhor referência. A presença física na masterização não é tão importante quanto na mixagem, na qual muitas decisões artísticas são feitas.

Como profissional experiente e por estar fora do Brasil, como você avalia a cena musical brasileira hoje?
Sou apaixonado pela música do Brasil. De três anos para cá tenho trabalhado muito com artistas brasileiros, a maioria deles independentes. Vejo cenas divididas que se comunicam. Tem São Paulo produzindo muita coisa boa, Recife como outro lugar muito rico e com bastante diversidade e Minas crescendo junto com o Sul. Todos se conhecem, muitos tocam nos discos uns dos outros. Isso fortalece a cena. A mídia mainstream começou a dar mais espaço a essa nova geração e o desafio é dar sustentabilidade a ela. O cara consegue um apoio de edital, lança um disco e aí começa o desafio.

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