quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Discórdia na PUC-SP [Tendências/debates]


CARLOS-ARTHUR RIBEIRO DO NASCIMENTO, JEANNE MARIE GAGNEBIN E SALMA MUCHAIL
TENDÊNCIAS/DEBATES
O ASSUNTO DE HOJE: DISCÓRDIA NA PUC-SP
Um ataque à democracia na universidade
Alegando melhora na gestão, a mantenedora, desde 2005 e de modo autoritário, mercantiliza o ensino, reduz o debate social e cria sobrecarga de trabalho
Surgiram, nos últimos dias, notícias de crise e de intensas discussões na PUC-SP. Como professores que trabalham há muito tempo na instituição, gostaríamos de esclarecer alguns pontos e de manifestar nosso apoio à mobilização e às atividades de protesto realizadas por professores, alunos e funcionários.
A movimentação é reação à nomeação da professora Anna Maria Cintra -cujos méritos acadêmicos e administrativos não são objeto de questionamento- por dom Odilo Scherer à função de reitora, embora ela estivesse ocupando o terceiro lugar da lista tríplice dos candidatos eleitos pela comunidade da PUC.
Sabemos que o estatuto da PUC-SP dá ao grão-chanceler a possibilidade legal de escolher na lista qualquer um dos três candidatos.
No entanto, em mais de 30 anos de eleição direta para reitor na PUC-SP, o candidato mais votado sempre foi escolhido, em respeito à vontade majoritária da comunidade.
Essa tradição é tão forte que os três candidatos, em assembleia realizada no Tuca em 13 de agosto de 2012, se comprometeram por escrito em não aceitar a nomeação à reitoria se não obtivessem o primeiro lugar, uma promessa que a professora Anna Cintra descumpriu.
A nomeação da terceira pessoa por dom Odilo fere a tradição de reconhecimento da vontade democrática; não questionamos sua legalidade, mas a sua legitimidade, garantia de relações harmoniosas entre a autoridade eclesiástica e a liberdade acadêmica da universidade.
Essa nomeação significa um ápice nas transformações das relações entre a PUC-SP e sua mantenedora, a Fundação São Paulo (figura jurídica da Arquidiocese de São Paulo).
Há pelo menos três décadas (das seis de existência da PUC-SP), essas relações vêm sendo regidas por uma espécie de acordo de convivência e mútuo respeito. Porém, desde aproximadamente o ano de 2005, parece que um impacto ameaça o pacto.
Em nome de urgentes mudanças na gestão administrativo-financeira da PUC-SP, a Fundação São Paulo, sua mantenedora, vem expandindo sua esfera de autoridade, atingindo o âmbito propriamente acadêmico e reduzindo, consequentemente, o poder dos órgãos democráticos da instituição, especialmente o Conselho Universitário -relegado praticamente a mero papel de consulta.
Ademais, um cálculo extremamente rígido de horas/aulas levou à necessidade de um número maior de cursos para os docentes completarem seu contrato, acarretando sobrecarga do trabalho, o que induziu vários colegas excelentes a abandonar a PUC-SP, cada vez mais entregue à mercantilização do ensino.
Trabalhamos na PUC-SP há mais de 30 anos. Apesar das inúmeras crises, em particular financeiras, escolhemos sempre continuar a trabalhar aí porque, ao lado de sua excelência acadêmica, ela encarna valores de liberdade e de justiça social e demonstra um invejável relacionamento universitário entre os diversos departamentos e colegas.
Lembramos com orgulho da atitude da primeira reitora eleita pelo voto direto, dona Nadir Kfouri, amparada no apoio majoritário da comunidade e na presença do grão-chanceler dom Paulo Evaristo Arns, que rechaçou com coragem intervenções autoritárias durante a ditadura militar e acolheu na PUC muitos professores excluídos pelo AI-5 de universidades públicas, como Bento Prado Júnior e José Artur Giannotti.
Achamos até hoje que o trabalho universitário não se caracteriza só pela qualidade da pesquisa e do ensino, mas também numa discussão ampla, crítica e exigente da realidade política, social e cultural do país.
Sabemos que há muitas distorções, administrativas, didáticas e pedagógicas a corrigir na PUC-SP, mas as falhas não justificam uma intervenção cada vez mais autoritária, mesmo sob o manto da "legalidade".
Reiteramos, portanto, nosso apego à tradição acadêmica democrática e crítica da PUC-SP. Lutaremos para que ela possa continuar a ser sua marca -que atrai até hoje a maioria dos seus alunos, comprometidos na construção democrática do país.

    EDSON LUIZ SAMPEL
    TENDÊNCIAS/DEBATES
    O ASSUNTO DE HOJE: DISCÓRDIA NA PUC-SP
    Pontifícia Universidade Católica: pontifícia e católica
    Querem banir o catolicismo da PUC, trocá-lo por cristianismo light ou nem isso. Lista tríplice é um mecanismo justo. Dom Odilo exerce seu nítido direito
    É líquido e cristalino o direito do grão-chanceler da PUC-SP, arcebispo de São Paulo, de nomear reitor um entre os três professores eleitos pela comunidade universitária.
    O procedimento da lista tríplice, igualmente adotado em várias instâncias do Estado -como na escolha de juízes de tribunais superiores ou do chefe do Ministério Público-, revela-se altamente democrático.
    Ele produz um equilíbrio saudável entre o sufrágio dos eleitores e a participação crítica do moderador que, entre três pessoas, dará posse àquela que mais se aproxima do perfil ideal para ocupar o cargo.
    No caso da PUC-SP, os corpos docente e discente, bem como os funcionários, em votação universal, endossam os três candidatos com potencial para assumir a reitoria.
    O grão-chanceler, autoridade máxima da universidade, nomeia um deles. Fá-lo com cabal discricionariedade, tendo em vista o bem maior da instituição.
    A PUC-SP é uma escola confessional, católica e pontifícia, conforme indica seu próprio nome, estando sob a égide tanto do direito estatal quanto do direito canônico.
    Com efeito, reza a constituição apostólica Ex Corde Ecclesiae, a lei canônica que disciplina as universidades católicas, que uma das características essenciais desse jaez de instituição de ensino consiste na "fidelidade à mensagem cristã tal como é apresentada pela Igreja" (13, 3).
    Dom Odilo tem dado o melhor de si para recrudescer a confessionalidade da PUC-SP, resgatando-lhe a "alma católica". Infelizmente, essa postura do grão-chanceler, assaz benemérita e imprescindível do ponto de vista pastoral e jurídico-canônico, arrosta opositores vorazes.
    Debaixo do inconsistente vexilo da independência acadêmica, alguns desejam mesmo que o catolicismo seja banido do campus e cambiado por um relativismo cristão ou cristianismo light ou, então, por outras ideologias.
    É possível imaginar não protestantes assumindo a direção da Universidade Presbiteriana Mackenzie? É claro que não, haja vista a natureza confessional dessa escola. Quer-se preservar a integridade da doutrina de Calvino. Eles têm todo o direito de proceder desse modo. Vivemos num país livre.
    E as escolas hebraicas de São Paulo? Acolheriam elas em seus quadros executivos católicos ou protestantes? É óbvio que não fazem isso. São judeus, quando não rabinos, que dirigem essas entidades.
    Tal raciocínio é válido inclusive para empresas privadas. Quanto tempo duraria na fábrica da Volkswagen um diretor que fosse grande defensor e entusiasta dos automóveis montados pela Ford? Cuido que não teria sobrevida de uma semana.
    No entanto, querem que a PUC-SP seja complacente com professores que defendem, por exemplo, o aborto na mídia -e que só tem acesso aos jornais em virtude de exibirem o título de professor ou professora da PUC-SP.
    Quanto mais congruente com os valores autenticamente católicos, tanto mais a PUC-SP acenderá ao cume da excelência científica, pois a Igreja é perita em humanidades (Populorum Progressio, 13).

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