Zero Hora - 28/11/2012
Assisti à peça Vermelho,
encenada pelo extraordinário Antonio Fagundes e por seu filho Bruno,
que conta uma parte da vida do pintor Mark Rothko, expoente do
expressionismo abstrato nos anos 50 e 60. O texto é tão bom, que saí do
teatro com a cabeça fervendo.
Vontade de escrever sobre o dilema
entre o que é artístico e o que é comercial, sobre as diferentes
maneiras de vermos a mesma coisa, sobre a função da arte abstrata (que
nunca me comoveu, mas à qual a partir da peça passei a dar outro valor) e
sobre a desproteção das obras quando expostas (Mark Rothko era
hiperexigente quanto à luz das galerias, assim como quanto à distância
que o visitante deveria ficar da tela, e por quanto tempo esse visitante
deveria observá-la até ser atingido emocionalmente... enfim, um chato,
esse Rothko, mas fascinava).
No entanto, como não sou
conhecedora de pintura, resolvi destacar aqui um outro aspecto da
montagem, que diz respeito não só a artistas plásticos, mas a todos os
que lidam com criação. Pensando bem, até com os que não lidam.
Muitos
entre nós ainda acreditam que trabalho e prazer são duas coisas
distintas que não se misturam. O dia, em tese, é dividido em três
terços: oito horas trabalhando, oito horas aproveitando a vida (até
parece: e as filas? e o trânsito?) e oito horas dormindo. Cada coisa no
seu devido lugar. Apenas os artistas teriam a liberdade de subverter
essa ordem.
Pois o mundo mudou. O trabalho está deixando de ser
aquela atividade burocrática e rígida cuja finalidade era ganhar
dinheiro e nada mais. Queremos extrair prazer do nosso ofício, seja ele
técnico, artístico, formal, informal. O conceito de estabilidade perdeu
força, as hierarquias já não impressionam.
A meta, hoje, é
aproveitar as novas tecnologias e as oportunidades que elas oferecem.
Atuar de forma mais flexível, autônoma e motivada. Trocar o “chegar lá”
pelo “ser feliz agora”. Ou seja, amar o trabalho do mesmo jeito que se
ama ir ao cinema, pegar uma praia e sair com os amigos.
Rothko
respirava trabalho, e considerava que estava igualmente trabalhando
quando lia Dostoievski, quando filosofava, quando caminhava pelas ruas,
quando amava, quando dormia, quando conversava. Defendia a vida como
matéria-prima da inspiração, sem regrar-se pelo horário comercial. Não
se dava folga – ou folgava o tempo inteiro, depende do ponto de vista.
Quando não estava pintando, estava alimentando sua sensibilidade, sem a
qual nenhuma pintura existiria.
Nos anos 50, só mesmo um artista
poderia viver essa fusão na prática. Depois que cruzamos o ano 2000,
porém, é uma tendência que só cresce, em todas as áreas profissionais,
nas que existem e, principalmente, nas que estão sendo inventadas.
Como
pintor, Mark Rothko valeu-se de uma vasta cartela de cores, mas
expressou-se magistralmente em vermelho – na verdade, ele viveu em
vermelho. Paixão, sangue, vinho, pimenta, calor, sedução. Ele sabia que
essa era a cor que pulsava. E segue moderno, pois, como ele, são os
pulsantes que estão fazendo a diferença.
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