Bruna Sensêve
Estado de Minas: 21/12/2012
“Algum de vocês está fazendo 30 mais 31?”, pergunta a pequena Chelsea aos colegas de seu grupo. Prontamente, Adam responde: “Eu estou fazendo todas as de diminuir”. Jack, na outra ponta da mesa, protesta: “Eu também estou fazendo as de diminuir!”. “Então, eu vou fazer as de somar”, conclui a garotinha inglesa. A conversa ocorre em um dos quatro grupos de crianças entre 8 e 10 anos que tentam criar o maior número de expressões matemáticas cujo resultado seja aquele determinado pela professora. Um jogo em que aprendem sem nem perceber que estão estudando. A interação dos estudantes é um exemplo perfeito do que os pedagogos chamam de aprendizado colaborativo. Nesse caso, porém, a discussão matemática teve um catalisador essencial: a tecnologia.
Um grupo de pesquisadores da Escola de Educação da Universidade de Durham, no Reino Unido, desenvolveu e testou, durante três anos, um conjunto de carteiras escolares com telas sensíveis ao toque pensadas especialmente para facilitar o ensino. O invento se mostrou muito eficaz após os experimentos, dos quais participaram aproximadamente 100 crianças. As mesas digitais, grandes o bastante para ser usadas por cerca de quatro alunos, são conectadas em rede a um tablet controlado pelo professor e ao quadro no centro da sala de aula, na qual o conteúdo das carteiras pode ser ampliado e discutido em conjunto. Os testes foram feitos com atividades voltadas para o aprendizado de expressões matemáticas, e os resultados comparados aos de grupos que realizavam atividade parecida, mas com as ferramentas tradicionais de ensino: giz, lápis e papel.
Ao usar o novo sistema, 45% dos alunos ampliaram seu repertório de expressões numéricas. Na outra turma, esse índice foi de 16%. Ambos os grupos conseguiram aumentar suas habilidades na fluência do aprendizado. No entanto, aqueles em contato com “a sala de aula do futuro” também tiveram benefícios em flexibilidade. Fluência é a capacidade de aplicar procedimentos ou fórmulas a situações cotidianas. É o caso de uma criança que, ao aprender a operação de subtração, usa o conhecimento para calcular o troco em uma compra.
Já a flexibilidade ocorre ao aplicar uma gama de soluções para novos problemas, em vez de apenas uma compreensão de como e quando aplicar os procedimentos aprendidos em sala. “Não queremos que as crianças apenas saibam fazer, mas que sejam reflexivas, capazes de abstração, de pensar o próprio pensamento. Isso é flexibilidade. Ser capaz de transpor a solução para o problema a outros e novos contextos”, esclarece o engenheiro e psicólogo Francisco Antônio Fialho, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que não participou do estudo.
Os resultados do experimento inglês, publicados na revista Learning and instruction, mostram que, ao usar as mesas coletivas, as crianças foram capazes de trabalhar em equipe na busca por novas maneiras de resolver e responder problemas usando soluções criativas. O estudo coloca em prática o que Fialho chama de arquétipo do mago. Nele, a tecnologia seria a varinha mágica usada pelo aluno capaz de fazer e criar coisas inimagináveis, inclusive, trazer de volta o encanto da educação.
“A tecnologia para a criança é um brinquedo. Ela não gosta de matemática, mas gosta de brincar. Ali, ela está participando de um joguinho com os colegas.” O psicólogo acredita que não basta ensinar a fazer. Hoje, a educação precisa incentivar a inovação de forma colaborativa. “Basta compararmos a produção da ponta de uma lança a um mouse. Sabemos que a ponta da lança foi um artesão quem fez. Já para fabricar o mouse existe um monte de pessoas envolvidas. Tudo que temos hoje surge da troca de ideias.”
Desafio A principal autora da pesquisa, Emma Mercier, acredita que a tecnologia pode ser usada para apoiar o raciocínio complexo, o pensamento e as interações entre as disciplinas, ao mesmo tempo em que é capaz de aumentar o prazer da atividade no curto prazo. A longo prazo, no entanto, ela considera essencial criar atividades que sejam desafiadoras e envolventes. “Essa geração de crianças está entrando em um mundo em que o uso da tecnologia será normal, precisamos prepará-las para isso. No entanto, é importante que elas se envolvam em atividades de aprendizagem que deem o suporte a uma profunda compreensão das disciplinas, em vez de apenas utilizar um dispositivo tecnológico em particular”, enfatiza Mercier. Para ela, a tecnologia permite aos professores usar um tipo de pedagogia social que pode apoiar a aprendizagem.
“Essa relação é o sonho de todo mundo: fazer com que a tecnologia esteja em prol da atividade”, acredita Sérgio Abranches, professor do Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “Não pode ser só uma forma de dinamização e motivação que também são elementos importantes. Mas, além do estudo instrumentalizado, queremos que chegue de fato a contribuir com a aprendizagem.”
Tablets no Brasil
A implementação de dispositivos tecnológicos nas salas de aula brasileiras ainda dá os primeiros passos. Uma das mais recentes medidas adotadas pelo governo federal foi a compra de cerca de 5 mil tablets, que deverão chegar às escolas públicas do país no ano que vem. Professores serão treinados para usar os dispositivos em sala de aula e, segundo a pasta, terão à sua disposição cerca de 15 mil aulas, além de obras literárias e livros didáticos em versão digital.
Segundo Sérgio Abranches, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o tablet é um modo diferente de aplicar a tecnologia, que pode colher resultados interessantes. Mesmo se tratando de um dispositivo individual, Abranches explica que, geralmente, ele é usado coletivamente pelos alunos. Tudo depende da proposta pedagógica feita pelo professor.
“Temos observado que o professor ainda não assimilou a tecnologia digital. Os nativos digitais — como chamamos aqueles que já nasceram em um mundo com a internet — não imaginam o mundo sem ela. Já o professor não tem essa cultura. Às vezes, a vivencia no âmbito pessoal, mas não na prática pedagógica.” Por isso, muitas vezes, os dispositivos acabam usados de forma tímida, como uma ferramenta e não como parte de uma cultura tecnológica. “O primeiro desafio é esse. Entender pela lógica de quem nasceu com todo esse aparato”, acredita Abranches. (BS)
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