Marcela Ulhoa
Estado de Minas: 21/12/2012
Diego Simões Barreto, hoje com 32 anos, tinha apenas 4 quando começou a ter dificuldades para andar. As quedas eram constantes e atividades como correr e subir escadas foram ficando cada vez mais penosas. Aos 10 anos, o menino perdeu a capacidade de andar, passou a usar cadeira de rodas e a depender do auxílio de repiradores. O motivo: ele tem distrofia muscular de Duchenne (DMD), uma doença genética, degenerativa e incapacitante ligada ao cromossomo X.
A DMD caracteriza-se pela ausência da distrofina, proteína que mantém a integridade do músculo, e é uma das formas mais comuns e severa da distrofia. Ela só ocorre em meninos e tem incidência de um a cada 3.500 nascimentos. Pesquisadores da Universidade da Califórnia, entretanto, descobriram um medicamento que pode melhorar consideravelmente a qualidade de vida de pessoas com distrofia de Duchenne, cuja expectativa de vida atual gira em torno dos 30 anos. O estudo foi publicado recentemente na revista Science Translational Medicine.
O medicamento apresentado pelos cientistas chama-se dantrolene e já é uma droga de uso clínico e aprovada pela US. Food and Drug Administration, o equivalente à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil. A grande novidade, no entanto, é o seu uso em combinação com uma outra terapia em teste para pessoas com Duchenne: a terapia com oligonucleotídeos complementares. A esperança é de que, em combinação, esses dois métodos superem as mutações genéticas que causam a DMD. A ação unificada resolveriam a ausência da proteína que compromete a função muscular. A intenção é que os afetados pela doença levem uma vida relativamente normal.
Os autores do estudo, a cientista Carrie Miceli e seu marido, Stanley Nelson, foram impulsionados não só pela curiosidade científica. O filho mais novo do casal, Dylan, de 11 anos, foi diagnosticado com DMD em 2004. O pequeno já não pode mais correr ou subir escadas. Apesar dos desafios, Carrie afirma que Dylan continua a ser um garoto feliz, engraçado, cheio de vida e paixão. “Entramos nessa área por causa do diagnóstico de nosso filho, mas esperamos que nossa pesquisa possa ajudar muitas pessoas”, disse ela. “Existem medicamentos que podem ajudar a controlar os sintomas da doença, mas nada que mude seu curso drasticamente. Estamos tentando corrigir o defeito que causa DMD com uma medicina genética altamente personalizada”, complementa.
DNA comprometido A DMD é causada por mutações no gene Duchenne, localizado no cromossomo X e necessário para o funcionamento correto de células musculares. Tais mutações acabam por impedir a produção da proteína distrofina, o que leva à deterioração de músculos. O quadro vai se agravando até o comprometimento atingir toda a musculatura esquelética e surgirem problemas cardíacos e respiratórios em virtude das alterações ocorridas no diafragma.
De acordo com o professor Rinaldo Wellerson Pereira, diretor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Genômicas e Biotecnologia da Universidade Católica de Brasília, tais problemas ocorrem porque a parte do DNA prejudicada, chamada éxon, é justamente a responsável pela codificação de proteínas. “A proteína é um conjunto de aminoácidos codificados no DNA por três nucleotídeos (ou três letras) chamados de códons. O conjunto de códons é chamado de éxon. O gene DMD, localizado no cromossomo X, tem 79 éxons. Na distrofia de Duchenne, ocorrem deleções que alteram a forma como o RNA lê o códon para transcrever a proteína”, explica Pereira.
Dessa forma, no gene mutante, as janelas de leitura são rompidas e, portanto, não há a produção da distrofina (veja infográfico). Para tentar reverter essa distorção, ou pelo menos minimizá-la, há um tempo está em curso o teste de oligonucleotídeos complementares. Injetado nos músculos dos pacientes, esse medicamento possibilita que o RNA mensageiro remova o éxon defeituoso de sua leitura e salte para o próximo, que não apresenta a mutação. Ou seja, se o erro está no éxon 51, em vez de haver um desemparelhamento a partir desse éxon até o final, o éxon 79, os oligonucleotídeos complementares fazem com que o RNA mensageiro ignore esse éxon e vá direto para o 52. “Tirar um éxon é menos grave do que ter a proteína toda truncada. Pulando um éxon, você só vai ter uma proteína com um número de aminoácidos menor do que ela teria normalmente”, esclarece Rinaldo Pereira.
O ponto central da pesquisa americana, no entanto, foi a descoberta de que o dantrolene, já utilizado para melhorar o quadro de distrofia de Duchenne por sua regulação de cálcio nos músculos, pode tornar esse processo de “salto” do éxon defeituoso ainda mais eficiente. Os resultados foram obtidos a partir de testes em ratos, mostrando uma melhora significativa das funções musculares de cobaias com DMD. Os bichos passaram a produzir mais distrofina.
Segundo Stella Caiado, neurologista do Hospital Santa Helena, o estudo traz uma mensagem importante de esperança para aqueles que sofrem da DMD, ainda sem cura. “Você tem que dar esperança para essas pessoas e tentar proporcionar uma vida melhor até que a cura seja desenvolvida. Antigamente, não havia cura nem para a pneumonia”, reforça.
Enquanto o tratamento não chega, Diego Simões Barreto leva a vida da melhor forma possível. É ativo, trabalha em três lugares e está à frente da presidência da Organização de Apoio aos Portadores de Distrofias. A ONG foi criada por ele e três amigos e tem por objetivo melhorar a qualidade de vida e ampliar a longevidade das pessoas com doenças neuromusculares. “Realizamos atendimentos domiciliares gratuitos de fisioterapia, suporte psicológico, fornecemos equipamentos respiratórios, cadeiras de rodas e realizamos também simpósios para treinamento e orientação de pacientes, cuidadores e profissionais de saúde”, explica.
Serviço
A sede da Organização de Apoio aos Portadores de Distrofias é em São Paulo, mas a ONG atua em todo o Brasil. Para obter mais informações, acesse o site http://www.oapd.org.br.
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