sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Editorial FolhaSP

FOLHA DE SÃO PAULO

O dilema da prisão
Encarceramento de condenados no mensalão deveria ser decisão do plenário do Supremo, e não de um único ministro
Acusador ou magistrado? O ministro Joaquim Barbosa enfrenta seu primeiro teste na presidência do Supremo Tribunal Federal ao decidir sobre a prisão imediata de 11 dos 25 condenados no mensalão, astuciosamente pedida pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, horas depois de iniciado o recesso da corte.
Barbosa notabilizou-se como um dos principais responsáveis pelo bom andamento da ação, cuja complexidade exigiu 53 sessões do julgamento iniciado em agosto -além dos quase cinco anos de preparação do processo. Como relator, proferiu votos severos contra os acusados e os viu acatados, no mais das vezes, por seus pares.
Perto do final do julgamento, tornou-se também o presidente da suprema corte. Afora a suscetibilidade exagerada que lhe é característica, mas que soube mitigar na presidência, o ministro vem equilibrando de modo satisfatório a atribuição de chefiar o Supremo com a de relatar a ação -o que, no caso, quase sempre equivaleu a seguir de perto a acusação pelo Ministério Público Federal.
Joaquim Barbosa nunca escondeu sua convicção sobre a culpa da maioria dos réus nem sua disposição para apená-los com dureza. Nenhum desvio aí -eventuais excessos no ânimo punitivo estiveram sempre sob o controle da deliberação pelo colegiado.
Ao pleitear no recesso a detenção imediata de condenados, o procurador-geral criou uma situação nova -e constrangedora. A decisão sobre o pedido cabe a um único ministro (monocrática, como se diz), e o responsável pelo plantão é o próprio presidente do STF.
Se submetida um dia antes ao plenário, muito provavelmente a solicitação teria sido indeferida. A tradição do Supremo é determinar a prisão só depois de examinar os últimos recursos da defesa, encerrando o julgamento (a lei admite exceções a essa regra, como o risco de fuga do réu). Especula-se que o ministro Barbosa poderia romper com essa tradição.
Roberto Gurgel argumenta que é preciso dar "efetividade" ao julgamento do Supremo. Ou seja, fugir à morosidade da Justiça brasileira, que é alvo de compreensível impaciência, mais ainda num caso que se tornou exemplar para o combate à não menos repudiada corrupção política.
Por legítimos que sejam tais anseios, há que observar os ritos da Justiça. Se cabem recursos, mesmo com escassa possibilidade de serem acolhidos, a prisão antes de seu esgotamento se mostra inadequada. Exemplo plausível: caso uma pena seja revista para menos de oito anos de prisão, deixa de ser cumprida em regime fechado, e o réu encarcerado antes da hora terá sofrido uma punição abusiva.
Exibir rigor exacerbado decerto torna as decisões do Supremo populares, mas não necessariamente justas ou razoáveis. Espera-se de Joaquim Barbosa um juízo equilibrado, de presidente do Supremo mais que de relator do mensalão -e não seria mau serviço à instituição afastar de pronto a hipótese descabida de um conluio entre acusador e magistrado.


    O fim do mundo
    Terão sido poucos, decerto, os que acreditaram nas enésimas profecias sobre o fim do mundo, inspiradas desta vez na mitologia maia e na repetição do número 12, ou algo parecido, nas datas deste mês.
    Quem não partilhou da crença ainda assim a acompanhou, sem necessariamente se incomodar, pelos meios de comunicação.
    Excluídos os devaneios do misticismo contemporâneo, existe algo de verdadeiro nas fabulações apocalípticas. A noção de "fim do mundo" não precisa ser entendida, aliás, apenas sob um viés negativo.
    É verdade que se propagam, com boa razão científica, previsões preocupantes quanto ao aquecimento global -e não há na agenda dos governos iniciativas que inspirem otimismo quanto ao controle do agravamento do efeito estufa.
    Nem tudo é pessimismo, todavia, na tendência das civilizações a prognosticar o próprio fim. Fantasias sobre a "chegada do milênio" e de alguma forma de apocalipse trazem ideias de redenção, de passagem para estádios superiores.
    Nada mais banal e distante da obscuridade mítica do que a generalizada necessidade, a cada ano que termina, de renovar hábitos. Mesmo que baseada na mais incolor das superstições, a esperança de algo melhor cintila, talvez fracamente, na noite de 31 de dezembro.
    Como conciliar essa expectativa com as desbragadas ficções de desastre final, espetacular e salvífico? É que se intui, de um modo ou de outro, que nenhuma mudança, por sutil que seja, pode ser feita sem uma dose de ruptura ou sacrifício.
    Em sociedades pautadas pela imobilidade e pela tradição, nada mais natural do que fantasiar mudanças cósmicas e apocalípticas. No caso oposto, de países submetidos a transformações aceleradas e traumáticas, também é natural que se considere aberta uma época em que tudo é possível -e a violência revolucionária foi, durante o século passado, o misticismo dos materialistas.
    O novo século talvez se mostre hesitante em reformar-se; resiste, como pode, às tentações reacionárias e religiosas. Já não é pouco. O mundo não acaba num só dia. Vale lembrar que não se constrói um novo, tampouco, em prazo tão curto.

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