Cena de pastelão
RIO DE JANEIRO - Há tempos, descrevi aqui o insuperável cartum de Millôr Fernandes, publicado no "Jornal do Brasil" no dia em que José Sarney se despedia da Presidência da República, em 1990. Mostrava um bebê pelado, sentado num peniquinho no meio da sala. A cabeça do bebê era a de Sarney. E ele dizia: "Mamãe, acabei!". Millôr só errou numa coisa: Sarney ainda não tinha acabado.Nesta semana, agora como presidente do Congresso, Sarney deu mais uma prova de que sua obra continua em progresso. Para anular a decisão do ministro Luiz Fux, do STF, de que o Congresso não poderia votar o veto da presidente Dilma sobre os royalties do petróleo porque havia outros 3.059 vetos engavetados e esperando votação, o que fez Sarney? Propôs que o Congresso "destrancasse" a pauta votando a jato os 3.059 vetos na quarta-feira, para que, ao apagar das luzes, pudesse derrubar o veto de Dilma.
À desfaçatez da medida -milhares de vetos presidenciais, alguns apodrecendo há 12 anos nas catacumbas da Câmara e do Senado, seriam "votados" sem consideração ou análise-, junte-se a bofetada na face do Executivo. Para desfazer o veto de Dilma à tunga na Constituição, à mácula no pacto federativo e à mudança das regras com o jogo em andamento, deputados e senadores, inclusive os da "base aliada", dispuseram-se a ir às últimas consequências da chanchada.
Pena que a manobra do Congresso tenha sido sustada. Seria impagável ver seus membros correndo pelo plenário como aqueles guardas que perseguiam Buster Keaton nas comédias mudas do cinema americano. Cada qual segurando sua "cédula" -esta, um livro de 460 páginas, com os 3.059 vetos não lidos e já "votados"-, a ser depositada numa urna gigante, também de comédia.
Uma cena de pastelão, que provocaria frouxos de riso se, antes, não fosse de enrubescer a República.
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