sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Marina Silva

FOLHA DE SÃO PAULO

A criança entre nós
Meu Natal mais triste foi há 24 anos. Estava muito doente, buscando tratamento em São Paulo, sentindo-me além dos limites da fraqueza, e, quando o telefone tocou, pressenti que a notícia era do assassinato de meu amigo Chico Mendes. Só mesmo a fé na vida faz com que a gente siga adiante e supere os dias difíceis. Desde o meio das matas até a periferia das cidades, vejo os brasileiros enfrentando intempéries seguros só na imensa capacidade que têm de acreditar.
Nesta semana, revi Xapuri, num encontro com jovens ao qual também vieram velhos companheiros, sobreviventes de antigas batalhas. Fizemos um diálogo intergeracional, os jovens falando com música e teatro, e nós, com nossas histórias. Quando o coral cantou "Noite Feliz", imaginei que tínhamos, agora, o bom Natal que nos foi negado há 24 anos.
Essas comemorações cíclicas se dão em torno de um princípio cujo benefício se estende no tempo, uma fonte à qual precisamos sempre voltar para renovar as forças e não perder o sentido. O Natal é fonte de um sentido que às vezes julgamos perdido, quando a morte dos inocentes nos horroriza e nos empurra para a tristeza. Por isso, seu simbolismo é ainda mais necessário.
Também os novos eventos (alguns já se tornam cíclicos) que fazem nascer e renascer o sonho da sustentabilidade buscam impregnar sentido à vida em uma civilização à beira da morte. Hoje, fala-se outra vez no fim do mundo e as catástrofes são cada vez mais frequentes. Há quem diga que a crise global não será superada e resultará no colapso dos novos impérios. Em tempos assim, a esperança é uma semente que se carrega com cuidado para que não se perca.
Que se percam impérios, mas a humanidade renasça. Que se finde o mundo e outro comece. Que apague o fogo do consumo ansioso e acenda a luz de uma simplicidade consciente. A Rio+20 deixou claro que as grandes reuniões marcam, hoje, o fracasso institucional e a ascensão da sociedade civil e seus novos movimentos. Já não temos que ficar lamentando as crises, podemos projetar e engendrar novos experimentos civilizatórios.
Que a sucessividade da vida, vencendo a constância da morte, nos traga no Natal uma fé poderosa que nos faça superar todos os "fins", retrocessos, desmontes, desconstruções, decadências e corrupções, para nos conectar ao princípio gerador de um futuro significativo e sustentável, pois, como diz Hannah Arendt: "Os homens, embora devam morrer, não nasceram para morrer, mas para recomeçar".
E diz ainda: "Essa fé e essa esperança no mundo talvez nunca tenham sido expressas de modo tão sucinto e glorioso como nas breves palavras com as quais os Evangelhos anunciaram a 'boa-nova': 'Nasceu uma criança entre nós'".

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