Walter Sebastião
Estado de Minas: 14/01/2013
Depois de atrair 520 mil pessoas ao longo de 93 dias na capital paulista, a 30ª Bienal de São Paulo chegará a Belo Horizonte na quinta-feira. Com o tema “A iminência das poéticas”, a exposição destaca a engenharia que o indivíduo organiza para se expressar artisticamente. Serão evidenciados o fazer, o raciocínio, a pesquisa e plataformas culturais e subjetivas do autor, além do sistema de recursos usados – considerando, sobretudo, que a arte sempre revela algo inédito em seu contato com o público.
“Cada vez que ouvimos uma canção, mesmo que a conheçamos, é como se fosse a primeira”, compara o historiador, crítico e poeta venezuelano Luis Pérez-Oramas, curador da Bienal. Às vezes, a pessoa se acompanha cantando a música, em outros momentos a atenção se concentra na melodia ou descobre um detalhe não percebido da letra. É justamente esse aspecto da experiência artística que Oramas procura tornar visível na Bienal.
Trinta e seis artistas vão expor 270 trabalhos. Até 17 de março, a mostra itinerante ficará em cartaz no Palácio das Artes e no Centro de Arte Contemporânea e Fotografia. BH é a primeira cidade a receber a exposição, que será levada também a Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, e ao interior de São Paulo – São José dos Campos, Ribeirão Preto, Bauru, Campinas, Araraquara e São José do Rio Preto. De setembro a dezembro do ano passado, com três mil obras de 111 artistas, a bienal ocupou o Pavilhão Cicillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera, e vários espaços paulistanos.
ESTIGMA Arthur Bispo do Rosário (1911-1989) ganhou destaque na 30ª edição da bienal. O curador Luis Pérez-Oramas evita a palavra homenageado, temendo que ela soe como caridade e insinue a estigmatização de um grande criador.
“Meu interesse é colocar Arthur Bispo no contexto ao qual pertence: o da arte contemporânea. Ele é um dos maiores do final do século 20 e da arte brasileira de todos os tempos”, avisa. Por meio século Bispo viveu recluso em instituições psiquiátricas cariocas. Na década de 1980, ele deslumbrou o mundo das artes visuais com bordados, mantos, estandartes e assemblages que criava no manicômio.
O curador se impressiona com o diálogo das obras do brasileiro e do francês Michel Foucault (1926-1984), “um dos grandes filósofos contemporâneos”. Ambos situam a realidade no espaço entre as palavras e as coisas. “A humanidade existe nesse abismo. Bispo do Rosário costura linguagem na matéria e na pele do mundo”, elogia Oramas.
Outro aspecto da obra do ex-marinheiro sergipano é a investigação sobre o tempo humano. Oramas lembra que, geralmente, esse motivo é associado apenas à sucessão de hojes, ontens e amanhãs. “Tempo é condensação. O presente condensa passado e futuro. Máquinas antigas não funcionam hoje, mas uma obra de arte antiga continua funcionando no presente. E vai funcionar de forma diferente no futuro. Arte produz condensação que está além das temporalidades. Isso talvez nos ajude a entender a multiplicidade de temporalidades vividas no mundo contemporâneo”, conclui.
30ª BIENAL DE SÃO PAULO – A IMINÊNCIA DAS POÉTICAS
Obras selecionadas. Em cartaz de quinta-feira a 17 de março no Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro) e no Centro de Arte Contemporânea e Fotografia (Avenida Afonso Pena, 737). Horário de funcionamento: de terça-feira a sábado, das 9h30 às 21h, e domingo, das 16h às 21h. Entrada franca. Informações: (31) 3236-7400 e www.fcs.mg.gov.br.
DUAS PERGUNTAR PARA
. Luis pérez-oramas
. curador
Por que a Bienal de São Paulo adotou a itinerância?
É algo que está começando, tem de ser fortalecido e representa um desafio para a bienal. Não estou falando pela instituição, mas como cidadão, historiador e crítico. A exposição sempre vai ser realizada no Parque Ibirapuera, mas precisa se tornar um acontecimento brasileiro, nacional – e não algo que faz de São Paulo a capital das artes do Brasil. Itinerância, para mim, não é apenas um gesto para afagar o interior do país, mas necessidade de interação e colaboração da bienal com outras instituições brasileiras.
O que a mostra representa para o Brasil e para o circuito internacional de artes?
Ela continua sendo o centro transformador entre as cenas artísticas nacional e a internacional. Já funcionou de diferentes modos. Houve época em que foi filtro revelador do Brasil no mundo e vice-versa. A sociedade precisava trazer a modernidade para o país. Hoje, considero-a um filtro que coloca a cena artística brasileira e latino-americana no mundo, provocando mudanças no âmbito internacional. É a necessidade de apresentar uma modernidade artística diferente para que o mundo a entenda.
PRATA DA CASA
Cadu, Nino Cais, Odires Mlászho, Paulo Vivacqua, Rodrigo Braga, Runo Lagomarsino, Sofia Borges, Arthur Bispo do Rosário e Nydia Negromonte. Esses participantes da 30ª Bienal de São Paulo vivem ou viveram no Brasil. Nydia, que mora em BH, apresenta imensa mesa com hortaliças, frutas e legumes recobertos com camada de argila. Com o passar do tempo, os vegetais apresentam diferentes reações: desidratam ou brotam, por exemplo. “Percebo que estou trabalhando com o tempo, com o continuar vivendo ou com o morrer, o que também é muito do ser humano”, observa ela.
De acordo com Nydia, o espectador verá trabalhos intimistas e variados em diálogo, mas às vezes em conexões não tão diretas. “Isso provoca o despertar de outro entendimento”, elogia, dizendo que se trata de mostra densa, que privilegiou mais a pesquisa do que uma obra específica.
Exemplo disso, lembra Nydia, foi o fato de curadores e equipe pesquisarem tudo sobre a obra dela e explicarem o eixo da exposição. Entretanto, deixaram para a artista a decisão sobre o que mostrar.
BISPO DO ROSÁRIO
O público de BH verá um trabalho inédito de Arthur Bispo do Rosário: 150 pequenos objetos revestidos com fios. “São objetos tão puros que fazem sonhar”, resume Wilson Lázaro, curador do Museu Arthur Bispo do Rosário – Arte Contemporânea. “Hoje, celebra-se o criador que questiona a psiquiatria e a arte”, comemora ele. Felizmente, ficaram para trás as discussões sobre se Bispo era artista ou louco, afirma Lázaro. “A partir dos trabalhos dele, criou-se uma escola para moda, design, artes plásticas e teatro”, ressalta. Arthur Bispo do Rosário foi marinheiro e empregado da Light. Em 1938, começou a ter delírios místicos e foi enviado para instituições psiquiátricas, onde viveu por cinco décadas. Dizendo-se encarregado de missão divina, construiu objetos com sucata e materiais encontrados no lixo. Em 1982, seus trabalhos chegaram a público na exposição margem da vida, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Sete anos depois, mostra individual, dessa vez na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, fez dele criador respeitado pela delicadeza e beleza de seu trabalho.
“Cada vez que ouvimos uma canção, mesmo que a conheçamos, é como se fosse a primeira”, compara o historiador, crítico e poeta venezuelano Luis Pérez-Oramas, curador da Bienal. Às vezes, a pessoa se acompanha cantando a música, em outros momentos a atenção se concentra na melodia ou descobre um detalhe não percebido da letra. É justamente esse aspecto da experiência artística que Oramas procura tornar visível na Bienal.
Trinta e seis artistas vão expor 270 trabalhos. Até 17 de março, a mostra itinerante ficará em cartaz no Palácio das Artes e no Centro de Arte Contemporânea e Fotografia. BH é a primeira cidade a receber a exposição, que será levada também a Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, e ao interior de São Paulo – São José dos Campos, Ribeirão Preto, Bauru, Campinas, Araraquara e São José do Rio Preto. De setembro a dezembro do ano passado, com três mil obras de 111 artistas, a bienal ocupou o Pavilhão Cicillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera, e vários espaços paulistanos.
ESTIGMA Arthur Bispo do Rosário (1911-1989) ganhou destaque na 30ª edição da bienal. O curador Luis Pérez-Oramas evita a palavra homenageado, temendo que ela soe como caridade e insinue a estigmatização de um grande criador.
“Meu interesse é colocar Arthur Bispo no contexto ao qual pertence: o da arte contemporânea. Ele é um dos maiores do final do século 20 e da arte brasileira de todos os tempos”, avisa. Por meio século Bispo viveu recluso em instituições psiquiátricas cariocas. Na década de 1980, ele deslumbrou o mundo das artes visuais com bordados, mantos, estandartes e assemblages que criava no manicômio.
O curador se impressiona com o diálogo das obras do brasileiro e do francês Michel Foucault (1926-1984), “um dos grandes filósofos contemporâneos”. Ambos situam a realidade no espaço entre as palavras e as coisas. “A humanidade existe nesse abismo. Bispo do Rosário costura linguagem na matéria e na pele do mundo”, elogia Oramas.
Outro aspecto da obra do ex-marinheiro sergipano é a investigação sobre o tempo humano. Oramas lembra que, geralmente, esse motivo é associado apenas à sucessão de hojes, ontens e amanhãs. “Tempo é condensação. O presente condensa passado e futuro. Máquinas antigas não funcionam hoje, mas uma obra de arte antiga continua funcionando no presente. E vai funcionar de forma diferente no futuro. Arte produz condensação que está além das temporalidades. Isso talvez nos ajude a entender a multiplicidade de temporalidades vividas no mundo contemporâneo”, conclui.
30ª BIENAL DE SÃO PAULO – A IMINÊNCIA DAS POÉTICAS
Obras selecionadas. Em cartaz de quinta-feira a 17 de março no Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro) e no Centro de Arte Contemporânea e Fotografia (Avenida Afonso Pena, 737). Horário de funcionamento: de terça-feira a sábado, das 9h30 às 21h, e domingo, das 16h às 21h. Entrada franca. Informações: (31) 3236-7400 e www.fcs.mg.gov.br.
DUAS PERGUNTAR PARA
. Luis pérez-oramas
. curador
Por que a Bienal de São Paulo adotou a itinerância?
É algo que está começando, tem de ser fortalecido e representa um desafio para a bienal. Não estou falando pela instituição, mas como cidadão, historiador e crítico. A exposição sempre vai ser realizada no Parque Ibirapuera, mas precisa se tornar um acontecimento brasileiro, nacional – e não algo que faz de São Paulo a capital das artes do Brasil. Itinerância, para mim, não é apenas um gesto para afagar o interior do país, mas necessidade de interação e colaboração da bienal com outras instituições brasileiras.
O que a mostra representa para o Brasil e para o circuito internacional de artes?
Ela continua sendo o centro transformador entre as cenas artísticas nacional e a internacional. Já funcionou de diferentes modos. Houve época em que foi filtro revelador do Brasil no mundo e vice-versa. A sociedade precisava trazer a modernidade para o país. Hoje, considero-a um filtro que coloca a cena artística brasileira e latino-americana no mundo, provocando mudanças no âmbito internacional. É a necessidade de apresentar uma modernidade artística diferente para que o mundo a entenda.
PRATA DA CASA
Cadu, Nino Cais, Odires Mlászho, Paulo Vivacqua, Rodrigo Braga, Runo Lagomarsino, Sofia Borges, Arthur Bispo do Rosário e Nydia Negromonte. Esses participantes da 30ª Bienal de São Paulo vivem ou viveram no Brasil. Nydia, que mora em BH, apresenta imensa mesa com hortaliças, frutas e legumes recobertos com camada de argila. Com o passar do tempo, os vegetais apresentam diferentes reações: desidratam ou brotam, por exemplo. “Percebo que estou trabalhando com o tempo, com o continuar vivendo ou com o morrer, o que também é muito do ser humano”, observa ela.
De acordo com Nydia, o espectador verá trabalhos intimistas e variados em diálogo, mas às vezes em conexões não tão diretas. “Isso provoca o despertar de outro entendimento”, elogia, dizendo que se trata de mostra densa, que privilegiou mais a pesquisa do que uma obra específica.
Exemplo disso, lembra Nydia, foi o fato de curadores e equipe pesquisarem tudo sobre a obra dela e explicarem o eixo da exposição. Entretanto, deixaram para a artista a decisão sobre o que mostrar.
BISPO DO ROSÁRIO
O público de BH verá um trabalho inédito de Arthur Bispo do Rosário: 150 pequenos objetos revestidos com fios. “São objetos tão puros que fazem sonhar”, resume Wilson Lázaro, curador do Museu Arthur Bispo do Rosário – Arte Contemporânea. “Hoje, celebra-se o criador que questiona a psiquiatria e a arte”, comemora ele. Felizmente, ficaram para trás as discussões sobre se Bispo era artista ou louco, afirma Lázaro. “A partir dos trabalhos dele, criou-se uma escola para moda, design, artes plásticas e teatro”, ressalta. Arthur Bispo do Rosário foi marinheiro e empregado da Light. Em 1938, começou a ter delírios místicos e foi enviado para instituições psiquiátricas, onde viveu por cinco décadas. Dizendo-se encarregado de missão divina, construiu objetos com sucata e materiais encontrados no lixo. Em 1982, seus trabalhos chegaram a público na exposição margem da vida, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Sete anos depois, mostra individual, dessa vez na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, fez dele criador respeitado pela delicadeza e beleza de seu trabalho.
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