JOSEPH TUROW
Internautas não querem ser seguidos pela publicidade
Especialista em mídia digital, professor dos eua diz que usuários estão vulneráveis e irritados com a propaganda que os persegue
Kyle Cassidy/Divulgação |
Joseph Turow, professor da Universidade da Pennsylvania |
Professor de comunicação da Universidade da Pensilvânia, o acadêmico é autor de pesquisas sobre o assunto e lançou em 2012 "The Daily You" [o você diário], com o sugestivo subtítulo "como a nova indústria da publicidade está definindo sua identidade e seu valor".
Para Turow, os internautas nunca estiveram tão vulneráveis -e não apenas pela privacidade escancarada das redes sociais. A seguir, trechos de sua conversa com a Folha, por telefone, da Filadélfia. (RAUL JUSTE LORES)
REGRAS DE CONDUTA
Jornais e revistas historicamente criaram muros entre a Igreja e o Estado, o conteúdo jornalístico e a publicidade, com regras muito claras para diferenciar a propaganda. No mundo on-line, essas regras estão desmoronando. Tanto no Huffington Post como no Gawker [sites jornalísticos e agregadores de blogs], há anúncios com a mesma cara de reportagens.
MIMETIZAR CONTEÚDO
A maior e mais proeminente mudança é dos anúncios que se querem fazer passar por conteúdo editorial. O Facebook tem links que mimetizam os posts de seus amigos, o Twitter tem tuítes que são anúncios, tudo desenhado para parecer um "artigo" verdadeiro, não propaganda. Querem que o internauta não perceba que é publicidade, porque já admitem que a publicidade se tornou um fator de irritação na internet.
COMPETIÇÃO FEROZ
A competição por anúncios é muito mais feroz, então se faz de tudo para agradar o anunciante ou a agência. No mundo off-line é difícil, mas na internet, em que o valor por leitor é muito menor, as regras desaparecem.
QUALIDADE JORNALÍSTICA
A publicidade sempre quis se associar ao conteúdo de alguma forma. Um certo tipo de elite lê os jornais de maior qualidade, e era isso que a publicidade queria, ser ligada a essa qualidade jornalística. Hoje em dia, o público se pulverizou e pode estar em qualquer lugar, no site de fofocas. Então o anunciante quer estar em todo lugar, contanto que não seja de pornografia.
MENOS DE 1%
O Twitter é um dos mais bem-sucedidos nessa operação, pela própria natureza do veículo, de pílulas de 140 caracteres. Menos de 1% dos anúncios no Facebook, no Google e no Bing são clicados pelos internautas. É normal, são bem mais eficientes que mala direta, que ninguém abre. Se os anúncios em revistas e jornais tivessem que ser clicados, não seriam muito mais acessados. Nas revistas, o anúncio precisa ser olhado de qualquer maneira, entre as reportagens.
CEGUEIRA AO ANÚNCIO
Acontece cada vez mais a "banner blindness" (cegueira ao anúncio). As pessoas ignoram automaticamente o anúncio. O Google não faz dinheiro com cliques, mas ao oferecer as bilhões de vezes que os usuários o acessam diariamente. É audiência.
A publicidade que tem funcionado mais é a que oferece algo novo. Um game, um vídeo -mas, depois que a ideia aparece mil vezes, o apelo diminui. Não há receita infalível. A porcentagem de gente clicando em anúncios se mantém baixa e é estável.
APREÇO À PRIVACIDADE
Em pesquisas recentes, 86% dos americanos se disseram contrariados com propaganda exibida a partir do histórico de cliques e interesses. Internautas não gostam de se sentir seguidos ou monitorados.
Mesmo os jovens adultos, de 18 a 24 anos, que podem expor toda a sua vida no Facebook, posar de biquíni e falar coisas impróprias, respondem de forma muito parecida aos mais adultos sobre o direito à privacidade. Muitos se sentem incomodados com o excesso de propaganda que os persegue, graças a algum clique que deram ou a alguma pesquisa que fizeram.
O SUCESSO DA AMAZON
A Amazon é um caso raro de uso de um mecanismo de recomendação baseado em compras anteriores -o que deixa claro que eles monitoram nossas compras e nossas pesquisas- que não parece incomodar os usuários. O sucesso deles, acho, depende de diversos outros fatores, dos preços baixíssimos, às vezes abaixo do custo, de não pagar certos impostos, da eficiência da entrega, é uma máquina de varejo eficiente.
EXEMPLO EUROPEU
Na Europa, o debate cada vez mais forte é de que o mercado deveria respeitar o direito à privacidade dos indivíduos e ao controle de seu dados. Nos EUA, estamos longe disso.
RAIO-X JOSEPH TUROW, 52
Nova-iorquino, doutor em comunicação e professor da Universidade da Pensilvânia
SUAS OBRAS
É autor ou coautor de 15 livros inéditos no Brasil, incluindo "Media Today", um estudo sobre convergência de meios, e "The Daily You", sobre propaganda digital e identidade. Em 2010, conduziu pesquisa sobre como adultos lidam com sua privacidade na rede
ANÁLISE
Atrasado, Brasil prepara lei de proteção à privacidade
RONALDO LEMOSCOLUNISTA DA FOLHADe 2010 até hoje, seis países latino-americanos (como o México e o Peru) criaram novas leis para proteger a privacidade. Isso ilustra uma tendência internacional: a crescente preocupação com a proteção dos dados pessoais e sua regulação legal.O Brasil não faz parte dessa lista. Ao contrário, a situação em nosso país é paradoxal. A Constituição protege
a privacidade como um direito fundamental. Mas não há leis específicas tratando da questão. Com isso, nem juízes encontram parâmetros para tomar decisões sobre o tema, nem usuários ou empresas sabem os limites do que deve ser protegido.
Nesse cenário, o Ministério da Justiça vem trabalhando na elaboração de uma lei de proteção de dados pessoais.
O texto inicial inspira-se no modelo da União Europeia, o mais completo (e rígido) do mundo. Sua primeira versão previa que a coleta de dados só poderia ocorrer com consentimento formal do usuário. Os dados só poderiam ser usados para finalidades especificadas. E o habeas data passaria a ser válido para bancos de dados privados, permitindo ao usuário saber o que há sobre ele.
O projeto está atualmente em revisão no Ministério, e mudanças são esperadas.
PETRÓLEO DIGITAL
Elaborar uma lei sobre o tema não é tarefa fácil. Os dados dos usuários tornaram-se hoje o petróleo da internet.
Sua análise gera lucros e serviços aparentemente "gratuitos", como e-mail, armazenamento de arquivos e redes sociais. Restringir excessivamente a coleta desses dados pode engessar algumas atividades legítimas.
Mas como diz uma célebre frase: quando você acessa um produto gratuito, isso significa que você é o produto. Muitas empresas acumulam perfis microscópicos dos hábitos dos usuários. Evitar que eles circulem sem autorização ou possam ser requisitados por governos de forma descontrolada toca em pilares do Estado democrático.
E novos desafios estão surgindo, como a computação em nuvem ou a chegada ao Brasil de empresas como a Phorm, que coletam dados do usuário diretamente na conexão com a rede, analisando todos os dados trafegados (por meio da chamada "inspeção profunda de pacotes"). Esses novos temas estão levando a União Europeia a revisar e ampliar suas leis sobre privacidade. Perto disso, o trabalho no Brasil está apenas no começo.
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